quarta-feira, 7 de outubro de 2009

OS CABRAS

OS CABRAS
(Clerisvaldo B. Chagas. 8.10.2009)

Cabra é por excelência a fêmea do bode. No Nordeste brasileiro, quando o termo se referia a humanos, representava a designação do não prestar para nada; pessoa igual à cabra, animal de valor mínimo, criado à solta na caatinga ou amarrado nas imediações das taperas. Um cabra qualquer seria uma pessoa sem expressão, sem vontade, sem brio. Não valia coisa alguma. A designação é bastante antiga e difícil é precisar o seu surgimento. Por viverem “amarrados” aos patrões, coronéis da época, indivíduos que faziam os serviços sujos passaram a ser designados, além de capangas, jagunços ou homens do coronel, também de cabras de Fulano ou Beltrano. Dizia o saudoso escritor e fazendeiro Darci de Araújo Melo, que “o cabra é mestiço de branco com preto, cabelo ruim e amarelado”. O termo passou a ser mais conhecido quando começou a fazer parte dos bandos de famosos cangaceiros. Como exemplos tem “os cabras de Lampião; os cabras de Antonio Silvino”. Assim, um cabra qualquer não tinha valor, mas o cabra do coronel ou do cangaço tinha a seu favor a valentia. Já o cabra de aió era aquele matuto comum, pobre, que costumava usar a tiracolo um aió (objeto de fibra que também pendurado à cabeça do cavalo, servia como depósito de ração, principalmente de grãos de milho). O cabra de aió era um ser peculiar, olhado com desconfiança e desprezo, como se não prestasse; mas valia mais do que o cabra qualquer; era falante e sempre tinha alguma habilidade. Geralmente sabia escrever e contar. Dava ótimo apontador de obras. Resta ainda o cabra de peia ou cabra safado. Este era o pior de todos. Tinha todos os defeitos: mentiroso, velhaco, medroso, bajulador, ladrão, sem firmeza, sem caráter. Esse tipo apanhava quase sempre de peia (objeto de corda que aprisionava as patas de animais para evitar grandes deslocamentos). Mas também levava surras de cipós, tabefes e pontapés no traseiro.
Certa vez, no litoral paulista, conhecemos um cidadão de idade avançada, chamado Seu Cazuza. Remanescente do bando de Antonio Silvino ou ferrenho admirador do cangaceiro paraibano, Seu Cazuza angariou muita simpatia pelos casos contados sobre a saga nordestina. Quando os conhecidos o avistavam, de longe iam dizendo com exclamação forte: “Cabra!...” E o velho bandoleiro respondia da mesma maneira, satisfeitíssimo da vida.
E a ventania vai carregando as nuvens do tempo, a sociedade evoluindo, o mundo se enchendo de instruções. Mesmo assim os pais, as escolas, os segmentos religiosos não dão conta dos desvios sociais como um todo. Não é fácil moldar para o bem as mentes desvirtuadas. Vamos acompanhando o filme da vida real moldado neste século, com tremenda semelhança da primeira metade do século XX. É preciso muita ação e fé das organizações para melhorar os turbilhões de absurdos noticiados pela mídia. Os diversos cabras estão alojados em todos os lugares como escorpiões às sombras dos pedregulhos. Com a proliferação desenfreada deste substantivo, os dicionários desistiram sim senhor, de verbetes de bodes e de CABRAS.

Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2009/10/os-cabras.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário