MULHERES DE BARRO
Clerisvaldo B. Chagas, 16 de abril de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Preso
na quarentena, nunca mais passeei pela feira livre semanal. Mas soube que a
feira das panelas desapareceu da rua
costumeira e talvez também tenha sido extinta. Era ali que se compravam
panelas, potes, jarras, bois e éguas de barro. O artesanato era mantido pelas
mulheres da Lagoa do Mijo ou Baixa do Tamanduá e do Povoado Alto do Tamanduá. A
baixa do Tamanduá é sítio às margens da BR-316 na fronteira Santana/Poço das
Trincheiras, enquanto o povoado é vizinho e pertence ao Poço, também na BR-316.
Não faz muito tempo assim, os homens fabricavam balaios de cipó e as mulheres
lidavam com a família das panelas. Local de barro vermelho, a matéria-prima
tornou-se escassa para ambos os sexos e
os homens foram os primeiros a abandonarem a arte.
As
duas comunidades são irmãs e originárias das pessoas pretas oriundas do também
vizinho povoado Jorge. Ali frequentei muitas cantorias com os repentistas Rafael
Paraibano (sogro) e José de Almeida, sempre com recepções calorosas dos
humildes habitantes, gente boa. No final dos desafios, o samba de roda tomava
conta da casa de taipa, acompanhado de peneira, pandeiro e versos de um ou dois
cantores. Com o desmatamento na redondeza acabou o cipó, com o povoamento sobre
o povoado acabou o barro. Homens e mulheres tiveram que procurar outras fontes
de renda e abandonar os artesanatos centenários. As casas isoladas se tornaram
um povoado alegre que tem de tudo, inclusive é cortado pelo asfalto da BR-316.
Levamos
nossos alunos para uma aula de campo na Geografia, eu e o saudoso professor José
Maria Amorim. Numa sexta-feira estávamos nas casas da mulheres do barro,
apreciando o atribulado fabrico das panelas. Trabalho de pesquisa, relatório, discussão posterior em sala de
aula. Quando as peças de barro foram queimadas no finalzinho da tarde, retornamos
a Santana depois de participarmos de uma roda de samba. No dia seguinte as
panelas seriam vendidas na feira da Rainha do Sertão. Excelente oportunidade para
irmos cumprimentar aquela gente boa na manhã do sábado, na feira das panelas.
Quanta
saudade das MULHERES DE BARRO!.
·
Peneira: instrumento musical feito de palha rígida com
pedrinhas no interior. Assegura o ritmo do samba.
Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2020/04/mulheres-de-barro.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário