DIA
DE CORNO
Clerisvaldo
B. Chagas, 15 de janeiro de 2013.
Crônica Nº 947
(Do romance inédito “Fazenda
Lajeado”)
(...) Calixto
saiu constrangido, mas foi embora dali. Montou e saiu da cidade.
Ora, além dos pensamentos que lhes furavam
no caminho, encontrou mais problemas na fazenda. Mal chegou à casa-grande,
Mocinha veio ao seu encontro:
— Seu Calixto, quero dizer ao senhor que o
cabra João Dedé quis me forçar quando fui para o açude lavar roupa.
— O quê?! Não é possível uma coisa dessas,
homem. Ô Bala Verde! Chame para mim o João Dedé, agora mesmo.
Bala Verde foi e voltou quase no mesmo
segundo:
— Ele disse que vem já, padrinho. E que se
o senhor tiver avexado que vá lá.
— Ah, é? Pois eu vou.
Verano botou o cavalo rumo ao açude, todo
mundo foi atrás.
Ali estava o capanga amolando uma faca nas
pedras das lavadeiras.
— João Dedé! — falou forte Calixto — Agora cabra velho, já
esborratou o copo. A primeira vez você roubou o dinheiro, a sela e o rifle do
novato. Depois botou Gonga para correr.
A terceira andou rodeando Dadá. Mas antes deu uma pisa num caboclo lá no
povoado, sem ordem minha, estou sabendo. Certa vez quis bater em Bala Verde e
agora quer pegar a pulso a mulher alheia. Ela lhe deu liberdade? Olhe, João
Dedé, eu estou com você por aqui, entendeu —
e botou o dedo indicador horizontalmente no pescoço.
João Dedé inchou como sapo cururu. Ali
estava todo o pessoal da fazenda. Mocinha aguardava providências, rifle na mão.
Benedito espiava por baixo.
— Peste! — pronunciou o cabra,
entredentes.
Calixto prosseguiu do lombo do cavalo:
— Não adianta bufar, João Dedé! Sei que
você é um dos homens mais valentes do Pernambuco, está certo e eu até reconheço
sua valentia, mas não se meta a brabo comigo não João Dedé, que eu sou mole que
nem cocô de batata, mas hoje o diabo está comigo. Dez homens de sua qualidade,
nesse momento, não me botam abaixo. Está aqui o seu dinheiro, duas vezes o que
lhe pago. E agora se ponha daqui para fora que eu não gosto de gente podre na
minha fazenda, não.
Apolônio estava ali perto, placidamente de
cócoras, rifle entre as pernas, olho nos cabras...
João Dedé demorou muito a pegar o
dinheiro, mas antes guardou a faca na bainha. Não respondeu uma só palavra. Foi
procurar o cavalo e antes de trinta minutos deixou a fazenda sem olhar para
trás. Levou os seus pertences, inclusive as selas roubadas.
Calixto voltou-se para o outro capanga:
— Sei que ele era seu amigo, Faustino, mas
você nunca me deu trabalho. Vai com ele ou fica?
— Só saio daqui, Seu Calixto, quando o senhor me mandar embora ou não
precisar mais de mim. João não era meu amigo, era um colega de trabaio; e falta
de conseio não foi.
— Pois então vamos cuidar na vida.
O pessoal dispersou. Calixto ficou sozinho
e foi para a mata curtir as últimas frustrações; deitou-se por cima das folhas
secas e trancou-se com a chave da amargura. Os macacos aproximaram-se. Um bem-te-vi
cantava no olho da jurema-branca e, lá de longe, do fundo da mata, vinham os
arrulhos da rolinha-caldo-de-feijão: uuuuur... Uuuuur...
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