LAMPIÃO, BIÉ E
MORENINHO
Clerisvaldo B. Chagas, 14 de maio de 2013.
Crônica Nº 1016
Já
falei
outra vez aqui em Moreninho. Dono de farmácia em Santana do Ipanema fazia às
vezes de médico e criou fama na região. Vindo de Viçosa onde fora expulso de um
hospital a bem da disciplina, dizia ele, o enfermeiro era muito querido e
atuava livremente numa grande área onde não havia ainda o verdadeiro médico.
Sua vida variava entre a farmácia, as viagens de curas e farras que varavam à
noite. Vestia-se à moda Churchill, inclusive chapéu coco e charuto. Moreninho
gostava de pesquisar em livros de medicina e prestou relevantes serviços à
população sertaneja. Várias vezes a minha família precisou de seus serviços,
inclusive eu.
O velho Bié da “fazenda Emendadas”, lá na
beira do rio São Francisco (segundo ele mesmo: era coiteiro de Lampião e da
polícia – Ver o livro “Lampião em Alagoas”). Mas, Bié das Emendadas padecia com
uma “ferida braba” na perna que não sarava nunca. Convidado para curá-lo,
Moreninho passou a visitar o “Véi Bié”, como era conhecido. Dedicou-se, o dono
de farmácia ao mister indicado, visitando o velho com frequência e gozando da
sua hospitalidade. Bié havia prometido boa recompensa se ficasse curado. Certa
feita, Moreninho fora passar à noite na fazenda Emendadas e não sabia dos
conchavos entre Virgolino e o fazendeiro. Foi ali ─ contou o farmacêutico
depois ─ que tivera o maior medo da sua vida. Estava dormindo numa rede quando
lá para tantas bateram à porta com uma voz chamando: “Bié! Bié!... É Lampião! O
medo de Moreninho foi tanto que passou a mão pelos fundilhos e “sentiu que estava todo cagado e mijado”.
Bié abriu a porta, mandou Lampião entrar e o cangaceiro disse que estava
precisado de tudo e vinha perseguido de perto pelos “macacos”. O Véi Bié o recebeu muito bem e mandou rapidamente matar
um novilho para a cabroeira. Depois chegou Maria Bonita e mais alguns cabras do
bando. Houve muito movimento à noite entre o novilho abatido, cuias de farinha
e outras providências. Lampião, descansado, disse que ia embora para Sergipe e
perguntou quanto havia sido a despesa. Bié respondeu apenas que quando precisasse de novo
retornasse à fazenda.
Para encurtar a história,
o Véi Bié ficou curado da ferida braba, vendeu noventa reses e deu o dinheiro
todo a Moreninho. Tempos depois um membro da família do fazendeiro disse
brincando ao farmacêutico, admirado porque ele nada possuía: “O senhor é mesmo um miserável, pois o que
amealhou entre a nossa família e esse lugar, daria para comprar a metade de
Santana do Ipanema”.
Ao
falecer,
o Véi Bié deixara duas mil tarefas de terras e mil e duzentas reses.
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