domingo, 15 de março de 2020

SANTANA E O JEGUE


SANTANA E O JEGUE
Clerisvaldo B. Chagas, 16 de março de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.274
JUMENTO E BOTADOR D'ÁGUA EM FOTO ARTÍSTICA DE B. CHAGAS)

Povoado, vila e cidade de Santana do Ipanema, Alagoas, até a década de 1960, bebiam água azinhavrada das cacimbas arenosas do leito do rio Ipanema. Essas águas, tanto das cacimbas quanto das cheias, eram também usadas nas tarefas domésticas. Até mesmo telhas e tijolos fabricados às suas margens contavam com as águas salobras do rio. Para abastecer as residências, a água do Panema ficava armazenada em potes, jarras e porrões (u) de barro. A quartinha, também de barro, esfriava a água que era servida nos copos. Mas, como era trazida a água da fonte para as casas? Conduzida à cabeça, pelas mulheres, em latas e potes de barro com rodilhas. Para lugares mais longe a tarefa era exercida por jumentos (mais de cem) cada qual equipado com manta, cangalha, quatro ancoretas, quatro ganchos e cabresto. Alguns desses jegues usavam quatro latas acomodadas em caçambas de madeira, no lugar das ancoretas.
Pessoas menos letradas chamavam as ancoretas (pequenos   barris de madeira) de ancorota. Foram os jumentos que impulsionaram a nossa civilização com esse trabalho supimpa. Era dirigido pelo seu dono que não tinha outra denominação a não ser “botador d’água”. Nem “aguadeiro” nem “tangedor”, essas expressões não existiam. O costume de chamar o condutor do jegue de “tangedor” em nossa região, é um erro.
O jegue foi reconhecido como amigo do sertanejo pelo, então, prefeito Adeildo Nepomuceno Marques; este ergueu uma estátua ao jerico juntamente com o seu botador d’água, em homenagem aos relevantes serviços prestados por ambos ao povo santanense. A obra foi encomendada ao escultor de Pão de Açúcar, Lisboa. Muito polêmico na época, o monumento de concreto firmou-se e hoje é também um símbolo nordestino e mundial pela bravura em conviver com a estiagem característica do clima sertanejo.
Agora o orgulho é geral e a famosa estátua ao jegue recebe os visitantes que vêm das bandas da capital, bem defronte a rodoviária.
Virou febre do artesanato no semiárido.



Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2020/03/santana-e-o-jegue.html

quinta-feira, 12 de março de 2020

TACANDO FUMO NOS CABRAS



TACANDO FUMO NOS CABRAS
Clerisvaldo B. Chagas, 12 de março de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.273
LUÍS, AO CENTRO. (FOTO: B. CHAGAS).

Estive na casa do senhor Luís Soares Filho em manhã de domingo de 2 de abril de 2006, localidade Aterro. Fiz uma entrevista com o popular Luís Fumeiro, então, com 83 anos de idade. O homem que era feirante, negociava com fumo de rolo vindo de Arapiraca. Era comum encontrá-lo aos sábados na Feira do Fumo, primeiro entre o “prédio do meio da rua” e o “sobrado do meio da rua”, depois, defronte ao Mercado Público e finalmente por trás da Rua Ministro José Américo. A entrevista completa está no livro inédito: “O Boi, a Bota e a Batina, História Completa de Santana do Ipanema”. O entrevistado parecia ansioso e fez o seu desabafo, ainda com uma lucidez impressionante.
Foi ele quem fundou a Avenida Nossa Senhora de Fátima (via da Câmara de Vereadores), com cinco casas. Foi ele também quem fundou o time de futebol Ipiranga, que se tornou o principal adversário do Ipanema, por longos anos. Luís dá detalhes de tudo. Ainda foi ele quem fundou a rua do antigo Aterro, onde morava na época da entrevista; rua que faz parte da BR-316 e desafoga o trânsito de Santana do Ipanema. Da última metade do século XX, o bloco carnavalesco “Os cangaceiros” foi um dos mais famosos de nossa folia. Também foi Luís Soares o seu fundador que gastava muito dinheiro em carnavais e pastoris. O time do Ipiranga sempre foi sustentado por ele e não pedia ajuda a ninguém. Todos os anos o fumeiro fazia uma casa para vender e aplicar a verba no Ipiranga.
Pessoa pacata e empreendedora, morava com a mãe – senhora   de idade avançada – na rua onde atualmente funciona a popular empresa ROBRAC. Quase defronte. Vez em quando eu lhe fazia uma visita em sua casa para ouvir suas ideias. Outras vezes as visitas eram feitas à sua própria banca de feireiro, onde o encontrava animado, mas sempre com alguma sombra de preocupação nos gestos. A feira específica foi migrando em diversas gestões municipais, mas nunca neguei a minha presença à banca do fundador e dono do Ipiranga. Luís faz parte muito forte da história do nosso município.
Sempre que eu chegava à sua banca, a saudação e a resposta eram quase sempre as mesmas: “Diga aí, amigo, o que estar fazendo?”.
E Luís, entre a ironia e a tristeza: “Tacando fumo nos cabras”.











Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2020/03/tacando-fumo-nos-cabras.html