CARRO DE BOI, RELÍQUIA DO BRASIL (II) (Seriado em três crônicas) Clerisvaldo B. Chagas, 23 de março de 2017 Escritor Símbolo de Sertão Alago...

CARRO DE BOI, RELÍQUIA DO BRASIL

CARRO DE BOI, RELÍQUIA DO BRASIL (II) (Seriado em três crônicas) Clerisvaldo B. Chagas, 23 de março de 2017 Escritor Símbolo de Sertão Alagoano Crônica 1.649 Ainda com gramática e dicionários tontos e várias informações desencontradas, é correto se escrever carro de boi no singular e carros de boi no plural. Os carros de boi transportavam de tudo. Pelo Brasil afora, regiões chegaram a usar até mais de oito parelhas no carro. No Sertão de Alagoas, nas décadas de 50 e 60, o comum era o carro de boi puxado por duas parelhas: as de trás chamadas “do coice” e as da frente denominadas “de cambão”. Na zona açucareira, além das inúmeras tarefas, o carro de boi era o transporte favorito para levar a cana-de-açúcar para os engenhos. No Sertão era o grande transportador dos produtos agrícolas e gente para as cidades e vilas, retornando das feiras com muitos produtos de armazéns que também seriam revendidos nas bodegas. Entre eles: latas de querosene, ferramentas, tecidos, charque, bacalhau, arame farpado, bebidas, bolachas e rapaduras. Todos os bois são guiados pelo condutor chamado carreiro que nomeia bois de coice e de cambão: Paraná, Ouro, Branco, Sombrante, Caçula e assim por diante. Existem diferenças na apresentação do carro de boi da Zona da Mata e do Sertão, dentro do mesmo estado e outras diferenças entre carros de bois de estados diferentes. A essência, entretanto, é a mesma. Veremos na próxima e última crônica sobre o tema, todas as peças que formam o carro de boi, a serventia de cada uma delas e o tipo de madeira usada, pelo menos nos carros fabricados no Sertão. Os nomes de cada peça são encantadores e diferentes e muitos deles o leitor jamais ouviu falar. Não é simples fazer um carro de boi que é coisa para mestres com muitos e muitos anos debruçados sobre a arte. Além das peças grandes e pequenas que formam o carro de boi, propriamente dito, temos à parte os acessórios utilizados pelas parelhas que representam outro mundo de segredos das pessoas do ramo. Em terceiro lugar, os objetos usados pelo carreiro, instrumentos esses obrigatórios e tradicionais consolidados nas longas travessias. O jumento, o cavalo, o burro e o carro de boi, foram gigantes desbravadores e alavancas do progresso até o final do Século XX. Hoje, mais reservados, aguardam pacientemente o reconhecimento do Século XXI. • Continua amanhã.

CARRO DE BOI, RELÍQUIA DO BRASIL (I) (Seriado em três crônicas) Clerisvaldo B. Chagas, 22 de março de 2017 Escritor Símbolo de Se...

CARRO DE BOI, RELÍQUIA DO BRASIL (I)



CARRO DE BOI, RELÍQUIA DO BRASIL (I)
(Seriado em três crônicas)
Clerisvaldo B. Chagas, 22 de março de 2017
Escritor Símbolo de Sertão Alagoano
Crônica 1.649

Divulgação. Encontro do Carro de Bois. Tapira, MG, 2014.
No Brasil, primeiro chegaram jumentos e cavalos com Martim Afonso de Souza em 1534, São Vicente, data que faz parte do Século XVI. Esses cavalos faziam parte do primeiro lote. Em 1535, chegou o segundo lote de cavalos e foi para Pernambuco. O terceiro lote de equinos chegou com o primeiro Governador-Geral do Brasil, Tomé de Souza (1549-1553), na Bahia, que também trouxe carpinteiros e carreiros para o fabrico do carro de boi. O burro somente surgiu em torno de 1700 (Século XVIII).
Depois das trilhas indígenas, cavalos e jumentos palmilharam muitas terras brasileiras como montarias e animais cargueiros, praticamente nas mesmas trilhas. O carro de boi, entretanto, como vimos, na mesma época, exigia estradas para o deslocamento em pequenas e longas distâncias transportando gente e mercadorias.
Devemos muito a esses três tipos de transportes que atuaram durante séculos e permitindo o Brasil de hoje. Mais tarde, a partir do início do Século XVIII, surgiram os burros usados em alguns países vizinhos, comprados e roubados por brasileiros. Contudo, seu uso em tropas, com o chamado tropeiro à frente transportando mercadorias, só veio a acontecer nos meados deste mesmo século. As tropas de burros ganhavam na rapidez do transporte e não exigia a largura de estradas exigidas pelo carro de boi. Este, porém, nunca deixou a opção de carregar mercadorias pesadas de todos os tipos e pessoas para os mais diversos eventos: novenas, feiras, festas em viagens curtas e longas. Levaram o progresso para o interior transportando dos navios para os sertões, ferramentas, tecidos, produtos industrializados e diversos objetos europeus. Do interior levavam para os portos fluviais ou marítimos: cachaça, rapadura, mel de engenho, cana-de-açúcar, cereais, queijos, carnes, couros e peles e tantos outros objetos de exportação.
Podemos afirmar com absoluta certeza que o carro de boi abriu estradas para os veículos motorizados de outrora.
Mesmo diante do modernismo atual, os tropeiros ─ no Nordeste chamados almocreves ─ jumentos e carros de boi continuam atuando em todo o País, mesmo reservadamente em fazendas e pequenas distâncias. Ainda existem fabriquetas de carros como antigamente, fazendo com que os artesãos demonstrem toda a perícia no fabrico. Diversos movimentos no Brasil, em Minas, Goiás, Alagoas, por exemplo, procuram preservar a arte promovendo eventos importantes como Procissão do Carro de Boi, Festival do Carro de Boi, concursos e tantas outras manifestações de carinho ao veículo que varou o tempo.
O trem de ferro e o caminhão foram aos poucos transformando o País dos carros de boi em frotas, dos jumentos em récuas, dos burros em tropas, até a chegada dos automóveis que definitivamente tomaram conta das estradas e não dão nem um fonfom buzinado para os que ─ para eles ─ são alienígenas.
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·         Continua amanhã.

















·         Jumentos. Vieram com Martim Afonso de Souza: 1534. São Vicente.
·         Cavalos. Primeiro lote com Martim Afonso de Souza: 1534.
                Segundo lote: Pernambuco: 1535.
                              Terceiro lote: Com Tomé de Souza (1549-1553) Bahia.                                 Primeiro Governador-geral. Sec. XVI.

·         Carro de boi. Veio com carreiros profissionais e carpinteiros com Tomé de Souza (1549).
·         Burros. Somente a partir de em torno de 1700, comprado e roubados dos vizinhos.

1.    Carro de boi. Absoluto nos séculos XVI (1500) e XVII(1600).
2.    Tropas de burro: meados do século XVIII (1700).



NORDESTINO COM O PAU DENTRO Clerisvaldo B. Chagas, 21de março de 2017 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica 1.648 A...

NORDESTINO COM O PAU DENTRO




NORDESTINO COM O PAU DENTRO
Clerisvaldo B. Chagas, 21de março de 2017
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.648

A famosa cachaça sempre predominou no Basil desde os tempos de D. João VI. Daí para cá uma vasta literatura preencheria qualquer tamanho de coleção livresca. No País, já com o título Cachaça, registrado mundialmente, ela possui dezenas e dezenas de apelidos que chegam facilmente a uma centena: Moça Branca, Branquinha, Richona, Marvada, Pinga e tantos outros que até seria difícil listá-los. A mesma coisa acontece ao modo de se referir à bebida na hora de procurá-la: Tomar uma; tomar uma flechada; Espalhar o sangue; veneno e assim por diante.
Os escravos gostavam bastante de cachaça, até porque era a bebida a que eles tinham acesso. Samba e cachaça viraram paixões. E sem preconceito nenhum, meu pai dizia: “quando vê um preto tristonho em qualquer ajuntamento, chame-o e ofereça a ele um copo de cachaça. Ele vira de uma vez só e, ao terminar, perfila-se, bate continência e diz: estou às suas ordens, patrão”.
Bebe-se no Brasil pelos mais diferentes motivos. O Nordestino é maluco por uma “água que pinto não bebe”. Uns só ingerem cachaça pura. Outros somente com tira-gosto. Alguns lambem os beiços, fazem careta, cospem no chão. Muitos emborcam o copo sereno, sem gestos ridículos, sem mugangas.
Bodegueiros passaram a encomendar de mestres raizeiros a cachaça com pedaços de ervas medicinais que se apresentam no recipiente com folhas, galho, caule e raiz. Às vezes os raizeiros colocam dentro da cachaça até vinte produtos diferentes. Entre esses produtos estão: cravo, canela, anil, barbatimão, alecrim, ameixa, boldo, camomila, capim, catuaba, gengibre, manjericão, e tantas outras, conforme a região, a disponibilidade e a perícia do raizeiro. No Sertão nordestino, esse tipo de cachaça está no balcão de  bodegas e botecos que se prezam. Para distinguir da cachaça normal que se chama cachaça limpa, a denominação mais comum é “misturada”, daí variando para os mais inimagináveis nomes entre os quais: “ninho de garrincha”.
Bebe-se a misturada com alegações as mais diversas: é mais gostosa; é medicinal; é afrodisíaca. Muitos a chamam, maliciosamente de “Pau-dentro”.
Quem sabe se a corrupção no Brasil não se acabaria se em cada ladrão de Brasília lhe fosse aplicado o “pau-dentro”!
Nordestino tem receita pra tudo.