ESPANADOR DE SEU CLETO Clerisvaldo B. Chagas, 17 de junho de 2011              Falamos aqui outras vezes sobre as peculiaridades das farmá...

ESPANADOR DE SEU CLETO

ESPANADOR DE SEU CLETO
Clerisvaldo B. Chagas, 17 de junho de 2011

             Falamos aqui outras vezes sobre as peculiaridades das farmácias de Santana do Ipanema, Alagoas, nos anos sessenta. A “Vera Cruz” ─ homenagem sobre o descobrimento do Brasil ─ tinha um quadro de leitura obrigatória com sua alegoria dividida: “Entrai pela porta estreita”. E ali estavam às representações da porta estreita e da porta larga, a da salvação e a da perdição, o céu e o inferno. A Vera Cruz continua no mesmo local, mas ignoramos o destino do quadro. Bem que ele poderia fazer parte do museu do proprietário professor Alberto Nepomuceno Agra, no primeiro andar. A outra farmácia, de Cariolano Amaral, vulgo Seu Carola (ô) ─ o homem da gravata borboleta ─ antes no “prédio do meio da rua”, depois, ao lado da Esquina do Pecado, também tinha o seu símbolo. Era ele um negrão forte, careca e lustroso envergando uma barra de ferro. Propaganda impressionante de uma velha conhecida marca de xarope. Poderia a estatueta também fazer parte do museu de Santana. Mas existirá ainda o homem forte?
            Outra coisa que me chamava atenção era o espanador da loja de tecidos do comerciante Cleto da Costa Duarte, também localizada no prédio do meio da rua. Na loja de meu pai havia espanadores de fios de palhas, moles, finos, flexíveis, bonitos e bem feitos que de vez em quando eram vendidos por ambulantes. Nunca perguntei onde eram fabricados, pois diferenciavam de outro tipo comum, mais duro, feito em Santana, vendido nas feiras. Mas aquele espanador da loja de Seu Cleto era único. Feito de penas de peru, arrumado de modo que algumas penas menores se retorciam para cima, esses espanadores eram passados com rapidez sobre os tecidos, dando a impressão que nem serviam para tal mister, sendo mais para enfeite. Parece-me que tinha sido presente de um caixeiro-viajante do Recife. Também sem ter certeza, parece-me que havia objeto semelhante na “Casa Ideal”, sapataria que ficava por trás do prédio do meio da rua, mas do outro lado da via, pertencente ao senhor Marinheiro.
           Dizem que a vida é combate e nós vamos lutando com o costumeiro e com as surpresas que ora nos afligem, ora nos enlevam. Vamos associando os símbolos acima à religião, aos ensinamentos dos pais, ao modo de encarar os acontecimentos que testam a nossa capacidade. Acontece um mergulho nos objetivos da existência, no enfrentamento das vicissitudes, no mérito das provações. No fino nevoeiro também surgem às fraquezas, as covardias, os planos não realizados, valorosos amigos, traidores calculistas, méritos e deméritos que navegam quais folhas secas num espaço infinito. Remoendo nossas fraquezas, não deixamos de apenas para nós, avaliarmos o mérito de servir. Repetia meu pai: “Quem não vive para servir, não serve para viver”. E nesse momento em que o passado ocupa a área do presente, compreendemos que muitos dos que usufruíram da nossa boa vontade, da nossa obrigação em servir ─ esquecendo os obséquios ─ agem como o desafiador negrão de Seu Carola. E seguindo de perto à condição humana, os pobres entusiasmados, sem glória, sem rumo e sem caráter, marginalizam os tempos em que se assemelhavam com frequência ao ESPANADOR DE SEU CLETO.

LIBERTADORES Clerisvaldo B. Chagas, 16 de junho de 2011           Taça Libertadores pode até ser uma série de jogos comuns entre países ir...

LIBERTADORES

LIBERTADORES
Clerisvaldo B. Chagas, 16 de junho de 2011

          Taça Libertadores pode até ser uma série de jogos comuns entre países irmãos. Uma final, porém, de Libertadores, é simplesmente empolgante até para pessoas que não simpatizam muito com futebol. Acontece que são inúmeros itens que estão anexados ao simples rolar da bola no gramado. A grandiosa festa onde estão juntas milhares e milhares de pessoas, o colorido das roupas, dos estádios, da torcida. Fogos, cânticos, gritos, xingamentos, urros gigantescos, movimento forte no trânsito, discussões, alegria, bandeiras, comidas de rua e a mídia do mundo inteiro funcionando, deixam o futebol no topo do esporte das multidões. É bom parar um pouco o dinamismo da corrida diária para relaxar, nem que seja na poltrona, assistindo um belíssimo espetáculo da Libertadores. E foi assim que aconteceu em Montevidéu, uma das mais simpáticas capitais do mundo, bem ali na frieza meridional da América do Sul.
          A brancura maior do terno dos Santos faz contraste com o verde do gramado, com o terno à moda DETRAN, do Peñarol. Uma névoa invade o estádio e a ocupação total das arquibancadas aguarda com ansiedade o toque de início. O resultado é sem gol, mas o jogo foi bom, tenso, raçudo, com o mínimo de violência, acostumada a residir em países como Uruguai e Paraguai. Mesmo assim, o empate na casa do zero, foi como importantíssima vitória para o time da Vila que vai decidir no Brasil uma vitória por um placar simples. Em havendo empate, prorrogação. Persistindo o empate, pênaltis. Mais uma vez a final da final fica em nosso território, o que significa festa dobrada, muito dinheiro circulando, possibilidade real de ganhar o torneio pela terceira vez. Se no Uruguai o espetáculo foi garantido já imaginamos a festa que acontecerá no Pacaembu. Está certo que Neymar não foi brilhante em todo o seu potencial, mas também não foi tão decepcionante assim. Mas a mania de cair constantemente sem motivo, irrita mesmo a torcida adversária e também a nossa. O povo quer ver jogo de bola e não fingimento de quedas a cada minuto. É preciso alguém para abrir os olhos do jogador, nesse caso, pois o atleta vai-se tornando antipático e ao invés de aplausos ganha vaias bem motivadas, sim. O Estádio Centenário proporcionou um bom teste ao time do Peixe. O Santos precisa melhorar a posição e a atenção dos seus zagueiros, bem como a ligação mais junta a Neymar e Zé Eduardo. Elano não conseguiu ser um homem criativo como das outras vezes e, a falta de Ganso foi claramente notável.
          O grande momento do jogo foi quando o bandeirinha, com honestidade e coragem, deu impedimento durante o gol uruguaio. Ainda existem pessoas que valorizam a sua decência, como fez o bandeira em Montevidéu. Vamos aguardar a decisão na próxima quarta, que promete outro bom momento para o brasileiro que vai e o que não frequenta estádios. Afinal, não é sempre que temos a oportunidade de acompanhar time do Brasil na LIBERTADORES.



MIRAGENS DA MACONHA Clerisvaldo B. Chagas, 16 de junho de 2011           Não tenho conhecimento e nunca procurei saber a quem pertence, em...

MIRAGENS DA MACONHA

MIRAGENS DA MACONHA
Clerisvaldo B. Chagas, 16 de junho de 2011

          Não tenho conhecimento e nunca procurei saber a quem pertence, em Santana do Ipanema, o chamado Campo de Aviação. Situado a três quilômetros do centro, lembro bem que ele já existia nos anos sessenta. Campo de barro vermelho ao lado de pista asfáltica, também é ladeado por estradas vicinais que dão acesso a sítios importantes da região. Quando aeroplano ainda era bicho de sete cabeças, de vez em quando chegava por ali um teco-teco. A meninada dos arredores logo vencia a meia légua para espiar de perto o monstrengo que avoava. Maneiro, menino, que parecia o tal pavão misterioso! Ali, se a meninada não viu a chegada poderia contemplar a saída. Dava plantão, passando a mão no bicho roncador até que o piloto resolvia retornar. A poeira levantava do chão e o danado seguia fazendo carreira até despregar as patas do solo e subir “linheiro” que nem codorniz. Lá adiante ainda havia aplausos quando o pássaro metálico fazia a manobra circular rumo à capital. Falavam que o progresso iria chegar a Santana montado nos teco-tecos. Uma viagem do Ipanema a Maceió, baseada em até seis horas, ficaria uma beleza! Logo, logo os abastados da região estariam no litoral cuidando dos seus negócios e retornando rápidos contra perdas de tempo. Houve até um prefeito ─ que ainda gosta de se exibir sobre as cabeças alheias ─ que prometeu asfaltar o local e deixar tudo moderno para acelerar o falado desenvolvimento. Sem dúvida nenhuma iniciaria logo com seus passeios de luxo.
          Tudo aconteceu ao contrário. Avião ali passou a ser coisa rara. E quando os bancários do Banco do Brasil eram os tais da cidade ─ com suas inesquecíveis lambretas ─ muitas conversas preocuparam os pais de moças de Santana. Chegaram até inventar modinha, parodiando canção famosa:

“Ai, ai, ai do banco
     Me leve para o campo
         Mas cuidado com papai”

          Depois foi a vez das mulheres casadas que gostavam de pular cerca. Faróis de veículos tornaram-se autênticos espiões. Finalmente veio a fase do mato verde, do enroladinho, do baseado. Os contrabandistas eram apontados a dedo e os fumadores também. Devido o aperto policial, o usuário preferia o sossego do campo de aviação aos becos imundos de acesso ao rio. Os pontos das brasas por baixo do rasga beiço misturavam-se aos vagalumes que enfeitavam as noites sertanejas.
          Abandonado à própria sorte, a única coisa que mudou no campo de aviação foi o nome para Campo de Pouso. Lá se vão cerca de cinquenta anos de existência. Nem sabemos por que ainda não providenciaram um aniversário para homenagear alguém. Todas as fases citadas evoluíram, nem precisa mais de campo de pouso. Falar nisso, alguém sabe quando vai ser construído o aeroporto do Sertão? Ao entrevistar um célebre maconheiro, dos tempos mais difíceis e românticos dos desgarrados, o camarada disse, fitando o espaço, o céu azul, o voo das andorinhas: ”É isso aí, bicho. Avião de verdade mesmo a gente nem apreciava, mas chega ficava “sulene” com as MIRAGENS DA MACONHA”.