ALUMIANDO A VIDA
Clerisvaldo
B. Chagas, 2 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do
Sertão Alagoano
Dona Zifina cortava flandres. Fazia candeeiro. Seu Tô,
com chapéu raro de Polícia Montada, retelhava casas; Salvino consertava
sombrinhas; Silvino manejava o serrote: roc-roc; Pé-Espaiado era ferreiro; Zé
Gancho trabalhava o Zinco; Otávio Magro vendia carne-de-sol e Dona Maria Néris
rezava o ofício de Nossa Senhora. Manezinho Quiliu, vindo de Olivença, mexia
com bicas; Gérson batia sola; Maria Lula vasculhava casa; Zé Preto negociava
bugigangas; Seu Né cubava terras; Flora vendia esteiras; Seu Antônio e Seu
Quinca eram alfaiates e, finalmente, Zé Limeira fazia malas. Não éramos uma
Grécia, mas bem que a Rua Antônio Tavares e arredores funcionavam como tal.
Josefina, dona Zifina, de voz metálica e artesã dos
flandres, confeccionava candeeiro, canecos, aros de óculos: Rats, rats, rats,
trabalhava a tesoura pesadona nos dedos ágeis da avó de Oscar Silva, futuro
escritor. E numa terra que passou quatro anos no escuro, o candeeiro, a placa,
a candeia, eram bênçãos divinas nas noites tremendamente escuras do Sertão.
Santana do Ipanema precisava do Ferreiro, era ali pertinho. O sapateiro, o
barbeiro, o menino de recado... Tudo estava ao alcance de um grito forte de
sertanejo. E assim deslizava o tempo tão devagar quanto o carro de boi de Lero
Carreiro. E quando o vento forte fazia redemoinho, a meninada encintava o
vento: “Rapadura! Rapadura!”.
Durante as noites de lua, gente nas calçadas enroladas em
lençóis, contando histórias de Trancoso, de almas penadas, fazendo
adivinhações, identificando as estrelas. O ferro em brasa nas janelas, levando
as cinzas do carvão. Candeeiro aceso na força do querosene, do gasóleo. Aqui,
acolá, a passagem tardia de um malandro de jogo; um sopro forte no ferro de
engomar; Uma golada d’água da quartinha com tampa de pano bordado, na janela
tomando fresca.
Benditas mãos que confeccionavam as candeias de latas e
nos tiravam do escuro.
Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2018/11/alumiando-vida.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário