OS BALÕES DE SENHORA SANTA ANA Clerisvaldo B. Chagas, 9 de fevereiro de 2018 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica 1.842 ...

OS BALÕES DE SENHORA SANTA ANA


OS BALÕES DE SENHORA SANTA ANA
Clerisvaldo B. Chagas, 9 de fevereiro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.842

CAMINHÃO: LUGAR EXATO DE SOLTURA DE BALÕES.  Foto: (Domínio Público).
Não posso dizer com certeza se as festas de padroeiros e padroeiras do Sertão de Alagoas eram todas iguais. Contudo, nos novenários à Senhora Santa Ana, sempre havia banda de música que tocava fora e dentro da Matriz. Havia ainda o foguetório que saía do Beco de São Sebastião e o “carro de fogo” que navegava com velocidade num arame estendido defronte a Igreja. Com fogos também era descerrada a imagem da santa que ficava enrolada num mastro de madeira. O fogo ia subindo e desenrolava a imagem sob aplausos da multidão. A parte dos fogos tinha os fogueteiros profissionais responsáveis que vieram de muito antes do meu tempo e que, praticamente, foi encerrada com o “Zuza Fogueteiro”. O Zuza, gordinho, alto, branco e simpático, morou por último no final da Rua Tertuliano Nepomuceno, centro de Santana do Ipanema.
O balão tradicional não faltava. Era manipulado e solto por trás do hoje extinto, “sobrado do meio da rua”, precisamente por trás da última casa comercial, “A Triunfante”, de José e depois Manoel Constantino. O papel delicado quase sempre tinha as cores azul e branca. Habitualmente o balão ia aos céus durante a celebração da novena. Formava-se uma pequena torcida ali no ponto do balão, onde estava armada a “onda” e o “curre” (carrossel). É que precisava muita habilidade dos encarregados para desdobrar o balão, esticá-lo, por fogo sem queimar suas paredes, erguê-lo no ar e aprumá-lo para a subida triunfante sob palmas e gritos de triunfo.
Havia profissionais para tudo, na cidade: fogueteiro, ferreiro, flandreleiro, retelhador, sapateiro, barbeiro, amolador... Mas nunca me foi dito quem era o artista dos balões. Só poderia ter sido uma pessoa de muitas nuances e amor no coração para confeccionar uma coisa tão mimosa, frágil e bela.
E lá ia aquele artefato se equilibrando no ar, subindo, subindo, subindo... E a luz segura do seu bojo ia ficando cada vez mais longe e se apequenando até tornar-se apenas um pontinho luminoso misturado com as estrelas no céu profundamente azul.
Havia ainda o leilão. Mas aí era outra coisa. Quem seria o artista dos balões? Saudade.

                  
                    

PAGINANDO OS CARNAVAIS Clerisvaldo B. Chagas, 8 de fevereiro de 2018 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica 1.841 BACALHAU...

PAGINANDO OS CARNAVAIS


PAGINANDO OS CARNAVAIS
Clerisvaldo B. Chagas, 8 de fevereiro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.841

BACALHAU DO BATATA. FOTO: (G1).
Siloé Tavares – o deputado estadual santanense – estivera no comando do combate violento do Impeachment do governador Muniz Falcão.  Mudando da violência para cena doce, o deputado compadre de meu pai, construiu com festas todos os dias, a segunda igrejinha do serrote do Cruzeiro. (O boi, a bota e a batina, história completa de Santana do Ipanema). Não era de se esperar que um homem sério e rouco fosse capaz de brincar o Carnaval. Mas estava ali no meio da rua para quem quisesse ver. Siloé e seus amigos foliões fundaram o “Bloco do Bacalhau”. A turma tinha um estandarte onde um bacalhau centralizava ladeado por recipientes de vinagre e azeite. E se havia mais de uma estrofe na música do bloco, não foi registrada. Mas o mote de guerra era repetido infinitas vezes:

“Olha o bacalhau
Pra nós é um colosso
Azeite com vinagre
Salgado ou insosso...”

Este conjunto de folia, anos 60, foi apenas mais um dos tantos e tantos blocos carnavalescos da minha terra, descritos desde a década de 1920.    Quando o bloco era organizado, listava casa de pessoas influentes, para visitá-las durante o trajeto das ruas. Essas pessoas preveniam-se e aguardavam a passagem do bloco com espaço, bebidas e tira-gosto. Antes dos anos 20, os foliões costumavam invadir o sobrado do coronel Manoel Rodrigues da Rocha e dançavam no salão principal do casarão. Depois, a casa do padre Bulhões também era muito visitada onde o tira-gosto era pão de ló.
Os carnavais, tanto no interior do Brasil, quanto nas capitais, ora se apagam, ora se acendem. Mas tanto os fracos quanto os fortes movimentos de Momo, trazem suas histórias coloridas como suas roupas e estandartes. Quem gosta da folia, vai recordando suas aventuras repetidas a cada mês de fevereiro, ocupando a mente com suas fantasias. Em Santana do Ipanema, cada um que conte as piruetas e os amores dos antigos carnavais, aumentando aqui, esticando mais ali, na ressurreição de foliões como Seu Carola (ô), Silóe, Nozinho (ô), Lucena, Chico Paes, Agenor e muitos outros que ficaram famosos na cidade. Sei lá...

“Olha o bacalhau
Pra nós é um colosso
Azeite com vinagre
Salgado ou insosso...”
  

NO TEMPO DOS LAMBE-LAMBES Clerisvaldo B. Chagas, 7 de fevereiro de 2018 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica 1.840 LAMBE...

NO TEMPO DOS LAMBE-LAMBES


NO TEMPO DOS LAMBE-LAMBES
Clerisvaldo B. Chagas, 7 de fevereiro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.840

LAMBE-LAMBES. FOTO: (JORNAL LANCE).
Como os mais antigos fotógrafos profissionais alcançados por nós, estavam Seu Antônio e Seu Zezinho. Seu Antônio atuava na calçada alta – logo no início da Ponte do Padre. Depois se mudou para a Rua Coronel Lucena, entre os dois becos de acesso à Rua Ministro José Américo. Era magro, barba por fazer, calado e fumante. Seu estabelecimento tinha o nome de “Foto Santo Antônio”. Seu Zezinho trabalhava na Rua Coronel Lucena (defronte a antiga Praça Emílio de Maia) depois migrou para a Rua Benedito Melo (Rua Nova) parte de cima, perto do declive de acesso ao Bairro São Pedro. Morava no próprio lugar de trabalho, era gordinho, branco e ansioso. Ali funcionava o “Foto Fiel”.
A produção de ambos era mais voltada para o social, principalmente para documentos 3x4 e fotos maiores para lembrança. Afora isso, quando convidados registravam eventos como inaugurações, batizados, casórios, formaturas. Dizem que Seu Zezinho tirou várias fotos das cabeças dos cangaceiros mortos em Angicos e apresentadas em praça pública de Santana do Ipanema.
Não havia a percepção de fotografar inúmeras ruas e prédios públicos para engajá-las à História. Não havia percepção nem interesse, além do material fotográfico raro e caro.
Já os fotógrafos denominados lambe-lambes, atuavam na frente da Matriz de Senhora Santa Ana. Como os outros dois, limitavam-se aos 3x4 dos matutos da feira, das suas poses nos altares, de casamentos e batizados. Nada de registrarem em geral para a História, pois eles representavam a própria história presente.
No dia em que chegou um ditador abusado, meteu grades defronte a Matriz, expulsando os tradicionais fotógrafos do povo. Daí em diante, os lambe-lambes ficaram desarvorados. Nem na frente da Igreja e nem mais em lugar algum. A prepotência  havia dado o golpe de misericórdia numa riqueza cultural brilhante, prestativa e indefesa.
Enquanto o Papa anda com flores nas mãos, outros andam com relhos de couro cru. Droga de tanto ódio!
Dizem os espíritas que esses são os que reencarnam na marra.
Os fotógrafos ou retratistas hoje são raros e estão em cidades como Recife e Juazeiro do Norte, misturados aos romeiros e sobrevivendo como podem.