SANGUE RURAL
Clerisvaldo B. Chagas, 12 de abril de 2021
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica:
2.509
Sou do tempo em que os
terreiros das fazendas se enchiam de galináceos: pintos, galinhas, galos,
guinés, capãos, pavões, patos, perus e guinés. Os cuidados de defesa eram
apenas com o gavião e com a raposa. Revejo-me aguardando o canto da galinha
para pegar ovo do ninho. Mulheres quilombolas chegando para capar os pintos
maiores e torná-los frangos e capãos. A cuia cheia de milhos e o sacudir de
mancheias quando o alvoroço da galinhada chegava para catar os grãos jogados no
terreiro. Vinham correndo, voando, uma por cima das outras disputando o milho
dourado produzido no local. Ti, ti, ti... Chamava a alimentadora. Gradeados gigantes de ripas prendiam os
capãos para cevá-los e transformá-los em delícias nas ocasiões especiais.
Revejo ninho enjeitado,
com caramujo para atrair a galinha. Rezadeira aplicando remédio caseiro contra
o gôgo no criatório. As batidas da mão de pilão pilando café com rapadura e o
aroma alcançando dezenas e dezenas de metros de distância. Roupas sendo lavadas
nos pilões de pedra, ruídos de cavalos comendo milho em aiós pendurados à
cabeça. Placas à querosene nos pregos das paredes. O vai e vem do balanço de
redes cearenses e as cantigas evocadas de mestres dos Guerreiros. Noites
tremendamente escuras e o medo no pé da goela. Arrebóis de lindas estampas e
garrinchas fazendo ninho nas biqueiras da casa. Abelhas sobrevoando pé de
coração da índia. Pancadas de chuva no telhado; cheiro gostoso da terra molhada
e fartura da roça transportadas em carros de boi.
A mente ainda vê o
homem arrancando mandioca na terra fofa. Senhoras rapando raízes para
farinhada. Pessoas tangendo o gado para longe da manipueira. Batalhões de
trabalhadores apanhando algodão com sacos brancos e fundos. Cantigas na roça do
“Mineiro ou Maneiro Pau”. Litros de gás óleo vendidos nas bodegas. Ensacamento
do algodão em estopa para venda às algodoeiras. Bêbados conversando miolo de
pote e cuspindo no pé do balcão. Cavaleiros esquipando seus cavalos baixeiros
de volta à casa após as feiras livres. Bois de cambão esticando correntes
puxando carros de boi lotados de mercadorias. Remoer de garrotes devorando
ração de palma santa. Carreiros elogiando as morenas do sertão e o musical no
mundo dos forrós que ilustravam as noites de escuro.
Ô sanfoneiro
Moça mandou lhe
chamar...
Para tocar um baião no
Ceará
Tu diz a ela
Que de pé em não vou lá
Eu só vou de avião
Se mandarem me
buscar...
Como deixar ausente o
vermelho e verde SANGUE RURAL?!
TERREIRO COM GALINHAS
DE CAPOEIRA (CRÉDITO: STOOK FHOTO)
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