ESCURO
Clerisvaldo B. Chagas, 8 de julho de
2025
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica:
3.263
Quando
Santana do Ipanema passou à cidade, em 1921, um grupo de pessoas criou uma
companhia de abastecimento de luz. No ano seguinte, 1922, a companhia começou a
funcionar através de um grande motor alemão. A cidade era abastecida pela
eletricidade motriz, a partir das seis horas até a meia-noite. Havia três piscadelas
na energia quinze minutos antes de apagar. E o restante, era escuridão até o
amanhecer. Postes de madeira pelas ruas, mostravam a dignidade de início da
urbe. O motor de abastecimento começou abrigado em um prédio da Rua Barão do
Rio Branco, quase na última esquina que dá para o rio Ipanema. Hoje é casa
comercial. Depois foi construído um prédio exclusivo para a Companhia à Avenida
Nossa Senhora de Fátima, hoje, Câmara de Vereadores, após reforma.
Havia
três compartimentos. Um grande, do motor, um pequeno, de gerência, outro médio,
dos tanques d’água que abasteciam o motor. No pequeno, pagávamos a conta da luz
a um dos sócios, Valdemar Lins. Em 1959, o motor exauriu e nós santanenses
passamos quatro anos no escuro. Sim, eu estava com treze anos lia à noite com
candeeiro de flandres ou com placa de parede, também à querosene. Ferro de
engomar na janela avivando as brasas de carvão, pela parte de trás; quartinha
com água refrescando o conteúdo. Em noites enluaradas, histórias de Trancoso e
assombrações, aprendizado dos nomes de estrelas e constelações. Em tempo mais
frio, lençóis brancos e história de almas na calçada escura.
Por
incrível que pareça, a cidade nunca deixou de progredir. Quando o cansaço bateu
na paciência do povo foi iniciada uma campanha que tomou conta das ruas e
repercutiu em Maceió, pela luz elétrica de Paulo Afonso. O governador sentiu o
baque e com pouco tempo trouxe a energia que o povo reivindicava na Rádio
Candeeiro, improvisada e clandestina no Tênis Clube e as procissões de
lanternas, velas e candeeiros pelas avenidas escuras de Santana. Com poucos anos depois também chegou água
encanada do rio São Francisco e aposentou os mais de cem jumentos que botavam
água nas residências trazidas das cacimbas do rio Ipanema seco. E essas duas
lutas foram apenas o início de outras grandes. Depois eu conto.
Afinal,
escuro só presta para ladrão e para... Aquilo.
MINHA
RUA MADRUGADA (FOTO OBRA-DE-ARTE DE B. CHAGAS).