terça-feira, 7 de janeiro de 2025

 

 

 

BÊNÇÃO NA SIMPLICIDADE

Clerisvaldo B. Chagas, 8 de janeiro de 2025

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.164

 



No meu Sertão alagoano, vamos entrar no mundo do gado. Uma satisfação enorme que toma conta do homem simples que conduz o carro de boi, o arado puxado a garrotes, a compra na feira de uma junta para tarefas de responsabilidades. O sertanejo quer, na linguagem dele, uma parelha ou uma “pareia” para determinados fins.  Uma “pareia”, significa dois garrotes ou dois bois adultos que sejam iguais no tamanho e na beleza. Pode ser um garrote preto com um garrote branco, vermelho, pintado...  Desde que seja do mesmo tamanho, do mesmo formato, da mesma idade. Mas, a preferência mesmo é que sejam da mesma cor, tamanho, idade e formato. Isto é, que não sejam, mas pareçam gêmeos.

Pense na felicidade do homem humilde quando encontra a dupla que procurava, juntamente para as condições que seu bolso pode pagar. No Sertão é assim, uma apoteose interna quando surgem essas oportunidades, de quem vive do ramo e o valor imensurável para o descobridor da roça. E se aquela parelha comprada, estar na labuta da limpeza roceira, ou estreando no carro de boi, é de se imaginas os elogios dos entendidos que passam na estrada e param para apreciar. Entretanto, quem compra a “pareia” com todas as características físicas e à vista, pode até se frustrar com algo que lhe foge dos sentidos, porque só experimentando. É que um dos bois pode ser “ronceiro”. E boi ronceiro é aquele boi manhoso que se escora no cambão para que o peso do carro seja puxado quase totalmente pelo companheiro.

Mas também podemos entrar no mundo dos repentistas, mesmo dos analfabetos, porque a poesia não depende de diploma. Um desses roceiros de veia poética, disse para um cidadão, em forma de repente e considerado uma sextilha simples, humilde, porém muito grande na criatividade:

 

Moço me dê um dinheiro

Pra comprar um boi pra eu

De dois que eu tinha no carro

Um veio a cobra e mordeu

Mas eu quero botar outro

No lugar do que morreu.

 

Dizer mais o quê?

‘PARÊIA (STOCK).

 

 

 


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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

 

OS IMPERADORES

Clerisvaldo B. Chagas, 7 de janeiro de 2025

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3. 163

 



 

E se Otávio era imperador romano, em Santana do Ipanema, tivemos dois Otávios de destaque local. Naturalmente não eram imperadores de Roma, mas imperavam de outras formas. Eram o Otávio Magro e o Otávio Marchante, apelidos já incorporados aos nomes de batismo. Otávio Magro morava na Rua Nova, casado com dona Beatriz. Possuía uma Salgadeira na Rua Antônio Tavares, onde imperava absoluto. Salgadeira era o lugar onde se colocava mantas e mantas de carne de boi, em cochos de madeira, para, através do sal, transformá-las em carne-de-sol. Funcionava na esquina do segundo beco da rua, no sentido Comércio -  Rua São Pedro. Mantas de carne no cocho, mantas de carnes já prontas, penduradas nos tornos de metal. Era chegar o cliente, pedir a quantidade desejada e, Otávio Magro, geralmente caladão, magro, alto, cabelo escorrido, passava a faca enorme amoladíssima na manta que parecia manteiga, embrulhava, entregava e recebia o dinheiro.

O outro, o Otávio Marchante, andava com uma faca na bainha pendurada na cinta. Falava muito grosso e era casado com dona Carmelita. Morava na Rua Prof. Enéas e depois na Rua Antônio Tavares. Era considerado o torcedor número 1 do Ipanema Atlético Club. Durante as partidas de futebol, ficava rodeando o campo e gritando para quem quisesse ouvir: “Aí é Joaozinho! Aí é Lau! Bola rasteira, meninos! “. Lau e Joãozinho eram jogadores adorados pelo povo, principalmente da torcida que comparecia ao estádio Arnon de Melo em dia de jogo com o CSA, CRB, Penedense, CSE, Capelense e mesmo com times de Água Belas ou de outras cidades, em amistosos.

A Salgadeira de Otávio Magro, foi a única que conheci em Santana do Ipanema, ao fechar, até o presente momento, ninguém teve a ousadia de fabricar carne-de-sol daquela maneira. Quanto ao Otávio Marchante, ficou bem marcado em vários trabalhos literários, porém o velho time Ipanema, não resistiu às más administrações sucessivas, cansou, tombou na caminhada abraçando o mesmo destino do seu maior rival na cidade o Ipiranga. Então é de se perguntar, “Sem fábricas, sem futebol e sem esperanças, como se desenvolve uma cidade interiorana? “

Deus salve o rei

ESTÁDIO ARNON DE MELO EM 2013.(FOTO: B. CHAGAS/LIVRO 230).

 

 

 


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