O CORONEL VIU Clerisvaldo B. Chagas, 7 de junho de 2016 Crônica. Conto Nº 1.527 (Para a sensibilidade do escritor Fábio Campos) ...

O CORONEL VIU



O CORONEL VIU
Clerisvaldo B. Chagas, 7 de junho de 2016
Crônica. Conto Nº 1.527
(Para a sensibilidade do escritor Fábio Campos)

Ninguém sabe a quem tinha puxado o coronel Petró. Os pais eram muitos religiosos, exemplos de vida. Moravam em outro lugar e não cansavam de rogar pelo filho. Mas Petró era um desastre. Bastante perverso, o infeliz. Quando se aborrecia com alguém, das duas uma: ou o cabra entrava na macaca ou na boca do rifle 44. Havia um medo geral do coronel, na região. Mas, debaixo da canga, pescoço abaixado, os habitantes não reagiam.
Certa feita, durante a hora da sesta, o coronel dormitava dentro de casa e os capangas no alpendre. Petró foi acordado por uma suave sacudidela na rede. Viu diante de si, uma jovem muito bonita, toda trajada de branco. Assustou-se e indagou:
Quem é você?
Boa tarde, coronel. Eu sou mensageira do Pai Maior. Ele é muito poderoso e mora longe daqui, já ouviu falar?
Nunca, nunca! E o que ele quer comigo indagou arrogante.
A sua fama chegou até lá, coronel. Pai Maior resolveu enviar para o senhor, quatro presentinhos. Eu os trago nesta sesta de palha.
Mas que diabo está acontecendo?! Mostre-me isso.
A moça abriu a pequena sesta e mostrou uma caixeta azul que parecia uma caixinha de aliança, muito brilhante, e disse:
Aqui tem uma essência rara chamada Sabedoria. Este é o primeiro presente que o senhor pode usar, se quiser. E se não quiser usá-la, também não precisa usar os outros presentes.
O coronel pegou a caixeta, ficou fascinado pelo brilho e, a revirava sem saber que material era aquele e sem saber como abri-la.
A moça pegou, então, na sesta, a segunda caixeta, semelhante à primeira, mas de cor verde. Disse:
Esta aqui, coronel, contém uma essência importantíssima; chama-se Tolerância. O senhor só deve usá-la se sentir os primeiros efeitos da primeira.
Petró abriu a boca, incrédulo, mas não emitiu som nenhum.
Então, a moça, da mesma maneira, apresentou outra caixeta gêmea, amarelada e falou:
─ Quando o senhor estiver bastante acostumado com as duas anteriores, pode usar esta terceira essência que se chama: Perdão. E aqui está o último presente, essa caixinha vermelha que contém a penúltima essência da terra. É a mais importante de todas e se chama Amor.
O coronel Petró reagiu e conseguiu indagar:
─ Como posso abri-las se não vejo trancas? Como usar essas essências, moça.
Ela respondeu docemente:
─ O senhor pode abri-las através do pensamento. O modo de usar já vem gravado dentro e o senhor, se quiser, logo descobrirá.
Missão cumprida, até outro dia, coronel.
─ Mas a senhorita já vai? Não quer me dizer seu nome?
A moça deu às costas, começou a sair de dentro de casa e, já no final do alpendre, voltou-se para o coronel, estupefato, e disse:
─ Eu me chamo Misericórdia. Sou a última irmã da minha família.
O coronel Petró viu aquela alva figura se afastando pelas suas terras até desaparecer completamente na porteira da fazenda.

RETALHO DOS VALORES AMOFAMBADOS Clerisvaldo B. Chagas, 6 de junho de 2016 Crônica Nº 1.526 “Recordo-me perfeitamente como tom...

RETALHO DOS VALORES AMOFAMBADOS



RETALHO DOS VALORES AMOFAMBADOS
Clerisvaldo B. Chagas, 6 de junho de 2016
Crônica Nº 1.526

“Recordo-me perfeitamente como tomei conhecimento da nova poesia de Jorge de Lima, através de Essa Negra Fulô e Banguê. Foi na loja da Viúva Manoel Rodrigues da Rocha, nos fins de minhas férias de colegial recifense, depois do carnaval de 1928.
O poeta Valdemar Lima e o “causeur” Atanagildo Brandão, principais auxiliares daquela firma, não gostaram da liberdade do Dr. Jorge, um médico respeitado em todo o território alagoano. E eu, com os meus botões, achei a poesia meio indecente.
Na mesma semana, as pessoas “sabidas” lá de Santana do Ipanema o Juiz de Direito Dr. Acioli, o Promotor Público Dr. Arquimedes, o professor Pedro Bulhões, o negociante Fernando Nepomuceno, o farmacêutico “doutor” Carôla, o “engenheiro” Joaquim Ferreira, o “advogado” Joel Marques, o “astrônomo” Sinhô Morais (porque conhecia a direção das chuvas) e o dentista prático “doutor” Perdigão, que vivia aboletado de cama, mesa e consultório, na casa do Vigário comentavam desfavoravelmente a traição do “príncipe dos poetas alagoanos”.
Com a sua reviravolta, o Dr. Jorge de Lima decaíra no conceito dos homens de bem e dos bem-pensantes de toda a Província de Alagoas, desde a baía de Jaraguá até a cachoeira de Paulo Afonso”.
ROCHA, Tadeu. Modernismo e Regionalismo. Imprensa oficial, Maceió, 1964. Págs. 35-36.


O DOIDO E O TREM Clerisvaldo B. Chagas, 3 de junho de 2016 Crônica Nº 1.525 MARIA FUMAÇA NO MUSEU XUCURU. Em Santana do Ipa...

O DOIDO E O TREM



O DOIDO E O TREM
Clerisvaldo B. Chagas, 3 de junho de 2016
Crônica Nº 1.525

MARIA FUMAÇA NO MUSEU XUCURU.
Em Santana do Ipanema ─ nos conta o escritor Oscar Silva em “Fruta de Palma” ─ havia um doido chamado Caipira. Era perito em imitar o trem, mesmo não tendo o transporte em Santana. Pedia dois tostões para comprar cachaça, mas logo vinha à proposta: “Só dou, Caipira, se você imitar o trem”. E Caipira afastava-se um pouco, enchia os pulmões de ar, batia os braços como o galo às asas, corria e soltava um tremendo apito igualzinho ao do trem.  
Para desenvolver o estado, a linha férrea, antigamente, cortou os vales do rio Mundaú e do rio Paraíba do Meio, os dois mais importantes de Alagoas. No primeiro caso, a linha chegou até União dos Palmares, onde emendou com outra linha de Pernambuco. No segundo, um ramal partiu de Rio Largo até Viçosa. O povo do Sertão viajava a cavalo até aquele município para pegar o trem e chegar à capital. Posteriormente a linha férrea estendeu-se de Viçosa a Quebrangulo. Depois o trem desceu até Palmeira dos Índios, na década de trinta. Foi muita festa na “Princesa do Sertão” que aguardava há muito pelo acontecimento. O projeto para o Sertão foi desviado e a via férrea descambou para as bandas do Agreste até chegar a Porto Real de Colégio.
Os sertanejos, então, passaram a viajar até Maceió, indo de caminhão ou de “sopa” até Palmeira, onde dormiam, embarcando no trem pela madrugada, numa cidade ainda às escuras.
Os trens ajudaram sim a desenvolver alagoas, transportando gente e mercadorias pelos vales férteis do estado, sendo um escoador da produção e agente povoador desses mesmos vales, onde se desenvolveram engenhos, usinas e canaviais.
Hoje tudo acabou restando apenas o moderno VLT (Veículo Leve Sobre Trilhos), que faz o tripé Maceió, Rio Largo e Satuba. É uma tristeza histórica se contemplar em Palmeira dos Índios a antiga estação ferroviária e a máquina Maria Fumaça no Museu Xucurus.
Ao lado da tristeza, a nostalgia dos velhos tempos do Sertão do doido Caipira.
─ Imita aí o trem, Caipira, que eu lhe dou dois tostões!
Ê... Mundo velho para rodar!...