quarta-feira, 21 de outubro de 2009

GENTE BOA (CONTO)

GENTE BOA(CONTO)

(Clerisvaldo B. Chagas. 22.10.2009)

Para a “Dama do Teatro Santanense” (Albertina Agra) e Nilza Marques.


Passava da meia-noite quando a rodoviária esvaziou. Era o último ônibus das trevas e eu não podia perder. Nunca ficamos à vontade em terras estranhas, pois sempre algo diferente parece nos rondar. Para quem gosta, um café; para quem fuma, cigarro. Uma saudade no peito, um amor virtual. Raras pernas passantes pelos corredores longos. Um guarda que namora; um vigia sonolento; estrato de névoa lenta que abraça à rua, que beija a madrugada, que se chega ao de fora. Cochila na porta a cadela branca. E um homem feio do chapéu redondo aperta os passos.


Meu andar parece torto como personagem da “Noite” de Érico Veríssimo. Quero fumar, mas nem fumo. Relanceio a noite preguiçosa, com seus pontos brancos, navegando na branca névoa. Já vou procurando alívio no mictório adormecido. Ali tem um homem, é o dono da roleta que nem abre a boca. Minha perna bate e vence a resistência da roleta solta. Por que está ali uma roleta solta? O baque violento no chão rodoviário parece um grande escândalo que ressoa longe, ecoa além dos corredores vazios. Aguardo a chuva de grosserias, de palavrões, de indecências que certamente serão recrutados. E olho para trás, naquela terra estranha. Pareço levar nos lábios um pedido retinto e amaciado das mais aconchegantes desculpas. A criatura - o dono da roleta que nem era dono - nem meu semblante olha. Retorce o braço e colhe a mão no quadril, quando cita educadamente como um ser divino: “Nem ligue!” Não vi mulher, não vi homem, não vi gay. Vi uma pessoa que me deixou muito feliz, aliviando uma tensão, para mim enorme, em terras alheias. Fui impressionado ao mictório. Na volta agradeci à gentileza, saí nos passos tortos da novela. Percorri sozinho o corredor solitário. A pessoa ficou lá, cumprindo o seu dever àquela hora com todo bom humor e educação que Deus lhe deu. Deixei à luz, fui ver à noite de perto. Furar a escuridão, a névoa, o destino... Aguardando máquina enorme de carregar gente. E chegou uma quentura muito agradável. A porta abriu e eu embarquei impressionado. Quando as duas estrelas de baixo vararam o breu de Garanhuns, tive a certeza de que se o Eterno semeou coisas ruins, também deixou no mundo muita GENTE BOA.


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terça-feira, 20 de outubro de 2009

OS SAFADOS

OS SAFADOS

(Clerisvaldo B. Chagas. 21.10.2009)

Com o passar do tempo, muitos que fazem da política continuam apostando no leitor Mané. O analfabeto, o sem entendimento, o desmemoriado, o burro mesmo. Mas eles, os políticos, apostam que a nossa democracia já é bastante sólida e não há perigo algum de voltar aos tempos dos ditadores militares. Homens e mulheres que vieram de uma linhagem nova de lideranças, após os anos de chumbo, ganharam a confiança cega dos eleitores cansados de tantas imundícies. Hoje são esses mesmos, essas mesmas, que entram de peito aberto nos entendimentos das falcatruas, numa tentativa desesperada de não mais saírem do poder. É uma nova camarilha nojenta que desonra qualquer eleitor ou país sério do mundo. Tanto faz dizer que tudo começa de baixo para cima como de cima para baixo. Ficamos estarrecidos, decepcionados e incrédulos vendo o seriado da safadeza dos cupins dos poderes públicos. São os personagens municipais, estaduais e federais, que se fossem na Cuba de antigamente já estariam todos no El paredon. Não desejamos de forma alguma os tempos da farda de 64. Mas ficamos sem entender o silêncio das forças armadas, diante de tanta infâmia no cenário cafajeste da bandidagem do colarinho branco. Se formos citar os safados que perderam o nosso respeito, seria uma longa lista, que vai de candidato a prefeito, a governador, a presidente, a deputado e por aí afora. Quando não são as tramas escandalosas que atentam contra o cidadão tipo precatório, são manobras escabrosas e palavras de estábulos semelhantes a do eterno maloqueiro Maradona. Antigamente pelo menos havia ainda alguma camada de pau, hoje, mas nem isso; substituíram a camada pelo cara-de-pau. Até um metido a muito sério de Brasília desfila de cueca vermelha querendo ser rapazinho e engraçado. Vivemos no Brasil, no palco dos atores intocáveis, as comédias “bufonas”, as chanchadas de Zé Trindad, as porcarias das bocas de famosos apresentadores de televisão. Além das coisas boas, vivemos também no país do cocô, onde não se respeita mais ninguém.
Em 2010 não vai aparecer nenhuma novidade. São os mesmos. País, do município ao todo, os mesmo caras, as mesmas caras, os mesmos discursos, os mesmos truques, as mesmas pancadas. Ai do honesto e novato que for se meter no balaio de gatos! Não dá mais para aguentar esse território repleto de tantos canalhas que apontam com os dedos imundos para os drogados, os assaltantes comuns, os pedófilos ou os ladrões de galinhas. Entendemos porque muitos jornalistas de verdade e de vergonha, cansam e se calam, porque não encontram mais ecos em suas palavras vigorosas. E o império brasileiro vai virando império romano, na corrupção generalizada, no dinheiro, na boca porca, no roubo dos inocentes, nas cuecas podres de dólares e de sujeira, no mensalinho, no mensalão, no boizinho, no castelo, na empreiteira, na taturana... No avacalhamento. E o pau forte da gota serena, madeira de dá em doido, vai quebrando nas costas maleáveis do funcionário público, da pobreza brasileira. Vivemos a geração perversa dos homens do colarinho branco. A geração dos SAFADOS.

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