quarta-feira, 21 de novembro de 2018

COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (IV)


COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (IV)
Clerisvaldo B. Chagas, 22 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.012
ILUSTRAÇÃO: ELIAS VITALINO

Contemplei em uma imensa plantação de algodão, a colheita do produto, comandada pelo meu tio. Cerca de 100 pessoas, entre homens e mulheres a quem eles chamavam de batalhão. Todos protegidos por chapéu de palha de aba grande ou pano à cabeça, bizaco a tiracolo. Uma senhora puxava cantiga em quadras improvisadas. Cada estrofe era ouvida por todos os que vinham atrás colhendo o algodão, embizacando e respondendo:

Mineiro pau...
Mineiro pau...

Hora do almoço, feijoada com charque para o batalhão, debaixo dos laranjais.
O algodão era pesado e ensacado nos armazéns. Os sacos/estopas eram pendurados ao teto com uma roda de pneu fino na boca. Um homem dentro do saco pilava o algodão com os pés. Outro cozia a boca da estopa com agulha de saco e novamente o colocava na balança de armazém. Dali o produto seguia em carros de boi para a vila de Olho d’Água das Flores onde era vendido às algodoeiras.

Também contemplei em outro roçado, a colheita da mandioca, raiz que gosta de terras especiais. Em lombo de jegue e em carros de boi, o produto chegava a casa-de-farinha.  Formava-se a deliciosa festa da farinhada. Mulheres sentadas no piso de barro tagarelavam e rapavam mandioca em redor do monte, sempre abastecido. Aqui, acolá aparecia uma macaxeira (macaxeira não é mandioca) que logo era comida crua pelas participantes.
No caititu, a cevadeira triturava o produto colocado no cocho. Dois homens fortes rodavam a roda de veio ligada por barbante, ao caititu. A massa triturada ia para a prensa manobrada por um sujeito forte. Depois era peneirada, colocada ao forno de barro, onde um habilidoso cidadão mexia a massa, com um rodo de madeira produzindo a farinha. O forno era alimentado por lenha bruta. O cheiro gostoso invadia toda a casa-de-farinha. Eu ficava no pé do forno catando “grolado” para comer. Lá fora, no oitão, um cabra gritava em referência ao caldo da prensa jogado fora: “Deixe a vaca longe, Ciço, manipueira mata!”.
(CONTINUA).





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terça-feira, 20 de novembro de 2018

COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (III)


COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (III)
Clerisvaldo B. Chagas, 21 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.011
 
ILUSTRAÇÃO: DRICA MELO.
Parte Externa

A frente da casa, calçada alta de pedra e cimento, dava para a rua poeirenta. Do outro lado da rua, a bodega, os armazéns, um telheiro com porta e a casa-de-farinha, grande, fechada, sem reboco. Dali eu via o cotidiano externo. Raros passantes. Um cavalo comendo milho no aió vai viajar. Firmino Carreiro, sempre com um palito na boca. O morador Zé Vieira – figura do Jeca – paciente e agradável, chegando à bodega. Lá no fim da rua, perto da igreja, sob frondosa árvore, quartos de bode na banca frágil, expostos à venda. Chega o carreiro Ulisses, assoviando e cantando baião:

“Ó sanfoneiro
Moça mandou lhe chamar
Para tocar um baião no Ceará
Tu diga a ela
Que de pé eu não vou lá
Eu sou vou de avião
Se mandarem me buscar...”.

“Mas ela tinha
Doze parmo de canela
Para dá um beijo nela
É preciso me atrepar...”.

Quando dava, eu ia com Ulisses buscar água em barreiro para servir a casa. Era uma barrica e um funil na mesa do carro, puxado por dois bois, Paraná e Ouro Branco. Andava pelos pomares e por vários cercados do meu tio. Certa vez fui até a Gameleira tomar banho de barreiro na casa de Quitéria. Que delícia!
Havia a Santa, bela mulher independente, morando ali perto. Minha tia era meio esquerda com ela e assim eu evitava os mistérios dos adultos.
  Pela tardinha os bois de carro eram tangidos para a esquina de um dos armazéns, onde comiam palma pinicada. O Sol declinava. Meu tio sentava-se na calçada alta e lavava os pés em gamela ou da árvore gameleira ou do mulungu.
Noites muito escuras, casa iluminada com placas nas paredes, à base de querosene
 E quando havia som de forró nas imediações, não era para mim, não era para nós.
(CONTINUA).

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