O
MENDIGO ESPERTO
Clerisvaldo B. Chagas, 24 de dezembro de 2019
Escritor
Símbolo do Sertão Alagoano
Não havia opção.
Fiquei no pé do muro naquela nesga de sombra, aguardando a abertura do
consultório. O ponteiro resfolegava para o meio-dia, numa temperatura de
queimar tijolo. Junto ao cadeirante, sem uma perna, mais observador do que
linguarudo, era mesmo que não ter ninguém para conversar, em quase uma hora de
espera. Como eu sempre via o sujeito no mesmo lugar pensei tratar-se de um vigia.
No fiapo de sombra só nós dois e o vazio de voz. Aproveitei o limão para fazer
a limonada do dito popular. Observei que o cabra não era vigia de coisa
nenhuma, mas um pedinte viciado e esperto com lugar cativo. Devia fazer o ponto há anos, pois conhecia
todos os que moravam na viela e os trabalhadores das imediações.
Quando não falavam
com ele, o próprio se adiantava no cumprimento e assim ia pingando moedas e
papel na sua mão. Passou a madama, o empregado, o catador de ferro, as moças...
E de repente um do seu nível, suado, celular à mão, veio trocá-lo pelo aparelho
similar do cadeirante. Conversas, vantagens, torna, cada figura querendo levar
vantagem sobre a outra. A troca chegou muito perto, mas ficou para a próxima
rodada. Ao passar do meio-dia o cadeirante puxou o aparelho e telefonou para um
familiar mandado que providenciasse o seu almoço. Deu o lugar onde se
encontrava seu cartão de crédito e fez outras recomendações. Hum!... Que
chique! Por nada nesse mundo ele abandonaria o posto para almoçar.
Macaco velho,
escolado, conhecia de sobra o tempo do lucro e do prejuízo. Enquanto aguardava
a próxima vítima, perdão, novo cliente, balançava com as duas mãos as moedas
que tiniam bonito perto dos ouvidos. Perguntei para firmar certeza nos futuros
dizeres, como seria o nome da viela sem placa indicativa. “Viela Três Marias”, respondeu
sem muito boa vontade sobre a Travessa Itatiaia. “O senhor conhece o filho do
cangaceiro Corisco?” Indaguei. “Sim, senhor, mora lá no fundo da rua, é o Dr.
Silvio Bulhões”. Calou-se.
Defronte o
consultório abriu. Entrei e fui atendido. Ao retornar à rua continuava lá a
estátua grudada do cadeirante. Não julguei nada e nem cabia julgar coisa
alguma. Simplesmente rodeei o homem e zás! Uma foto de costas para a próxima
crônica. Para que filosofar a vida? Respirei fundo... E fui.
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