quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

EMBOSCADA NO RIACHO DO MEL



                         

 EMBOSCADA NO RIACHO DO MEL
Clerisvaldo B. Chagas, 23 de janeiro de 2013.
Crônica Nº 953
(Trecho do romance “Fazenda Lajeado”)
    
Uma vez por semana aparecia o pãozeiro no Lajeado. Preto novo, simpático e sorridente, andava em uma égua branca com dois caixotes de madeira. Bitonho, além de pãozeiro, era cantador e gabola. Carregava sempre um pandeiro no pau da cangalha. Na fazenda, quando o negro encerrava o comércio, emendava os bigodes com Severino numa porfia que durava apenas alguns minutos. Juntava gente. Até Calixto parava para ouvir as lorotas de Bitonho, mas torcendo pelo seu empregado.

                                 Ô Severino
                                 Você vai virar bagaço
                                  Me empreste seu espinhaço
                                  Pra o diabo se amontar

                                  Vou te emprestar
                                  Para acabar sua arte
                                  Três tiros de bacamarte
                                  E a ponta do meu punhá

     A torcida batia palma a cada estrofe, principalmente Gonga nos chiados de Bitonho. Terminavam o embate sempre prometendo um duelo completo “qualquer noite dessas”, coisa que jamais acontecia.
     Mas daquela vez o pãozeiro chegou desconfiado pedindo para falar com Verano e foi dizendo:
     — Major, se o senhor tiver intriga, tenha coidado. Passei no riacho do Mel indagorinha e vi uns homens armados que pelo jeito, estavam tocaiando. Fiz que não vi e passei cantando para disfarçar.
     Calixto pediu mais detalhes, mas o preto não tinha. Determinou:
     — Vamos batizar as armas, minha gente! Faustino corra lá com João Dedé, Severino e Benedito. Eu vou aqui por dentro com Apolônio formar retaguarda neles. Bala Verde e mestre Amaro, não saiam da fazenda. Vamos! Vamos logo!
 Os quatro homens partiram montados rumos à estrada. Calixto correu com Apolônio pela caatinga da fazenda. Mocinha armou-se e seguiu o patrão depois, por dentro da mata.
     Na estrada de Santana, Faustino e João Dedé galopavam na frente com uma vontade louca de darem uma brigada. Bem perto do local, os cavaleiros desmontaram e seguiram a pé, amparando-se em todas as moitas ressequidas.
     Os do riacho ouviram o tropel e depois perceberam o movimento dos que se aproximavam. Teve início um tiroteio feroz. Logo também surgiram na retaguarda dos homens do riacho, mais tiros naquela direção. Entre dois fogos, os de baixo viam a situação inverter-se e não foi fácil dominar os animais. O tiroteio tornou-se renhido. João Dedé e Faustino pareciam querer pegar à mão os sujeitos da emboscada. Os pretos davam cobertura supimpa, por trás das árvores maiores.
     Lá dentro da mata, Calixto surpreendeu-se com a presença e a coragem de Mocinha que também parecia querer pular para o leito do riacho. Uma leoa! Atirava e mudava de posição.

     Longe, atraído pelo tiroteio, Amadeo formou um grupo forte com seus doze filhos. A família partiu em direção do riacho para vê o que estava acontecendo. De um lugar privilegiado, via a cena, mas não dava para distinguir claramente a coisa. Um pouco mais de tempo e o grupo reconheceu pelo menos dois homens de Valentim. Ficaram aguardando, amoitados.






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