TODO SER É ASSASSINO Clerisvaldo B. Chagas, 27 de setembro de 2020 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.388 SECA. (FOTO: ...

 

TODO SER É ASSASSINO

Clerisvaldo B. Chagas, 27 de setembro de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.388

SECA. (FOTO: DÁRIO CAUSA OPERÁRIA

Durante a seca de 1970 Santana do Ipanema ainda era a capital do feijão. O governante municipal, na época, senhor Henaldo Bulhões Barros. Para Santana convergiam os produtos dos municípios vizinhos e, carretas e mais carretas do Sul do Brasil vinham pegar o feijão da última safra de antes da seca. A Praça Coronel Manoel Rodrigues da Rocha – Praça da Matriz – tornou-se ponto de estacionamento daquelas carretas carregadas de grãos. Diante de tanta riqueza alimentar, algumas mulheres, crianças e adolescentes, catavam no calçamento alguns caroços de feijão que escapavam das carretas. Como se diz por aqui, era de cortar coração a cena inacreditável da fome. Pessoas transformadas em galináceos em pleno centro da cidade.

Tornou-se rotina a mendicância pelo centro, ruas e periferias. Além da humilhação dos mendigos, ainda se encontravam pessoas ricas e arrogantes pelo caminho. “Só dou esmola a cego e aleijado”, dizia um, “Não tenho esmolas para dá; quem tem obrigação com vocês é o governo”. Dizia outro. Não iremos citar os seus nomes, pois iríamos desagradar seus familiares, mas nada custa indagar, mesmo sem resposta: Como estão as almas daqueles arrogantes após a partida do planeta? Muitos descendentes ainda hoje brigam na Justiça pelo “ouro” dos insensatos.

Mas agora, em 2020, após longo período sem vermos pedintes nas ruas, a fome voltou e vai arrochando tudo. Mendigos voltam a pedir de casa em casa contando a situação sinistra que estão passando com à família. Isso faz lembrar Cachoeirinha, Pernambuco, “Aqui você não vê mendigo, todos trabalham na cidade. Quando aparece alguém pedindo é pessoa de passagem”, dizia o saudoso José Henrique que fabricava arreios para aquele lugar. Nada demais  pedir desculpa ao pedinte quando não tiver de verdade o que oferecer. Mesmo assim corre o risco – se o que pede for humorista e improvisador como era o cego Zequinha Quelé, morador do sítio Travessão: “Perdoe, ceguinho, não tenho agora...”.

 

A bacia do perdoe

Deixei lá no Travessão

Sou homem, não sou menino

Todo ser é assassino

Só meu padre Ciço, não...

 

  A ESTRANHA PRIMAVERA Clerisvaldo B, Chagas, 25 de setembro de 2020 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.386 Chegou a prima...

 

A ESTRANHA PRIMAVERA

Clerisvaldo B, Chagas, 25 de setembro de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.386

Chegou a primavera (Foto: Bianca Chagas).
Nos sertões nordestinos temos também, como no restante do mundo, as quatro estações distintas, todavia, o nosso povo a grosso modo, só reconhece Inverno e verão, isto é, período de chuva, período de estiagem. Em nosso sertão alagoano temos chuvas de outono/inverno e estio na primavera/verão. Dessa maneira o inverno propriamente dito se foi após longos meses molhando a terra. O que se vê agora é a natureza se enfeitando no que lhe restou. O pau d’arco, o pereiro, a craibeira, o pau-brasil, vestindo lindamente um verde mais escuro ilhando flores e botões que antecipam o período natalino. Nas cordilheiras as flores amarelas e roxas chamam atenção dos atentos que trafegam no médio e alto sertão das Alagoas.

Em circunstâncias normais a primavera, com os dias quentes e noites amenas traziam notícias que pareciam perfumadas com as margaridas dos campos. Dessa vez, mesmo pela metade, temos as constantes diminuições de óbitos pelo Covid-19 em nosso território. O interior completo estará passando para a cor azul, acompanhando a capital nessa magnífica conquista. Em Santana do Ipanema mesmo, o pessoal da Sáude está de Parabéns por tudo que tem sido feito pela sua população, a ponto de o Hospital abrigar apenas dois pacientes vítimas da pandemia.

A metade das notícias negativa, porém, é o aumento da violência tanto no Sertão quanto no Agreste. Estupros absurdos, assassinatos misteriosos, assaltos constantes na zona rural têm apavorado praciantes e matutos. Até invasões em residências campesinas vêm dando trabalho à polícia civil e militar. O que não foi noticiado ainda, foi assalto a banco, que era coisa comum em tempos eleitoreiros. O que é que estar acontecendo com a primavera? Será que também veio transtornada pela pandemia em trajes masculinos de primo Vero?

  Parece que o que não presta

Tomou as rédeas do mundo

                             Não respeita gente rica

Branco, preto e vagabundo

                             Entra na porta da frente

 Rompe nas portas do fundo.

 

 

 

 

 

 

  O REI DA RÚSSIA NO GINÁSIO SANTANA Clerisvaldo B. Chagas, 23 de setembro de 2020 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 3.385 ...

 

O REI DA RÚSSIA NO GINÁSIO SANTANA

Clerisvaldo B. Chagas, 23 de setembro de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.385

Visita de escritores, cineasta e jornalistas ao Ginásio, autor de camisa preta. (Foto: Arquivo B. Chagas).


Os estudantes do Ginásio Santana, década de 60 e que ainda estão vivos, recordam bem as peripécias que alegravam o estabelecimento. Nem adiantava diretor durão, diretor mole ou carrasco de ações e de cara. Estou falando do período como estudante e não como professor, muito mais adiante.  O fato que será narrado não lembra o dirigente da época, mas com certeza aconteceu com o zelador Lulinha, baixinho como um anão, cara engraçada e moralista, casado com uma senhora alta e bonitona.  Morava na mesma casa em que tinha bodega, às margens do poço do Juá, no rio Ipanema. Essa foi apenas uma das muitas do Ginásio Santana.

Certo dia o zelador fazia a faxina nas salas de aula quando encontrou um bilhete. Não sabemos se o papel foi levado ao diretor, porém ficamos sabendo o seu conteúdo.

O escrito era uma indagação curiosa e chula: “Foi você quem roeu a r... do rato que roeu a r... do rei da Rússia?”. Lulinha mostrava a mensagem sem-vergonha e, com muita moral ficava aguardando a nossa reação. “Foi você, Lulinha, quem roeu? E o bedel ia desamarrando a cara como quem estava bastante constrangido, mas não resistia e desatava estrondosa gargalhada. Isso contaminava a todos os grupos, pois além da brincadeira do escrito, tinha o riso desabrido do zelador. A anedota correu das paredes ginasianas e ganhou livremente às ruas no efeito dominó. Na escola, quando as autoridades docentes se aproximavam, Lulinha conseguia dominar o riso e novamente voltava à cara de inocente. Quem teria escrito a putaria? Talvez, com medo de uma suspensão de três, sete ou quinze dias como era costume, o autor da façanha permanecia anônimo.

Depois que o zelador deixou o estabelecimento, nunca mais tive notícia daquele cidadão gente boa. Sua esposa estava sempre esperando menino, pois Lulinha não cochilava nas horas das noites do poço do Juá. Sua casa foi invadida pelas águas da cheia de 1960 ou 1962, chegando quase à cumeeira.

Pois é, podemos esquecer as lições de inglês, do Latim e da matemática, mas é difícil não lembrar a risada de Lulinha ao ser indagado: “Foi você quem roeu a r... do rei da Rússia?