quinta-feira, 24 de maio de 2018

ZÉ CHAGAS E OS CAIXÕES DE DEFUNTO


ZÉ CHAGAS E OS CAIXÕES DE DEFUNTO
Clerisvaldo B. Chagas, 25 de maio de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.909
CARTAS. (IMAGEM: DOMÍNIO PÚBLICO).
Já abordamos este assunto. Animando as cidades do interior, nunca faltam alguns gaiatos nas comunidades. Em Santana do Ipanema, o individuo Zé Chagas alegrava o ambiente quando chegava trazendo sua verve para brincadeiras. E se tivesse tido antes de falecer, a ideia de andar com um pajem para anotar os seus feitos, por certo teria publicado um livro humorístico de muitas e muitas páginas. Explorava casas de jogatina e, por ter um gogó acentuado, parecia um urubu.
 Foi lá no Beco de São Sebastião, na casa da esquina, cujo prédio já tinha sido muitas coisas e naquele momento abrigava o baralho. Nós, os meninos, brincávamos zoadentos sobre uma janela com meia tala, numa noite de festa de Senhora Santa Ana, a padroeira. Fui um dos atingidos por um balde d’água jogado pela janela. Havia sido jogado por Zé Chagas, o comandante da casa.
Já rapaz feito, vi sentado à porta fechada da nossa loja, dois negros altos conversando baixo: Filemon, ex-cangaceiro e Zé Preto, o manganheiro que construiu um oratório na croa da pedra do sapo, no rio Ipanema. Para todos os mortais, nada. Mas para Zé Chagas que vai passando, lembra um pássaro preto do sertão e exclama com toda maledicência: “Espia onde está um casal de anum”, e aponta para ambos.
E quando um amigo indaga a outro se acha Zé Chagas muito feio, o cabra responde: “Eu só não acho porque já me acostumei com ele”.
Assim chegou a cartomante Maria Galega, oferecendo seus préstimos e deitou cartas para Zé Chagas, quando abriu a sessão: “Estou vendo ouro na sua vida”. E o gaiato respondeu na bucha: “Só se for ‘ourina’, Maria”.
Quando o dono da casa de caixões de defuntos quis dá uma saidinha, pediu a Zé Chagas que tomasse conta que “ele chegaria já”. E Chagas, que atuava defronte com a casa de jogo “O Bafo da Onça”, prontificou-se em atender ao amigo. Eis que chegam pai e filho para comprar um caixão. Vão perguntando o preço e Zé Chagas dizendo. De repente o viúvo indaga se ele faz um preço menor no ataúde. Zé Chagas não mede consequência e liberta sua verve gaiata: “Só faço menor preço se o amigo levar dois”.
E o primo “véi” só não levou uma surra das maiores por causa da turma do deixa disso.
Deve estar brincando por aí, na outra dimensão.







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quarta-feira, 23 de maio de 2018

BULHÕES, O REVERENDO


BULHÕES, O REVERENDO
Clerisvaldo B. Chagas, 24 de maio de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.908

INTERIOR DA MATRIZ DE SENHORA SANTA ANA. FOTO: (B. CHAGAS).
Ontem conversamos com um grupo de amigos sobre o padre Bulhões. E para que essa conversa fosse prorrogada e sólida, resolvemos abrir este espaço para os irmãos Araújo, do livro “Santana do Ipanema conta sua história”, cujo texto é mostrado na íntegra:
“O Cônego José Bulhões dedicou-se de corpo e alma à salvação do seu rebanho bem numeroso, espalhado por regiões bem distantes da sua Paróquia. Costumava viajar para elas semanalmente, montado numa burra que o compreendia tão bem, que, ambos, no rnodo de dizer popular ‘se falavam’... Frei Damião fazia pregações tão vibrantes e convincentes no combate aos preguiçosos e, sobretudo, aos unidos sem as bênçãos de Deus, que aos sábados, acorriam à Catedral de Nossa Senhora Santa Ana para se casarem pelas mãos do padre Bulhões bom e generoso. O povo sertanejo é por índole católico e temente aos castigos de Deus, e não quer assim, morrer, penar nas profundas do Inferno...
É voz corrente que o reverendo viera dirigir os destinos de nossa Paróquia pelos idos de 1921, e nunca mais se separara dela; aqui viveu e aqui morreu na mesma santidade por todos reconhecida e respeitada. Era um homem enérgico e de grande coração, e sua maior alegria era ter sua casa cheia de pessoas às refeições, viessem de onde viessem; nunca perguntava de onde vinham e para onde iam. Era comum não haver acomodações para abrigar caixeiros viajantes e pessoas que se destinavam a outras regiões e, por isso, ele os convidava para sua casa, que era um casarão onde não faltava nada. Gostava de fazer amigos e os tinha às centenas; daí, o grande prestígio no seio do povo e nos meios políticos. Fora até convidado para dirigir os destinos da cidade e não aceitou. Pedia pelos pobres de alma que, vez por outra, estavam às voltas com a polícia, e era sempre atendido. Ao morrer, cidade e povo lhe tributaram imorredoura homenagem e, para perpetuar sua memória, foi erigido um busto defronte da Igreja (hoje Catedral), onde ele trabalhou durante toda sua vida”.
MELO, Darci de Araújo & MELO, Floro de Araújo. Santana do Ipanema conta a sua história. Rio de Janeiro, Borsoi, 1976. Págs. 54-55.




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