quarta-feira, 30 de março de 2011

A LÍNGUA DESEJADA

A LÍNGUA DESEJADA
(Clerisvaldo B. Chagas, 31 de março de 2011).

        São louváveis alguns programas encontrados em emissoras de televisão que resgatam usos, costumes e tradições regionais. Também encontramos leituras sobre esses assuntos em livros escolares, atos que indicam a preocupação de abnegadas pessoas preocupadas em divulgar páginas singelas e felizes das nossas tradições. Falam dos quilombolas, das quebradoras de coco, dos vaqueiros, dos cantadores, das atitudes populares na semana santa, dos antigos retratistas, de rezadores, benzedeiras, parteiras e mais uma porção de outros temas que enriquecem o social desse país.
       No reinado do boi pelo Brasil inteiro, surgiram várias lendas, estando à figura do ruminante sempre presente. Animal muito querido, quase sagrado, é o companheiro do homem no cotidiano do Brasil rural. Uma das lendas engraçadas e significativa é a do bumba meu boi, boi-bumbá e outras inúmeras denominações regionais a essa manifestação folclórica. A mulher do morador da fazenda chamada Catirina, estava grávida. Desejava comer língua de boi e incentivou o marido Francisco a obter essa iguaria. Para o menino não nascer doente ou com cara de boi, Francisco sentiu-se na obrigação de abater o animal do patrão, arrancar a sua língua e oferecer a mulher. O problema é que o patrão soube e condenou a morte o seu fiel empregado. A única saída encontrada por Francisco, para não morrer, foi encomendar uma pajelança realizada por um padre e um pajé na tentativa de ressuscitar o boi. Essa encenação é composta por vários personagens que cantam e dançam, tendo como ponto culminante a ressurreição do animal, comemorada com bastante euforia. Não temos certeza absoluta, mas parece que esse teatro do bumba meu boi é apresentado no filme “Vidas Secas”. Durante a época de Carnaval, em Maceió tem início vários dias antes, os ensaios sobre apresentação e concurso do boi. Muitas comunidades capricham na apresentação, nos enfeites e acompanhamentos musicais, visando o honroso primeiro lugar desse tradicional concurso. No interior, o boi ainda se apresenta isoladamente pedindo dinheiro para brincar, soltando fumaça pelo ânus a quem não coopera com o seu Carnaval.
       Juntam-se, então, as apresentações do bicho que ajudou a povoar enormes faixas de terras do Brasil, com as lendas dos desejos de mulheres grávidas, contadas quase sempre entre risos juvenis. No caso da mulher da fazenda, o desejo era comer a língua do boi. Se não fosse a eficiência do pajé, teria acontecido a tragédia do marido trucidado.
       Como uma coisa puxa outra, vamos imaginando a grande admiração e apreço que temos por alguma pessoa. Quando a decepção acontece vemos o nosso ícone desabar perante nós. Nessas circunstâncias lembramos o bumba meu boi, o boi de mamão, o boi-bumbá. Mas uma vez morta à admiração ─ ao contrário do folguedo ─ por mais que tentemos não há pajelança que ajude. Para não acontecer efeitos deprimentes é bem melhor evitar longe A LÍNGUA DESEJADA.

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terça-feira, 29 de março de 2011

DEBAIXO DA CAMA

DEBAIXO DA CAMA
(Clerisvaldo B. Chagas, 30 de março de 2011).

          Em 1975, foi lançada a música “A velha debaixo da cama”, do compositor mineiro Geraldo Nunes. Na realidade, era a “Véia” e não a velha. Essa música longa e chata fez um sucesso enorme no Brasil inteiro, sendo mesmo a consagração de Nunes. Lembramos ainda, na cidade interiorana de Santana do Ipanema, o abrilhantamento do Carnaval com as criatividades do professor de Educação Física, Reginaldo Falcão. O professor Reginaldo sempre gostou de brincar sozinho, assim como seu parente Nozinho Falcão, fazendeiro, comerciante e em certa época prefeito, que também possuía o gosto pela folia solitária. A citada música falava de uma velha que ficava debaixo da cama e criava uma porção de animais como um rato, gato, cachorro, jumento e outros mais. Quando cada animal começava a fazer zoada, era um desadoro para a velha que sempre citava a frase: “Ai meu Deus que se acaba tudo...” Pois bem, o nosso querido professor, encarnou a “Véia”, saindo pelas ruas de Santana, dessa vez com auxiliares transportando a cama e o homem debaixo com alguns pequenos animais. O sucesso das presepadas de Falcão garantiu as apresentações do insípido carnaval de rua de Santana do Ipanema.
          Quando falamos em violência, infelizmente tema obrigatório do dia a dia, estamos sentindo na pele o que o carioca passava antes das ocupações definitivas dos morros do Rio. Alagoas teria mesmo que ser primeiro lugar em alguma coisa. E se não aparece pelo bem, vai surgindo pelo negativo, por que é muito mais fácil continuarmos na selvageria desenfreada que atinge a totalidade do seu território. Recentemente, a morte de um pai esquartejado pelo filho, foi apenas um dos inúmeros crimes entre familiares que se banalizaram na terra caeté. Não estamos mais seguros nos ônibus, nos hospitais, nas clínicas médicas, nos restaurantes, nos pontos de ônibus, pois a ousadia dos nefastos, desafiadores e cínicos arrastões, prolifera no estado como ervas daninha na Agricultura. Estamos vivendo a fase negra do Rio de Janeiro ou os tempos sem leis do Velho Oeste americano. A coisa chegou a tal ponto que espetamos o troféu de primeiro lugar no cimo do pau de sebo. E o pior de tudo é ouvir declarações das autoridades que dirigem o estado. Eles falam mostrando indiferença, ingenuidade ou delírio assim como o ditador da Líbia. Quantos mais falam as autoridades mais nos sentimos perdidos. Em Alagoas, o que vale agora é a proteção divina invocada pelas diversas religiões, principalmente para quem tem merecimento. Os santos, outros guias espirituais e o próprio Jesus em pessoa, passaram a servir como batalhões da Terra, para dá conta de tantos pedidos de proteção nessa pequenina faixa triangular e violenta.
          Por aqui mesmo não tem quem dê jeito. Nem o tão falado coronel Amaral, nem Roy Rogers, nem Rock Lane, nem mesmo o homem aranha. Sofrendo todos os dias com essa realidade de casa e das ruas, não existe mais lugar seguro. Muitos são os que têm uma vontade danada de abraçar a “Véia” do compositor Geraldo Nunes e com ela morar definitivamente DEBAIXO DA CAMA.




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