quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A CUECA DO ENEM

A CUECA DO ENEM

(Clerisvaldo B. Chagas. 9.10.2009)

Querendo discutir o que é uma cueca, de onde veio ou quem a fez, gastaríamos uma noite inteira antes que encerrássemos a discussão. Para alguns, o homem das cavernas que viveu há sete mil anos, já usava uma espécie de toga que poderia ter sido a precursora da cueca. Para outros, esse pedaço de pano teria surgido no século XII, quando os guerreiros usavam um tipo de tecido por causa dos arranhões das armaduras. Segundo mostram os filmes, os egípcios usavam um tecido fino de fibra vegetal que seriam as primeiras manifestações das atuais cuecas. Quando assistimos aos filmes romanos antigos, notamos panos por baixo dos saiotes dos soldados e, mesmo nas películas sobre a Palestina, vimos aquelas tiras de panos em forma de “X”, como a que representa o Cristo Crucificado.

Naturalmente a cueca, assim com a calcinha e o sutiã, foi tornando-se peça cada vez mais sofisticada, de tecido, de lona, de algodão de sede, de quase nada. Tem gente que nem usa essas coisas por achar objetos inúteis. Quando reclamamos certa feita de que Fulano estava com a calça rasgada atrás, ele nem se abalou. Indagou apenas: Para que é que eu uso cueca? Uns usam-nas por necessidade, outros para ficarem sex. E outro ainda não usa cueca para não gastar dinheiro; porque incomoda; porque fica no osso como cavalo de índio.

O certo, porém, é que a cueca, de uma maneira ou de outra, sempre serviu para alguma coisa. Depois de ter enfrentado esse tempo todo da história, surge agora como peça chave utilitária da corrupção. Sim, meus amigos, após cobrir as genitálias, a pequena peça entra na sofisticada “máfia” do Senado e do Enem. Não sabemos ainda se os dólares encontrados na cueca — pelo cheiro característico por onde passou — passaram a valer mais ou menos, no comércio interno e externo. As notas do Enem, também não sabem, até porque a tramóia foi descoberta a tempo. Caso o aluno soubesse que tinha sido reprovado poderia questionar: mas o cheiro ativo do lugar por onde passou a prova não me deixou respirar. Como poderia ter tirado nota melhor? E assim, ficando na memória dos povos como simples peça de pano, a cueca se especializa na criatividade brasileira que vai exportando para o mundo outras prestações de serviços. Antigamente as mulheres jogavam as coisas mais leves no sutiã, como bilhetes e dinheiro. Agora os homens vencem com dólares, cadernos do Enem e celulares para presídios. Está faltando muito pouco para que a cueca seja decretada peça fundamental da república brasileira. Por outro lado, aproveitando o prestígio e a organização, talvez o MST também saia às ruas defendendo a cueca como peça chave nacional. Cuecas verdes, amarelas, azuis, desbotadas, fubentas, fuleiras, esculhambadas, continuando assim, poderão formar até o símbolo das olimpíadas 2016. Quem diria! Pano saído das cozinhas nordestinas para as sofisticações do Enem, do Senado...

Eu mato, eu mato

Quem roubou minha cueca

pra fazer pano de prato...”

Cruz Credo! Cabia um caderno NA CUECA DO ENEM!


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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

OS CABRAS

OS CABRAS
(Clerisvaldo B. Chagas. 8.10.2009)

Cabra é por excelência a fêmea do bode. No Nordeste brasileiro, quando o termo se referia a humanos, representava a designação do não prestar para nada; pessoa igual à cabra, animal de valor mínimo, criado à solta na caatinga ou amarrado nas imediações das taperas. Um cabra qualquer seria uma pessoa sem expressão, sem vontade, sem brio. Não valia coisa alguma. A designação é bastante antiga e difícil é precisar o seu surgimento. Por viverem “amarrados” aos patrões, coronéis da época, indivíduos que faziam os serviços sujos passaram a ser designados, além de capangas, jagunços ou homens do coronel, também de cabras de Fulano ou Beltrano. Dizia o saudoso escritor e fazendeiro Darci de Araújo Melo, que “o cabra é mestiço de branco com preto, cabelo ruim e amarelado”. O termo passou a ser mais conhecido quando começou a fazer parte dos bandos de famosos cangaceiros. Como exemplos tem “os cabras de Lampião; os cabras de Antonio Silvino”. Assim, um cabra qualquer não tinha valor, mas o cabra do coronel ou do cangaço tinha a seu favor a valentia. Já o cabra de aió era aquele matuto comum, pobre, que costumava usar a tiracolo um aió (objeto de fibra que também pendurado à cabeça do cavalo, servia como depósito de ração, principalmente de grãos de milho). O cabra de aió era um ser peculiar, olhado com desconfiança e desprezo, como se não prestasse; mas valia mais do que o cabra qualquer; era falante e sempre tinha alguma habilidade. Geralmente sabia escrever e contar. Dava ótimo apontador de obras. Resta ainda o cabra de peia ou cabra safado. Este era o pior de todos. Tinha todos os defeitos: mentiroso, velhaco, medroso, bajulador, ladrão, sem firmeza, sem caráter. Esse tipo apanhava quase sempre de peia (objeto de corda que aprisionava as patas de animais para evitar grandes deslocamentos). Mas também levava surras de cipós, tabefes e pontapés no traseiro.
Certa vez, no litoral paulista, conhecemos um cidadão de idade avançada, chamado Seu Cazuza. Remanescente do bando de Antonio Silvino ou ferrenho admirador do cangaceiro paraibano, Seu Cazuza angariou muita simpatia pelos casos contados sobre a saga nordestina. Quando os conhecidos o avistavam, de longe iam dizendo com exclamação forte: “Cabra!...” E o velho bandoleiro respondia da mesma maneira, satisfeitíssimo da vida.
E a ventania vai carregando as nuvens do tempo, a sociedade evoluindo, o mundo se enchendo de instruções. Mesmo assim os pais, as escolas, os segmentos religiosos não dão conta dos desvios sociais como um todo. Não é fácil moldar para o bem as mentes desvirtuadas. Vamos acompanhando o filme da vida real moldado neste século, com tremenda semelhança da primeira metade do século XX. É preciso muita ação e fé das organizações para melhorar os turbilhões de absurdos noticiados pela mídia. Os diversos cabras estão alojados em todos os lugares como escorpiões às sombras dos pedregulhos. Com a proliferação desenfreada deste substantivo, os dicionários desistiram sim senhor, de verbetes de bodes e de CABRAS.

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