quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

 

SANGUE AZUL

Clerisvaldo B. Chagas, 21 de janeiro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.646


 

Todos os domingos estávamos a chupar as mangas ”Gobom”, carnudas, caroços quase inexistentes, no sítio do senhor Olavo, na serra do Gugi ou almoçando no sítio Cedro do Gugi, no pé desta serra, na casa do eterno candidato a vereador Jonas. Isso tudo após um belo banho num poço aprazível do riacho Gravatá, afluente do rio Ipanema. Duas léguas do centro de Santana até ali, o equivalente a 12 quilômetros, vencidos rapidamente a pé. Aproveitávamos o prestígio da família Carvalho na serra do Gugi com José Carvalho e Mileno Carvalho e sítio Cedro do Gugi com a amizade entre o senhor Jonas e nosso amigo Francisco de Assis que sempre ia conosco. Após comermos a galinha de Jonas e dona Creusa, sua paciente esposa, subíamos à serra para o sítio da família Carvalho, casa de dona Neném e para o engenho de pau de Olavo para tomar caldo-de-cana a que eles chamavam de “garapa”.

Certo dia fomos convidados para um almoço às margens do Gravatá onde estava havendo uma festinha caseira, talvez de um batizado. Na hora da mesa muitas mãos nuas das cozinheiras retiravam macarrão para os pratos e aquilo me deu náuseas. Aleguei que não queria almoçar, estava de barriga cheia, mas fui contestado por uma solteirona da cidade, no meio de todos. “Esse povo é fidalgo, não come na casa de pobre, não”. Disfarcei a conversa daquela “doida”, mas fiquei morto de vergonha. Tive que esperar pelos amigos até que eles resolveram retornar a Santana. Aí sim, eu conheci na realidade o que povo falava: “duas léguas de fome”, até chegar em casa.

Não faz muito tempo assim, fomos convidados, eu e minha esposa, por uma exímia cozinheira, para uma buchada em sua residência. Fomos com a maior satisfação parar no Bairro Lajeiro Grande. Durante o almoço a cozinheira dizia: “Ah, minha gente, pessoas da vizinhança se ofereceram para almoçar buchada com vocês. Cortei tudo na hora dizendo que a buchada era para fidalgos, pessoas do sangue azul. Foram gargalhadas para todos os quadrantes da casa com àquela brincadeira.  Logo veio à lembrança do almoço do Gravatá. E dessa vez, a amizade verdadeira e sincera me deixou mesmo quase acreditando – de mentira – que nós éramos fidalgos e de sangue azul.

Sangue azul comendo buchada... Pode! Mas não era o sangue azul do Gravatá.

RIACHO SANTANENSE (FOTO: BIANCA CHAGAS).

 


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