quinta-feira, 2 de agosto de 2012


LAMPIÃO E O CHIQUEIRO VÉIO
Clerisvaldo B. Chagas, 3 de agosto de 2012.
Crônica Nº 834
(Para Archimedes Marques e José Mendes Pereira)

Bornal à cangaceira.
Muito ainda se especula sobre a fortuna do bandido Virgolino Ferreira da Silva. É de fato impressionante o puxa-puxa dos que se dedicam à causa lampionesca, na tentativa adivinhatória documentada do paradeiro monetário virgoliniônico. O grande mistério e desencanto para os pesquisadores, é que uma pessoa muita maldosa cortou a língua do dinheiro. Com o bichinho mudo, ficou mais difícil saber qual era o real poder de fogo dos embornais microbianos do chefão. Quanto tinha de fato no papo-de-ema que Lampião conduzia na cintura? E nos bornais? E nos bolsos? Qual o valor em joias e dinheiro que havia nas mãos dos seus coiteiros-bancários de confiança? Caso fosse de fato descoberto cem por cento esse enigma, outra interrogação ocuparia com muito mais força o lugar da primeira. Uma pergunta, sem dúvida, desdobrada em miríades. Teria sido mesmo Bezerra, o sortudo ganhador do papo-de-ema, dos bornais e bolsos do comandante cangaceiro? E o tanto de joias que daria uma bacia de rosto, correu para onde? As inúmeras fazendas compradas por Ferreira escolheram quais herdeiros? Quem se denomina “pesquisador de cangaço” e outros títulos, corram para investigar e nos dizer com a certeza dos cartórios, pois o leitor exigente quer saber.
Em 1938 ─ quando as cabeças dos cabras trucidados em Angicos viajaram a Maceió ─ houve questionamento. Após a exposição em Palmeira dos Índios, cidadãos do núcleo, nas praças, barbearias, bares e portas de igrejas, indagavam uns aos outros, onde estaria a verba deixada por Virgolino. No bate e rebate das discussões, segundo o escritor Valdemar de Souza Lima, saltou um velhote da cadeira de barbeiro e falou. Disse que após a carreira de Mossoró, destroçado, via Pernambuco, Virgolino foi bater no povoado ribeirinho Entremontes, do São Francisco. Ali em Alagoas, com a pressa da passagem, arrumou uma canoa para atravessar o rio, ele e seu reduzido grupo. Numa bodega miserável apresentou-se, deixando sem fala momentaneamente a dona da espelunca. Pelo mutismo da mulher, ele mesmo escolheu a mercadoria e indagou a conta, feita por ela, que importou em cerca de trezentos mil réis. Lampião passou-lhe uma nota de quinhentos, a dona alegou que não tinha troco e mandou o bandido levar tudo como oferta da casa. O homem, estando tremendamente mal-humorado, rosnou que “não queria favor, não!”. A dona da bodega, com um medo triste, perguntou como ficaria, pois troco não tinha. Foi aí que Lampião, num gesto brusco da peste, empurrou a nota para cima da mulher e falou com orgulho, soberba e grosseria do mundo todo: “Pois fique com toda essa porcaria pra você, que eu tenho mais dinheiro de que bosta de cabra em chiqueiro véio!”.
Os entendidos calculem, então, com auxílio de um matemático, a quantidade de rolinhos pretos, como quixabas, em chiqueiro velho de caprinos, por metro quadrado. Talvez aí tenha início à solução do mistério de quanto era em contos de réis, a fortuna de Ferreira. Ê... Cabra macho sabido, medite aí sobre LAMPIÃO E O CHIQUEIRO VÉIO.

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NO PAU DA VENTA
Clerisvaldo B. Chagas, 2 de agosto de 2012.
Crônica Nº 833

Fonte: Blog AIAS
Continua o inverno atrasado em Alagoas. No Sertão, uma chuva fina contínua vai protegendo a não vontade de deixar a casa cedo. Chove pelo dia, chove pela noite, trazendo uma frieza típica da época, cuja hora do auge é lá para as quatro da madrugada. Pelo menos, graças ao bom Deus, não se houve falar em tragédias por causa da chuva, pois, como pedia um padre de Santana do Ipanema, “que venha um bom inverno e a chuva chegue mansa”. Se ainda vai dar para salvar alguma coisa, somente o homem do campo é quem pode dizer. Em tempos normais as nossas chuvas não passavam do dia 15 de agosto, quando caíam "as últimas tamboeiras”, como dizia o poeta sertanejo Rafael Paraibano da Costa e, o frio desse mês era muito maior do que o mais chuvoso julho, mês da padroeira Senhora Santana. Os agricultores falavam sempre do medo da frieza de agosto para a lavoura que poderia destruir as plantações que restavam de feijão e milho, além da praga de lagartas. Mas o tempo endoidou e não temos certeza mais de nada. Tem se registrado o prolongamento das chuvas até o dia 7 de setembro, um mês seco por tradição e até alcançado o mês de outubro, o mais enxuto do ano.
O Sertão continua, mesmo assim, sendo o lugar desprezado pelas autoridades, que pensam que fornecer semente de boa qualidade é tudo que o sertanejo deseja. Já batemos outras vezes nessa tecla velha, muito mais de que orador romano advertindo sobre Cartago. Aqui se faz uma política de mandar carneiros, bodes e sementes para o interior, como a gente faz com roupas velhas quando não prestam para nós. Enquanto isso, o litoral ganha novas indústrias todos os meses, com incentivo do governo estadual. Além disso, o incentivo ao turismo permite inúmeras construções de hotéis e, europeus não param de chegar à orla, gastando os euros e dólares que podem gastar. Muitos italianos até já fazem moradas por ali, atraindo novos compatriotas para o nosso litoral. E vão ganhando indústrias e hotéis pelo incentivo, Maceió, Marechal Deodoro, Maragogi e Murici. Nada escapa para o Sertão, a não ser os níqueis jogados dos bornais da caridade entre bodes e ovelhas. Está aí para ser iniciado a qualquer momento o estaleiro EISA que dará emprego a mais de dez mil pessoas e atrairá inúmeras outras indústrias para o mesmo litoral. A política mesquinha de um governo usineiro da Zona da Mata é uma coisa! Nada adianta o poeta-repentista Sebastião da Silva ter dito:

“Carneiro do meu sertão
Quando sua orelha esquenta
Dá tacada em baraúna
Que a casca fica cinzenta
Sentindo o gosto de sangue
Descendo no pau da venta”

Do pau da venta dos carneiros sertanejos não escorrem sangue. Os bichos já estão pacificados. Nem baraúna tem mais para o exercício da raiva. E assim vamos ficando abandonados à própria sorte, como os mendigos que sobram nas ruas. Afinal, para que Sertão com progresso? É bastante passar pano molhado e pronto, se houver algum sangue perdido NO PAU DA VENTA.




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