segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O CÃO DO POÇO

O CÃO DO POÇO
(Clerisvaldo B. Chagas. 27.10.2009)

Entre as pessoas bastante conhecidas de Santana do Ipanema, estava o “Maneca”. Maneca era vizinho da loja de meu pai, no lado esquerdo. Depois, desceu e ficou sendo o vizinho da direita, quase defronte ao museu atual. Maneca era um comerciante que nem ria nem era sério demais. Vivia para o seu negócio, um café que também servia de bar. Raramente vi àquele homem fora do estabelecimento ou a caminho de casa. Inúmeras personalidades ficavam horas conversando diante da loja de meu pai, menos o Maneca que vivia exclusivamente para o seu trabalho. Ali era ponto de inúmeras pessoas da freguesia, lugar certo para um café ou uma cerveja em relação aos que visitavam a cidade. Certa vez eu vi o Maneca chegar à porta da loja de meu pai e parabenizá-lo pela aprovação de primeira do meu irmão mais em velho no vestibular de Medicina. Daí em diante Maneca subiu muito em meu conceito. Dizem que de vez em quando, o comerciante bebia alguma coisa. Bem, nunca notei nada nessas transições, mas dizem que ele agia diferente. Maneca já foi motivo de crônicas de outras pessoas. Vão dois exemplos inéditos: um sujeito foi comprar cigarros e ele disse que não tinha. O homem insistiu apontando os maços do produto na prateleira. Maneca fez ouvidos de mercador: “Eu já disse que não tem”. Quando um dono de farmácia sentou à mesa e pediu um bolo, Maneca trouxe o bolo inteiro, colocou-o no prato do professor Alberto Agra e retirou-se calado. Surpreso e indagando o que era aquilo, Alberto teve como rápida resposta: “o bolo que você pediu”.
Recentemente tinha havido alguns casos de assombrações na cidade vizinha de Poço das Trincheiras. Muita gente saía de Santana e da redondeza para ir testemunhar os fenômenos. Depois logo botaram o apelido das coisas de “Cão do Poço”. Lá mais na frente, Maneca arranjou um empregado para servir cafezinhos. Branco, alto, boca grande, cabelo agastado, o servente originário do Poço das Trincheiras, logo recebeu o apelido de “Cão do Poço”. Um pouco bronco, mas gente boa, servidor e bem humorado. “Cão do Poço” passou a dormir no lugar do trabalho. Sempre que o patrão fechava o café, as chaves ficavam com o empregado. Mas como foi dito, quando Maneca resolvia beber um drinque mudava alguma coisa.
O Prefeito Ulisses Silva governava Santana pela segunda vez, na primeira metade da década de 60. Uma reforma completa estava sendo feita no centro da cidade, inclusive a substituição do calçamento bruto por paralelepípedos. Defronte ao salão paroquial foi colocada uma montanha de pedras pela caçamba da prefeitura. E naquela noite, ao chegar à hora de fechar, Maneca fez ao contrário do de sempre; mandou “Cão do Poço” sair do estabelecimento, baixou a porta, passou a chave e foi saindo calado. Como o “Cão” não havia entendido, perguntou pelas chaves: “Não dou”. “E onde eu vou dormir Seu Maneca?” E o comerciante ─ economizando palavras ─ apontou o indicador para o monte de pedras, ao lado da Matriz de Senhora Santa Ana e sentenciou a cama de “Cão do Poço”: “Ali”. Coitado do “Cão”... Nem do inferno ele era. Amanheceu dormindo nas mesas de jogo do vizinho Luís Lira. Maneca, homem de bem e muito querido em Santana, também sabia indicar confortáveis camas para O CÃO DO POÇO.

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domingo, 25 de outubro de 2009

O COTIDIANO DA REALIDADE

O COTIDIANO DA REALIDADE
(Clerisvaldo B. Chagas. 26. 10. 2009)

Vamos acabando de chegar do Shopping por volta das 22 horas. A vizinha está na calçada em grande expectativa. Parece excitada com os últimos acontecimentos de rotina da rua. Diz simplesmente ao passarmos: “Estou aguardando a conclusão dos fatos”. Perguntamos surpresos que fatos são esses. E a gordinha explica que acabaram de matar um ladrão ali perto da praça. Mas não é possível? Esse Maceió está quase igual ao Rio de Janeiro. Já ontem mataram dois no bairro da Levada. Mas a vizinha insiste em contar a história novidade. Um ladrão havia roubado uma bicicleta, os populares não quiseram aguardar a polícia e fizeram justiça com as próprias mãos. O gatuno está sem vida lá na praça para quem quiser ver. Mas a gordinha ainda diz que chegou a segunda notícia: O roubo não teria sido de uma bicicleta, mas sim de apenas uma torneira. Para que o ladrão queria uma torneira? Ora, um objeto assim é muito útil em casa. Mas talvez tenha sido para vender e comprar drogas com o dinheiro. Hoje se rouba as coisas mais incríveis como sombrinhas, tênis, litros, latas velhas... Tudo serve para adquirir algumas pedras ou uma trouxinha de maconha. Antes de deixarmos à vizinha, ela (nem sei como) tem novas informações: a polícia acaba de chegar ao local. Nós vamos embora e, a gordinha ─ ligada à crônica policial e à rotina do bairro ─ continua à porta farejando a continuação das coisas.
E os rotineiros casos de Maceió continuam enchendo as páginas dos jornais, carbonos dos dias anteriores. É a mulher da garganta possante que passa gritando “feijão verde!” É o aguadeiro com a propaganda da água ou o insistente carrinho de DVDs piratas. Lá na grota mataram mais um. Terrível batida na Fernandes Lima. Nova greve estoura em Alagoas... E assim, sob o forte calor dos trópicos, a capital alagoana vai vivendo entre as obras do comércio e o trânsito doido que engarrafa sempre. A praça grande, outrora tão bonita, agora é dos sem-terras e de outros sem. Vez em quando uma notícia alvissareira que já nasce desconfiada. E aos domingos, praias poluídas, movimento intenso na orla distante e um comércio vazio, esquisito e assustador de tão deserto. Não, ninguém estar falando de pessimismo. Apenas sobre a rotina de uma capital com inúmeros aspectos de interior.
E’ a crônica que conta a história diária de um povo, principalmente no seu aspecto mais simples. Pinturas das ruas; quadros das praças; a “verdade” dos doutores; as “mentiras” das notícias. Muitas vezes ela é insípida como em várias ocasiões falta o sal a própria existência. E se em todas as páginas, sempre aparecem fatos novos, talvez sejam iguais aos que a vizinha tanto aguarda para quebrar O COTIDIANO DA REALIDADE.




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