quarta-feira, 28 de outubro de 2009

OS CATITAS

OS CATITAS
(Clerisvaldo B. Chagas. 29.10.2009)

bastante tempo, pesquisando para o IBGE, chegamos a um povoado no Alto Sertão de Alagoas, chamado Capiá da Igrejinha. Nem sei se antes ou após a chegada, vimos um riacho correndo que era uma beleza. Tomamos um belo banho, felizes naquelas águas barrentas como os meninos da região. O povoado tinha algumas casas formando um quadrado. Entre as alas falhadas ou não, um vazio enorme. O que chamava a atenção era só uma igreja pequena e bonita, em cuja proximidade, um ou dois frades trabalhavam de enxada. No aperto da fome, paramos na única venda do povoado. O dono, um galego novo e cheio de piadas, parecia levar todo o dinheiro daqueles viventes. Para encher a barriga somente a tão conhecida pela pobreza: “pior sem ela”, enlatada e grudenta. Atacamos com firmeza os pratos com farinha e pouca coisa a mais que nos serviram com aquele tipo de merluza. Quando acabamos a refeição a coisa mais preciosa passou a ser a água, que quase não dava vencimento à salina que engolimos. Rodamos o povoado e fomos até a igreja, mas o frade ou os frades eram de pouca conversa. As lembranças não são muitas, mas parece que o povoado do Município de Canapi, Capiá da Igrejinha, funcionava como uma espécie de estágio para os religiosos. Se os frades eram calados, em compensação surgiu um homem chamado Benjamim que auxiliava por ali e tinha o apelido de Beja. Benjamim parecia ser o intelectual da localidade e nos prestou inúmeras informações. Depois o homem embocou no Velho Testamento e falava quase sem parar. Acertava, errava e prosseguia célere. Achamos interessante quando Beja começou a citar vários povos antigos caprichando na terminação: ita. Amorritas, cassitas, hititas, Catitas e outros mais, segundo ele. Nessas alturas ríamos por dentro. Afinal os catitas que conhecíamos eram os pequenos ratos domésticos Mus musculus. Mas o homem parecia ter bom conceito por ali. Ficamos “inturidos” na seriedade até chegarmos à primeira curva da estrada. Dali em diante, rimos a valer.
Muitos anos depois ouvimos alguém falar que a festa da Divina Pastora, na Igrejinha do Capiá, mandava e desmandava como a melhor da região. Foi acrescentado ainda que nem era apenas novenário como a maioria das festas de padroeiros. E sim, treze noites que reuniam gente de todo Alto Sertão de Alagoas. Deu-nos uma saudade medonha do Capiá antigo, da igrejinha, do banho no riacho e do camarada Beja. Nunca mais fomos ao Capiá, mas a vontade de revê-lo continua. Como estará agora a terra da Divina Pastora? Continuamos caminhando por cima das boas lembranças, analisando, comparando, formulando conclusões. Passaram os amorritas, os cassitas, os hititas, porém, outras criaturas do mundo continuam vivendo. Em Tóquio, em Santiago, em Paris, em Alagoas, ainda comandam grande parte da sociedade, tanto os gabirus quanto o “baixo clero” dos CATITAS.



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terça-feira, 27 de outubro de 2009

QUALQUER COISA SERVE

QUALQUER COISA SERVE
(Clerisvaldo B. Chagas. 27.10.2009)

Para os que ainda não se acharam

Em tempos idos, no mesmo Conjunto São João em que habitamos, sempre surgiam alguns garotos pobres. Havia uns três ou quatro irmãos pequeninos que me faziam conversar e brincar com eles. Para mim eram três puríssimas criaturinhas que, enviadas de Deus, ajudavam-me a dividir o pão. Isso fazia lembrar sempre a minha piedosa genitora, professora Helena Braga, chamada a mãe da pobreza da Rua Antonio Tavares e adjacências. Quando aquelas famintas e às vezes nuas criancinhas, chegavam à porta, pediam. Em momentos, não tínhamos o que teoricamente elas solicitavam. O maiorzinho dos irmãos, nesse caso, puxava o coro com os outros: “Qualquer coisa serve...” Há bastante tempo àqueles manos desapareceram. Na certa agora são homens que trabalham quem sabe, mesmo perto de nós. As crianças de hoje logo se transformam até por que a vida parece passar rapidamente. Mas nunca apenas ensinamos a elas e, sempre, sempre, aprendemos também.
Quando estamos caminhando na vida, principalmente nas vicissitudes, as lições são maiores do que as do outro lado da moeda. As dificuldades com certeza surgem para que possamos aperfeiçoar o aprendizado na volta ao Criador. Talvez por isso o Cristo tenha falado sobre a dificuldade de um rico entrar no reino dos céus. As lições de vida que são transformadas em sabedoria são de fato dirigidas aos mais simples que rapidamente as aprendem. E assim o homem estuda, trabalha, termina sua universidade e vai passando por diversos estágios. Uns tem sorte (sorte?) e logo se definem na lida com tudo que sonharam. Entretanto, as lições do livro da vida, não os acompanham. Com todo conforto, riqueza, cargos importantes, parecem tão broncos quantos antes. Vão longe os tempos em que nos deleitávamos com as obras de um escritor que conquistava a nossa alma: Humberto de Campos. Homem que parecia entender e transmitir com meiguice suas lições aos pequenos.
Vivemos no ocidente o tal capitalismo. Mas os defeitos de cada segmento econômico, talvez estejam na essência do próprio homem. É possível também que o sumo dos evangelhos, seja desconhecido, mesmo na maioria cristã. Não só os evangelhos, mas livros importantes do Antigo Testamento, ciências para a vida, estão em falta nas instruções cotidianas. Dizia um célebre advogado santanense que pensava saber tudo nas Artes, na História, na Geografia, no Direito... E, por uma felicidade qualquer, ao ler a Bíblia pela primeira vez, levou um choque muito grande por que descobriu que nada sabia. Teria que recomeçar do zero. E sem as ambições desmedidas; sem querer tudo que existe; sem tentar abarcar o mundo com as pernas; vamos colhendo com os simples, com os inocentes, com os verdadeiros iluminados, os emblemas invisíveis dos ensinamentos cristãos. E a humildade muitas vezes se apresenta em primeiro lugar (para os desentendidos sinais de fraqueza), fazendo lembrar as lições das doces criaturinhas que chegavam a nossa casa: “QUALQUER COISA SERVE”.

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