domingo, 11 de abril de 2021

 

SANGUE RURAL

Clerisvaldo B. Chagas, 12 de abril de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.509




 

Sou do tempo em que os terreiros das fazendas se enchiam de galináceos: pintos, galinhas, galos, guinés, capãos, pavões, patos, perus e guinés. Os cuidados de defesa eram apenas com o gavião e com a raposa. Revejo-me aguardando o canto da galinha para pegar ovo do ninho. Mulheres quilombolas chegando para capar os pintos maiores e torná-los frangos e capãos. A cuia cheia de milhos e o sacudir de mancheias quando o alvoroço da galinhada chegava para catar os grãos jogados no terreiro. Vinham correndo, voando, uma por cima das outras disputando o milho dourado produzido no local. Ti, ti, ti... Chamava a alimentadora.  Gradeados gigantes de ripas prendiam os capãos para cevá-los e transformá-los em delícias nas ocasiões especiais.

Revejo ninho enjeitado, com caramujo para atrair a galinha. Rezadeira aplicando remédio caseiro contra o gôgo no criatório. As batidas da mão de pilão pilando café com rapadura e o aroma alcançando dezenas e dezenas de metros de distância. Roupas sendo lavadas nos pilões de pedra, ruídos de cavalos comendo milho em aiós pendurados à cabeça. Placas à querosene nos pregos das paredes. O vai e vem do balanço de redes cearenses e as cantigas evocadas de mestres dos Guerreiros. Noites tremendamente escuras e o medo no pé da goela. Arrebóis de lindas estampas e garrinchas fazendo ninho nas biqueiras da casa. Abelhas sobrevoando pé de coração da índia. Pancadas de chuva no telhado; cheiro gostoso da terra molhada e fartura da roça transportadas em carros de boi.

A mente ainda vê o homem arrancando mandioca na terra fofa. Senhoras rapando raízes para farinhada. Pessoas tangendo o gado para longe da manipueira. Batalhões de trabalhadores apanhando algodão com sacos brancos e fundos. Cantigas na roça do “Mineiro ou Maneiro Pau”. Litros de gás óleo vendidos nas bodegas. Ensacamento do algodão em estopa para venda às algodoeiras. Bêbados conversando miolo de pote e cuspindo no pé do balcão. Cavaleiros esquipando seus cavalos baixeiros de volta à casa após as feiras livres. Bois de cambão esticando correntes puxando carros de boi lotados de mercadorias. Remoer de garrotes devorando ração de palma santa. Carreiros elogiando as morenas do sertão e o musical no mundo dos forrós que ilustravam as noites de escuro.

 

 

Ô sanfoneiro

Moça mandou lhe chamar...

Para tocar um baião no Ceará

Tu diz a ela

Que de pé em não vou lá

Eu só vou de avião

Se mandarem me buscar...

 

Como deixar ausente o vermelho e verde SANGUE RURAL?!

 

TERREIRO COM GALINHAS DE CAPOEIRA (CRÉDITO: STOOK FHOTO)

 

 

 

 


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sexta-feira, 9 de abril de 2021

 

MARCO DO SÉCULO XX

Clerisvaldo B. Chagas, 10/11 de abril de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.508

 


Foi pensando em um marco para o final do Século XIX e início do Século XX que o sacerdote Manuel Capitulino de Carvalho, de Santana do Ipanema resolveu erguer um monumento. Assim, na parte alta da cidade o padre construiu um monumento em que foi aproveitada a religião católica na marcação limiar dos séculos. Dedicou a obra à Nossa Senhora da Assunção. Feita a igrejinha/monumento, Capitulino – tudo indica que foi ele – encomendou uma imagem em Portugal da santa escolhida.  A imagem de Nossa senhora Assunção viajou de navio de Portugal ao Brasil, andou de trem de Maceió a Viçosa e de lá chegou a Santana do Ipanema viajando em lombo de jumento. Finalmente foi entronizada na capelinha que aguardava a sua chegada. Tudo leva a pensar que a imagem de Nossa Senhora de Fátima ocupava provisoriamente aquele lugar de oração.

N.S. Assunção foi recebida com festa e basicamente daí em diante, o monumento/igrejinha, além de marcar o início do Século XX, também originou o nome do novo bairro que se iniciava por ali: Bairro do Monumento. Ao mesmo tempo da construção da igrejinha, também era erguido um cruzeiro de pau no morro da Goiabeira com a mesma finalidade da igrejinha. O morro da Goiabeira passou a se chamar, então, serrote do Cruzeiro. Só em 1915 foi construída uma ermida no alto do serrote, mas nada tinha a ver com marco de alguma coisa, tendo sido apenas motivos de uma promessa particular.

Em 1938, as cabeças dos onze bandidos trucidados na fazenda Angicos, Sergipe, pela polícia alagoana, foram expostas nos degraus da igrejinha do Monumento, inclusive as de Lampião e Maria Bonita. Primeiro foram apresentadas em latas de querosene com álcool e formol, depois distribuídas nos três degraus, forrados com lençol branco. Multidões se aglomeravam e chegavam repórteres de todas as partes do País, inclusive do Rio de Janeiro. O evento motivou feriado em Santana, escolas fechadas, desfiles das forças com seus troféus, discursos, bebedeiras e banda de música nas ruas.

Foi ali onde se misturou a paz das orações e a violência do mundo.

IGREJINHA/MONUMENTO EM 2013. (FOTO: B. CHAGAS/LIVRO 230).

 


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