quarta-feira, 7 de junho de 2023

 

PARA QUE MATAR?

Clerisvaldo B. Chagas, 8 de junho d 2023

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2901

Para o escritor contista Fábio Campos e

Ao amigo Mendes (Blog do Mendes)

 



Na fazenda, levantei-me logo cedo e contemplei a bagaceira no terreiro por trás da casa. Pela terceira vez a onça havia atacado as criações, matado e carregado um carneiro. Várias galinhas morreram no ataque, apavoradas e sem saída. Enchi-me de raiva e resolvi caçar o felino até abatê-lo. Bem armado e ainda em jejum, segui o seu rastro, caatinga adentro. Já fazia mais de três horas em que perdia e redescobria suas pegadas. Pensava tratar-se de uma onça suçuarana, também chamada onça-parda. Depois de muito andar senti que o bicho estava por perto e tentei surpreendê-lo. O plano era chegar pela retaguarda e, sem ser visto atirar no predador. Porém o surpreendido foi eu. Deparei-me com a fera parada, em pé e me observando, a cerca de cinquenta metros de distância.

O animal não era uma suçuarana como eu havia pensado, mas sim uma pintada, inúmeras vezes mais perigosa. Imediatamente apontei a arma para a sua cabeça, sem que onça deixasse de me encarar. Imediatamente senti algo, como se o animal estivesse se comunicando comigo. “comi suas criações porque estava com fome”, não vai me perdoar? A raiva bruta sofreu uma queda imediata. Pensei que talvez fizesse o mesmo na circunstância da fome. Foi tudo muito rápido, a onça não se movia e eu não conseguia atirar. Juntando o pouco de raiva restante e a reflexão relâmpago, atirei para cima. A onça correu e eu resolvia retornar à casa. Antes, porém, da curva da trilha, olhei para trás. A fera me olhava fixamente num tronco baixo de forquilha.

Em casa cheguei com muita fome, tomei o café da manhã. Ainda traumatizado fui modificar o sistema de defesa das minhas criações para que, se o felino retornasse, pegasse apenas o necessário, evitando estragos inúteis. Não, não disse toda verdade à mulher e filhos, eles não entenderiam. Para a vizinhança que tanto me pressionara, falei apenas que havia perdido o rastro da pintada.

Dias depois, ingressei numa ONG de preservação dos animais da caatinga. Aprendi muito e naturalmente galguei à condição de chefe da organização. O episódio me fez também repensar na solidariedade humana, principalmente nas adversidades.

Aprendi com a onça que fome não tem educação, ética e paciência chinesa.

ONÇA PINTADA (FOTO SIOCK)

 


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