segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

VOLTANDO AOS BARBEIROS


VOLTANDO AOS BARBEIROS
Clerisvaldo B. Chagas, 21 de dezembro de 2014
Crônica Nº 1.329

Joinha. Foto (Clerisvaldo).
Ainda voltando aos barbeiros, fui contando desde o início. Nésio, José, Apolônio, o filho de Apolônio e agora Joinha. Quando criança era Nésio que com sua máquina cega, nos arrancava cabelo. Mas com meu pai, não tinha esse negócio. Mandava que o homem passasse máquina zero e eu não conseguia me livrar da tortura do fígaro que trabalhava no prédio do meio da rua. Já falando grosso, fui para José Barbeiro, perto da Travessa Antônio Tavares. Passei para o terceiro, Apolônio, iniciando no mesmo salão do José e depois no salão do cine-alvorada, no comércio. Na sequência de morte dos três (eram senhores madurões) passei para o filho de Apolônio, Manoel, cabra novo, mas com seus vícios que o levou a morte. Trabalhou substituindo o pai no cine-Alvorada e, depois foi para o antigo casarão onde nasceu o contista Breno Accioly.
Salão Joia. Foto: (Clerisvaldo).
Apolônio foi o que mais gostei. Alto, moreno claro e fala mansa quase cochichada ao ouvido do cliente. Contou-me que fora capanga num engenho da Mata e atirava de rifle muito bem. Um dia conheceu uma cabrocha bonita e ficou assanhado. No mesmo dia, o Senhor de Engenho que gostava muito dele, disse: “Apolônio, tudo que você quiser fazer aqui no engenho, pode. Só não chegar perto da cabrocha fulana”. Apolônio fez-se de desentendido e com pouco tempo deixou a Zona da Mata. Gostei do seu nome ímpar e o trouxe para capanga do meu romance “Fazenda Lajeado”. O barbeiro é quem conta às fofocas da cidade, mas do Manoel, era difícil arrancar algumas palavras.
Depois da crise dos barbeiros em extinção, o governo incentivou um curso e hoje existem vários barbeiros em Santana, cada um, dizem, melhor do que os outros. São modernos, atualizados, cheios de estilos. Gostei do corte do Joinha e continuo com ele. Evangélico, animado, iniciou na Rua Pedro Brandão e atualmente trabalha na Rua do Cecéu, um mecânico muito maior do que a rua, daí a referência.
Televisão, ar condicionado, prédio próprio, revistas, você precisa conhecer o Joinha e o seu ambiente minúsculo Salão 100% Joia.
O governo fez um grande benefício para gerar emprego, renda e levantar uma classe em extinção. Quando elogio o seu corte ele diz logo: “Foi o curso, professor, não aprende quem não quer”. Esse não pergunta: quer com aico, quer com taico, ou quer que mui? Joinha fala bem. Não vou contar piadas de barbeiro porque com Joinha não tem graça. Salão 100% Joia.
Espero que esse não morra tão cedo, pois, casado há pouco, já está gordinho de prosperidade.


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sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

MEU SERTÃO, MEU ANTIGO SERTÃO




MEU SERTÃO, MEU ANTIGO SERTÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 19 de dezembro de 2014
Crônica Nº 1.328

Foto: (Clerisvaldo B. Chagas).
Cabaça. Fruto do cabaceiro, objeto de uso obrigatório no sertão nordestino de outrora. Usava-se a cabaça como boia amarrada à cintura com cordas de caroá para os primeiros exercícios de natação em barreiros, riachos e açudes. Quando retirado o seu miolo, servia para conduzir água nas longas caminhadas, também presa à cintura com o mesmo tipo de corda. Serrada ao meio, em sentido norte e sul, dava duas cuias, objeto obrigatório para se apanhar água nas fontes citadas e encher os vasilhames. Muitas eram deixadas lá mesmo, para ser usada por qualquer pessoa, inclusive o viajante sedento. A cuia de cabaça tinha uso intenso nas farinhadas, um objeto multiuso no lar e na roça. Quando a cabaça era pequena, menor até que a mão era utilizada como depósito de pólvora para os caçadores que atiravam com espingarda vulgo “soca-tempero”, porque era carregada pela boca, batendo com a vareta o chumbo, pólvora e a bucha de corda.
O chumbo era usado pelo caçador, em saquinho do mesmo tamanho, confeccionado em tecido especial, crespo e boca estreita, chamado chumbeiro.
Cabacinha de pólvora, chumbeiro, espingarda soca-tempero, espoletas (cujo depósito já vinha na coronha da espingarda, com abertura de metal) corda velha para bucha e bisaco (espécie de bornal ou embornal), formavam o kit do caçador.
Cuia de queijo do reino. Não era facilmente encontrado o queijo do reino; o queijo que vinha do reino de Portugal, devidamente enlatado em forma de esfera ricamente colorida. Somente o ricaço podia pagar o alto preço do queijo do reino, como ainda hoje. O pobre quando comia queijo era os dos tipos “coalho”, “fogo” ou “manteiga”. O queijo de coalho não vai ao fogo, o de manteiga, sim, daí ser chamado queijo de fogo. Entretanto, a embalagem metálica decorada dava duas cuias muito usadas pelos pedintes nas feiras e esquinas das cidades, principalmente pelos cegos. Os cegos porque pareciam entender o valor da moeda jogada pelo passante, no tilintar da cuia.
Peneira. Nos sítios que gostavam de dançar samba ou pagode, enquanto todos dançavam fazendo o trupé, um cantador ou dois, improvisadores, cantavam versos acompanhados por pandeiros ou ganzás de metal. Quando a pobreza do cantador era muita, ele se valia da peneira, pequeno instrumento do tamanho de uma castanhola, feito de palha rígida com pedrinhas dentro, imitando o ganzá.
Assim era e ainda é em inúmeros lugares do meu sertão, meu sertãozinho.


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