quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O PORVIR DA PRIMAVERA

O PORVIR DA PRIMAVERA

(Clerisvaldo B. Chagas. 2.9.2009)

O poeta-repentista Rafael Paraibano da Costa dizia: “O inverno vai deixando seus últimos tamboeiros”. Os farrapos de chumbo vão rareando no céu profundamente azul. Derramam-se ordens infinitas e a frieza some. A ramagem ainda tremeluz suas derradeiras lágrimas do orvalho puro. Pela serrania adormecida chegam os raios tímidos e dourados impregnando o belo. Do tapete amarelado da folhagem, sutilmente alça voo a borboleta. Vão escoando preguiçosamente os doces córregos cristalinos nos meandros escavados das montanhas. No topo da árvore majestosa, o gavião abre as asas coloridas. Grita a passarada num festejo divino de graça e de ventura. A natureza renova os vegetais esverdeados no domínio feliz das maritacas. Tornam-se amenas as tardes quentes. Gazes de neblina rodeiam os picos tiritantes e o denso nevoeiro percorre o bojo das grotas adjacentes. Peixes pequenos vão à superfície e mergulham louvando o novo tempo. Quando os galhos farfalham nas colinas, desce a noite beijando nas corolas. A tarde chora; a noite envolve, abraça e embala o mundo.

Nos olhos poéticos dos cancioneiros refletem-se as miríades estelares. Concorrem os brilhos estéticos na abóboda noturna que sonham que encantam que transformam. Os bulícios da mata confundem-se com os ruídos suaves da cachoeirinha. Passa a brisa ainda com resquício da frieza recente do inverno. Nas sombras dos galhos adormecidos, corujas espiam a caça que se entoca. Sobe no horizonte a lua cheia, iluminando a terra, os corações, à vida. É na varanda rudimentar onde a rede balança; é no terreiro limpo que arde a fogueira; é nas cordas do violão saudoso que reflete a lua.

Aproximam-se o degelo, às forças dos rios, o brotar das ervas. Vai acordar o urso, vão zumbir as abelhas, vão florir os campos. No embalar dos sonhos, deslumbra a estação das flores trazendo a esperança para os corações humanos. É hora de vê a vida jorrar, expandir, coroar de felicidade os que hoje sofrem, os que hoje lutam, os que hoje choram. A justiça será feita, cessarão as mágoas, amenizarão as dores. E o inverno longo, cinzento, dolorido, vai ficando fraco, vai-se despedindo, vai ficando longe. É tempo renovado que renova, o coração, a alma, os liames da bondade. É a luz dourada, amena e amiga que ilumina as virtudes que rebentam tarde, que brotaram cedo. Oportunidade ímpar de queimar o vício, a maldade, as ações insanas que destroem que acorrentam que escravizam. Tempo hábil de separar o trigo, tempo certo de oferecer o pão. E vai chegar à primavera, no meu hemisfério, no hemisfério alheio, no polo norte da boa vontade, no polo sul do bem fazer, nos pontos cardeais do servir. Tempo de jogar a peneira inútil de querer esconder o brilho de quem possui o brilho. De largar o egoísmo para um futuro negro. Para não permanecer no ciúme de quem é mais do que você. Tempo de tentar em vão colocar pedras no caminho de outrem, aquelas mesmas pedras que voltarão para os seus pés.

Permita que seu inverno se vá. Dê adeus aos “últimos tamboeiros” e deixe que o Sol entre na sua vida, para não cometer erros como o que propositadamente fez no sábado passado com peneira sem fundo. Pelo menos tente ser homem de verdade no PORVIR DA PRIMAVERA.


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