quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

 

A BOLA DO FINADO

Clerisvaldo B. Chagas, 4 de fevereiro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica/conto 2.464





O Estádio Arnon de Mello, em Santana do Ipanema, Alagoas, está situado ao lado do Cemitério Santa Sofia, parte alta do Bairro Camoxinga. Recebeu o nome do, então, governador em troca de vários milheiros de tijolos para cercar a praça esportiva. Acordo firmado, hoje em dia a murada anda precisando de reforma para mais segurança dos transeuntes da área.

Certa feita, houve um jogo muito importante. A torcida lotava o estádio, inclusive, havia muitos desportistas até em cima do alto muro que separa o cemitério do estádio. O Ipanema, costumeiramente, sempre foi um time orientado para bola rasteira e rápida, porém, desta feita um zagueiro mandou a bola violentamente para o espaço fazendo com que ela caísse no Cemitério Santa Sofia.

A torcida ficou irritada porque isso atrasaria o jogo, pois, na época, jogando com uma bola só, era preciso enviar um funcionário do campo para rodear pela rua, entrar no cemitério, procurar entre os túmulos e trazer de volta a pelota. Mas eis que um milagre aconteceu. Abola retornou do mesmo jeito que havia deixado o campo. Com o acontecimento inédito, houve uma debandada dos torcedores que estavam encostados ao muro. O bandeirinha saiu em disparada se benzendo e erguendo as mãos aos céus.

O segundo acontecimento foi ainda mais espetacular. O Ipanema jogava um amistoso com um time do Agreste quando um zagueiro, sufocado com o ataque adversário, deu um chutão que a bola subiu e parecia não querer voltar ao solo, foi para nos fundos do cemitério. Após cinco minutos de jogo paralisado, chega o vigia do cemitério e devolve a bola dizendo: “O finado Zé Bodó mandou dizer que se a pelota bater novamente em sua cruz rasgará a bola”. E como Zé Bodó havia morrido há pouco meses, o treinador que recebeu a bola de volta teve uma tremedeira na hora e uma diarreia momentânea, despachada nos recantos do estádio.

Seria o Benedito!

CEMITÉRIO SANTA SOFIA CONSTRUÍDO ENTRE 1942 E 1945. (FOTO: B. CHAGAS/LIVRO 230).

 


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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

 

NOVOS TEMPOS, NOVOS ESQUECIMENTOS

Clerisvaldo B. Chagas, 3 de fevereiro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.463

 



Quando o rio da cidade não tinha ponte era um grande sufoco para a mascateação pelas cidades próximas de Santana do Ipanema.  As enormes caixas de mercadorias dos mascates, quase sempre atravessavam o rio em canoas com seus respectivos donos. Essa prestação de serviço acontecia no poço do Juá, ponto mais largo do Ipanema, bem próximo ao comércio local.  Mas ainda havia prestação de contas com o riacho João Gomes, afluente do Ipanema, que também nos fortes invernos não dava passagem aos caminhões dos mascates. A 3 km do centro de Santana, o valente riacho cortava a rodagem tornando-se obstáculo sério aos negociantes. Muitas vezes a corrente surpreendia os feireiros à tardinha na volta a Santana das feiras de Olho d’água das Flores, Carneiros e Pão de Açúcar.

Horas e horas se passavam com a fila dos caminhões procurando transportar as mercadorias de um lado a outro do riacho e suas cheias. Não me vem à lembrança como os motoristas conseguiam transportar aquelas caixas pesadas de madeira margem a margem. Mas se nada fosse feito, estariam sujeitos à espera de dois, três dias, para que o João Gomes desse passagem novamente. Essas tentativas que se iniciavam ao cair da tarde, prolongavam-se noite a dentro. Imaginem a que horas os mascates chegavam aos seus lares após o riacho João Gomes e o rio Ipanema com as canoas do Juá! E se havia um certo romantismo nessa época, as dificuldades superavam os sonhos das aventuras. Tempos dos “cassacos de rodagens”, homens que trabalhavam fazendo e consertando estradas.

Nessa época Santana do Ipanema era rica em manufatura e exportava couros, peles, calçados, sola, aguardente, vinagre, colorau, massas comestíveis, cordas, caroço e capulho de algodão, móveis, artesanatos utilitários como bicas de zinco e candeeiros de flandres, linguiça, carne de sol e banha de porco. Uma potência depois assassinada pelo descaso administrativo sequencial.

O progresso veio com as construções de pontes sobre o rio Ipanema e sobre o riacho João Gomes. A distância entre cidades diminuiu ainda mais com a cobertura asfáltica sobre a AL-130. Mas o regresso também acompanhou o modernismo acabando com toda a nossa manufatura por conta do que já foi dito acima.

E você que é da nova geração, sabia disso? A história de Santana lhe contou? NOVOS TEMPOS, NOVOS ESQUECIMENTOS.

RIO IPANEMA (FOTO: B. CHAGAS/ARQUIVO).

 

 

 


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