domingo, 19 de junho de 2011

ZABUMBA FAZ BUM-BUM-BUM

 ZABUMBA FAZ BUM-BUM-BUM
Clerisvaldo B. Chagas, 20 de junho de 2011.
(Para João Tertuliano, Sérgio Campos, Afonso Gaia e Lucas).

          Nesse sábado que passou, tive a honra de receber um dos ilustres valores da terra, filho do comerciante, intelectual e ex-professor Alberto Nepomuceno Agra. João Tertuliano Nepomuceno Agra, engenheiro eletricista, mestre em Ensino de Física, doutor em Física e professor universitário, diz bem da inteligência caracterizada do povo resistente da “Rainha do Sertão”. Além da visita a terrinha, veio o insigne cientista lá de Campina Grande, Paraíba, enlaçado pela causa da cultura santanense. Defensor ferrenho do Calendário Cultural de Santana ─ lançado pelo jornalista José Marques de Melo e Rossana Gaia no livro “Sertão Glocal” ─ João Tertuliano procura incentivar a concretização desse calendário. Entre os objetos presenteados por Tertuliano tanto da sua lavra quanto a de companheiros, deparei-me com o cordel sobre “Marinês, a Imortal Rainha do Forró”, da autoria de Manoel Monteiro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Logo na primeira página minha atenção voltou-se para a belíssima sétima que aparece como segunda estrofe do folheto. Os cantadores repentistas têm hoje como preferência a sextilha, porém, os vaqueiros nordestinos preferem as sétimas para seus aboios. Esse modo de composição poética é mais sonoro do que as sextilhas e foi deixado de lado, talvez, porque a sextilha constante numa cantoria seja menos cansativa. Mas vamos à sétima inspirada pelo cordelista Manoel Monteiro:

            “Triângulo faz tlin-tlin-tlin
                 Zabumba faz bum-bum-bum  
       A sanfona faz xem-xem
       O caboclo estando num
      Forró de pé-de-parede
               Não tem fome nem tem sede
                  Pois melhor não tem nenhum”.

          Diz Monteiro que Inês era filha de Manoel Caetano (ex-cangaceiro do bando de Lampião) e sua mãe chamava-se Josefa Maria, apelidada, Donzinha. Sua denominação artística nasceu na apresentação de rádio quando o apresentador misturou Maria com Inês. Sempre cantando na região de Campina Grande, termi-nou casando com o sanfoneiro Abdias. Admiradora de Luiz Gonzaga foi levada pelo Rei Luiz ao Rio de Janeiro após uma apresentação do artista em solo paraibano. Cantava, tocava triângulo e dançava o xaxado, tendo sempre um chapéu de couro na cabeça, à semelhança de seu pai no cangaço. Após sucesso pelo Brasil inteiro, especialmente Nordeste, mais de trinta discos gravados e um número vastíssimo de apresentações em público, Marinês calou em 14 de maio de 2007. “Peba na Pimenta” foi à música mais marcante da sua gloriosa carreira, também registrada pelo homem do povo, pela literatura de cordel. Com sua voz estridente e frases apimentadas, para a época, Marinês conquistou bravamente o seu espaço e hoje brilha no céu de Campina Grande.
          Se você caro leitor, não viveu à época, nem lhe digo o que perdeu. Nos ouvidos dos cabras da nossa geração, ainda ressoa o tlin-tlin-tlin do triângulo de “Marinês e Sua Gente”. E pelos velhos sertões queimados desse país nordestino, quem afia os ouvidos sente a autenticidade dos filhos do Sol. Abra as porteiras, cabra da peste, que ainda hoje a ZABUMBA FAZ BUM-BUM-BUM.



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sexta-feira, 17 de junho de 2011

ESPANADOR DE SEU CLETO

ESPANADOR DE SEU CLETO
Clerisvaldo B. Chagas, 17 de junho de 2011

             Falamos aqui outras vezes sobre as peculiaridades das farmácias de Santana do Ipanema, Alagoas, nos anos sessenta. A “Vera Cruz” ─ homenagem sobre o descobrimento do Brasil ─ tinha um quadro de leitura obrigatória com sua alegoria dividida: “Entrai pela porta estreita”. E ali estavam às representações da porta estreita e da porta larga, a da salvação e a da perdição, o céu e o inferno. A Vera Cruz continua no mesmo local, mas ignoramos o destino do quadro. Bem que ele poderia fazer parte do museu do proprietário professor Alberto Nepomuceno Agra, no primeiro andar. A outra farmácia, de Cariolano Amaral, vulgo Seu Carola (ô) ─ o homem da gravata borboleta ─ antes no “prédio do meio da rua”, depois, ao lado da Esquina do Pecado, também tinha o seu símbolo. Era ele um negrão forte, careca e lustroso envergando uma barra de ferro. Propaganda impressionante de uma velha conhecida marca de xarope. Poderia a estatueta também fazer parte do museu de Santana. Mas existirá ainda o homem forte?
            Outra coisa que me chamava atenção era o espanador da loja de tecidos do comerciante Cleto da Costa Duarte, também localizada no prédio do meio da rua. Na loja de meu pai havia espanadores de fios de palhas, moles, finos, flexíveis, bonitos e bem feitos que de vez em quando eram vendidos por ambulantes. Nunca perguntei onde eram fabricados, pois diferenciavam de outro tipo comum, mais duro, feito em Santana, vendido nas feiras. Mas aquele espanador da loja de Seu Cleto era único. Feito de penas de peru, arrumado de modo que algumas penas menores se retorciam para cima, esses espanadores eram passados com rapidez sobre os tecidos, dando a impressão que nem serviam para tal mister, sendo mais para enfeite. Parece-me que tinha sido presente de um caixeiro-viajante do Recife. Também sem ter certeza, parece-me que havia objeto semelhante na “Casa Ideal”, sapataria que ficava por trás do prédio do meio da rua, mas do outro lado da via, pertencente ao senhor Marinheiro.
           Dizem que a vida é combate e nós vamos lutando com o costumeiro e com as surpresas que ora nos afligem, ora nos enlevam. Vamos associando os símbolos acima à religião, aos ensinamentos dos pais, ao modo de encarar os acontecimentos que testam a nossa capacidade. Acontece um mergulho nos objetivos da existência, no enfrentamento das vicissitudes, no mérito das provações. No fino nevoeiro também surgem às fraquezas, as covardias, os planos não realizados, valorosos amigos, traidores calculistas, méritos e deméritos que navegam quais folhas secas num espaço infinito. Remoendo nossas fraquezas, não deixamos de apenas para nós, avaliarmos o mérito de servir. Repetia meu pai: “Quem não vive para servir, não serve para viver”. E nesse momento em que o passado ocupa a área do presente, compreendemos que muitos dos que usufruíram da nossa boa vontade, da nossa obrigação em servir ─ esquecendo os obséquios ─ agem como o desafiador negrão de Seu Carola. E seguindo de perto à condição humana, os pobres entusiasmados, sem glória, sem rumo e sem caráter, marginalizam os tempos em que se assemelhavam com frequência ao ESPANADOR DE SEU CLETO.


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