PARA QUE MATAR?
Clerisvaldo B. Chagas, 8 de junho d 2023
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2901
Para o
escritor contista Fábio Campos e
Ao amigo
Mendes (Blog do Mendes)
Na
fazenda, levantei-me logo cedo e contemplei a bagaceira no terreiro por trás da
casa. Pela terceira vez a onça havia atacado as criações, matado e carregado um
carneiro. Várias galinhas morreram no ataque, apavoradas e sem saída. Enchi-me
de raiva e resolvi caçar o felino até abatê-lo. Bem armado e ainda em jejum,
segui o seu rastro, caatinga adentro. Já fazia mais de três horas em que perdia
e redescobria suas pegadas. Pensava tratar-se de uma onça suçuarana, também
chamada onça-parda. Depois de muito andar senti que o bicho estava por perto e
tentei surpreendê-lo. O plano era chegar pela retaguarda e, sem ser visto
atirar no predador. Porém o surpreendido foi eu. Deparei-me com a fera parada,
em pé e me observando, a cerca de cinquenta metros de distância.
O
animal não era uma suçuarana como eu havia pensado, mas sim uma pintada,
inúmeras vezes mais perigosa. Imediatamente apontei a arma para a sua cabeça,
sem que onça deixasse de me encarar. Imediatamente senti algo, como se o animal
estivesse se comunicando comigo. “comi suas criações porque estava com fome”,
não vai me perdoar? A raiva bruta sofreu uma queda imediata. Pensei que talvez
fizesse o mesmo na circunstância da fome. Foi tudo muito rápido, a onça não se
movia e eu não conseguia atirar. Juntando o pouco de raiva restante e a
reflexão relâmpago, atirei para cima. A onça correu e eu resolvia retornar à
casa. Antes, porém, da curva da trilha, olhei para trás. A fera me olhava
fixamente num tronco baixo de forquilha.
Em
casa cheguei com muita fome, tomei o café da manhã. Ainda traumatizado fui
modificar o sistema de defesa das minhas criações para que, se o felino
retornasse, pegasse apenas o necessário, evitando estragos inúteis. Não, não
disse toda verdade à mulher e filhos, eles não entenderiam. Para a vizinhança
que tanto me pressionara, falei apenas que havia perdido o rastro da pintada.
Dias
depois, ingressei numa ONG de preservação dos animais da caatinga. Aprendi
muito e naturalmente galguei à condição de chefe da organização. O episódio me
fez também repensar na solidariedade humana, principalmente nas adversidades.
Aprendi
com a onça que fome não tem educação, ética e paciência chinesa.
ONÇA
PINTADA (FOTO SIOCK)
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