CARNAVAL DO LOBISOMEM
(Clerisvaldo B. Chagas. 16.2.2010)
Conto lançado em 1979. Páginas 22, 23, 24 e 25. Final amanhã, quarta-feira de cinzas.
Caiu na rede, apagado. Só veio acordar, ainda zonzo, meia-noite, com um vozerio ao longe:
─ Ói o lobisomem! O lobisomem passou!
Espiou para dentro do quarto; Maria Bela não estava. A cabeça pesava-lhe como um saco de cimento. Levantou-se grunhindo e foi até o quintal. Não viu Maria. Pensou onde ela estaria à uma hora daquela. Será que tinha ido à casa da vizinha?A gritaria continuava nos arredores, nos quintais próximos. O lobisomem solto por aí. Que diabo estava fazendo a polícia que não dava uma batida para acabar logo com aquele bicho? Convenceu-se que de que ela estava mesmo era na casa da amiga, uma dona que vendia coco na feira. Lembrou-se de olhar o portão. Estava aberto. Fechou-o porquê o lobisomem poderia entrar por ali. Retornou à sala; meteu o caneco de “óleo Bem-te-vi” dentro do pote e bebeu um litro d’água. Depois caiu novamente na rede; entrou em letargia.
No terceiro dia de carnaval, Zé Conceição acordou cedinho. Viu Maria toda enrolada na cama, tomou um banho, vestiu roupa engomada e penteou-se no espelho de bolso. Iria brincar o carnaval como seu Nozinho: só, rua acima, rua abaixo. Ligou o rádio de Maria Bela, mas só havia forró àquela hora. Cremilda cantava:
“Eu não gosto
De forró que não tem briga
Forró que não tem briga
Num me diga que é forró
Eu não gosto de forró
Que não tem briga
Pelo meno uma intriga
Tem que haver num forró...”
Ele mesmo fez café e tomou com pão doce de dentro de uma lata. Depois saiu rua a fora. A primeira pessoa que encontrou na rua foi Ivanildo, consertador de fogão.
─ Fala Zé, aonde vai assim?
─ Pra rua, vamo?
─ Vou não, venho chegando agora.
─ De onte?!
─ De onte. Passei a noite toda brincando por aí.
─ Olhe Ivanildo, num visse falar num tá de lobisome, não?
─ Ouvi sim, mas eu já ando prevenido.
─ Vou pra rua, inté logo.
─ Inté. Vou drumir que tou bebo de sono.
Zé Conceição continuou e foi bater papo na frente das Casas GG. Deu uma tentação de ir à casa de Zefinha e ele desceu para lá.
Zefinha, sempre querendo conquistá-lo definitivamente, depois de muitos afagos, contou-lhe algo que o estarreceu. Deixou-o com voz embargada. Conceição, sem querer acreditar interrogou Zefinha duramente com o olhar. Ela insistiu na afirmativa:
─ Quem me contou foi Tonho de Tereza, que é muito amigo dele.
Zé Conceição afastou-se pensativo. Chocado. Não mais ouviu os fuxicos de Zefinha e subiu o Beco São Sebastião com as orelhas queimando, pegando fogo. Era cedo e nesse último dia de carnaval ele também começara cedo. Mas agora iria beber por outro motivo. Iniciou desta feita pelo Samburá, onde bebeu três doses puras de “Montilla”. Sentou-se em um dos bancos e viu o mundo querendo rodar. Ou era a sua cabeça que girava? Girava... Girava... Girava. Não era ainda pelo efeito da bebida, mas sim pelas revelações de Zefinha. Estava se sentindo mal. Mas não queria ir para casa agora. Não adiantaria. Saiu percorrendo a rua como um sonâmbulo. Sem sentir, bebeu mais e mais até que localizou o famoso bloco dos carregadores em frente ao Tribunal do Júri. Lá vinha a famigerada música do Urso misturando-se com ele, com o álcool, com seus problemas, com sua vida. E o mundo girando, girando... Gargalhadas, sons, urso preto, gira mundo, Maria Bela, gira, João Baía, gira mundo...
Conceição caiu no Calçamento
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