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Clerisvaldo e Zé de Almeida cantam para os velhinhos na Matriz de Senhora Santa Ana. |
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
REPENTISTA E ABOIADOR
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
CACHAÇA DE QUEM MORREU
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ALMEIDA. (FOTO/DIVULGAÇÃO). |
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
FORÇA DO MOURÃO
(Clerisvaldo B. Chagas. 17.11.2009)
Quem aprecia uma peleja nordestina, conhece os diversos gêneros de estrofes existentes: sextilhas, galope beira-mar, quadrão, mourão, mourão perguntado, martelo agalopado, martelo alagoano, Brasil caboco, gabinete, décimas... São em torno de quarenta gêneros. O básico de qualquer cantoria é a sextilha. A dupla de repentistas pode passar uma noite cantando somente sextilhas, pois com elas se canta qualquer assunto; apenas muda a musicalidade em canta intervalo. Cada pedaço da cantoria é chamado baionada. Quando os cantadores querem ou o povo pede, os repentistas podem cantar vários gêneros após as sextilhas e depois voltar para elas. O gênero mais nobre, em minha opinião, é o martelo agalopado, chamado assim porque imita martelada como o galope de cavalo. O tema ou mote, se alguém pede, é cantado em décimas ou em martelo agalopado que tem mais sílabas, porém, com os mesmos dez versos. O mourão é composto de uma estrofe de sete versos, separados em dois mais dois mais três. O primeiro cantador canta dois versos (duas linhas); o segundo cantador responde com mais dois; o primeiro repentista rebate com os três versos finais. Abaixo iremos dar um exemplo de martelo agalopado e um de mourão.
Zé de Almeida é poeta-repentista santanense e muito conhecido no Nordeste. Ultimamente Almeida vem se dedicando mais ao ramo musical das vaquejadas, fazendo dupla com parceiros também famosos. Certa feita achei tanta poesia em um martelo agalopado feito por ele que imortalizei a estrofe. Está no meu romance Defunto Perfumado à página 8:
“O meu verso já tem se comparado
Com o mel da abelha jandaíra
Com o perfume da flor da macambira
Com o campo florido perfumado
Com as flores que cobrem todo o prado
Com o sol amarelo cor de gema
Com o canto feliz da seriema
Com o grito saudoso da graúna
Com a casca de pau da baraúna
E o verdume da folha da jurema”
Pois bem, Zé de Almeida e seu parceiro pelejavam na cidade alagoana de Maravilha, Sertão de Alagoas. Estavam ambos em uma residência, quando um ouvinte pediu um mourão. Almeida iniciou mais ou menos assim:
O povo pode pedir
Que a gente canta na hora
O parceiro respondeu:
Ninguém vai me impedir
De tocar minha sonora
No momento que Almeida ia concluir o mourão, um homem muito conhecido na cidade, passando por fora espichou o pescoço para dentro da casa (pela janela) e gritou: “Calem a boca dois cornos!” Zé de Almeida desviou o pensamento e respondeu ao parceiro, ao povo e ao intruso:
“Nessa agora eu me concentro
Dois cornos cantando dentro
E um corno gritando fora”
No final tudo terminou em gargalhadas com as brincadeiras do comerciante Leusínger. Essa é a FORÇA DO MOURÃO.
terça-feira, 26 de maio de 2009
A PITÚ COMEU
(Clerisvaldo B. Chagas. 26.05.2009)
Quem conhece o mundo dos cantadores sabe. Existem os encontros de cantorias em residências, em festivais, em congressos. As histórias dos bons encontros são repassadas para o planeta da viola. Particularmente circulam estrofes de boca em boca que foram criadas em situação de debate entre dois cantadores ou isoladas e ocasionais. Em ambas as situações, esses versos tornaram-se imorredouros e são repassados de geração a geração. Falemos aqui apenas das estrofes ocasionais. Acontecem quando um repentista está viajando ou chega a um lugar qualquer e faz uma estrofe com alguma coisa que lhe chamou a atenção. Se os versos forem realmente bem feitos e alguém anotá-los na cabeça, vai passando à frente e percorre assim o Nordeste. Toda estrofe tem uma história. Versos sem história não tem sentido. São inúmeras as estrofes ocasionais que a gente houve. Pesquisadores já publicaram livros contando várias delas. Eu mesmo desisti de um trabalho desses quando vi que era preciso viajar muito para colher os seus verdadeiros autores que são trocados por outros. Exemplo famoso de uma estrofe ocasional:
Certa vez um poeta viajante teve recusado um pequi para matar a fome. Ao chegar a pé no povoado próximo, dizendo ser repentista, recebeu uma proposta que se provasse o que estava dizendo não pagaria nada. Não se fez de rogado:
“Acredite meu senhor
Eu gostei muito daqui
Terra de mulher bonita
De cabra bom no fuzí
Mas em redor de uma légua
Tem cabra fi duma égua
Que nega até um pequi”
O saudoso Adeilson Dantas, pioneiro do rádio no Sertão, resolveu pesquisar estrofes interessantes para enfeixá-las num livro. Convidou-me para viajar a cidade de Monteiro, o “Vaticano da Poesia”. Não realizamos o intento. Entre as várias estrofes colhidas pelo radialista, duas me despertaram interesse. Foram feitas na hora pelo poeta santanense Zé de Almeida. A primeira, não vou contar para evitar constrangimento com o alvo. Um cidadão de Santana iria ser candidato a vereador e pediu uma estrofe. Como Zé de Almeida não gostava do indivíduo fez a estrofe ao contrário, de modo chulo. A segunda vamos ouvir Adeilson:
“Zé de Almeida estava no comércio de Santana, no bar do comerciante Mário Pacífico. Um locutor muito apreciado na cidade, chamado Umberto Guerrera — que exagerava na bebida — ia passando na praça”. E eu vou dizer o que mais, depois que Almeida o viu e recitou de repente?:
“Lá vai Umberto Guerrera
Locutor amigo meu
Já perdeu até as contas
Das cachaças que bebeu
Tá vivo daqui pra cima
Pra baixo a Pitú comeu”
domingo, 27 de outubro de 2024
POETAS
ESQUECIDOS
Clerisvaldo B. Chagas, 28 de outubro de
2024
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 3.136
Sim, conheci ambos os poetas. Zequinha gostava
de vestir uma roupa de mescla (azulão). Era cego e sempre aparecia nas feiras
dos sábados com o seu guia. Usava um ganzá de flandres para cantar os seus
versos que quase sempre eram de pedir. O homem era uma cachoeira de rima e
morava no sítio rural Travessão. Cantava
na feira e pedia, pedia e cantava de uma vez só pelo meio da multidão. Mão no ganzá,
outra abanando perto do olho. Dele ficou esta estrofe quando um cidadão disse:
“Perdoe Ceguinho”:
A bacia do perdoe
Deixei lá no Travessão
Só homem não sou menino
Todo ser é assassino
Só meu padre Ciço não.
Já Zezinho da Divisão (sítio rural na divisa
Santana Carneiros) se dizia galego buchudo. Poeta também fecundo, gostava de
tomar umas e cantar putaria quando se via apertado num duelo. Assim foi
convidado para cantar com Zé de Almeida na casa de um cidadão, no Bairro
Camoxinga, em Santana do Ipanema. A cantoria estava quente quando pediram um
tema: “Mais sou melhor do que tu”. Zé de Almeida disse:
Sou um tipo sem futuro
Desses que não valem nada
Sou igual a uma levada
Lugar que só tem monturo
Sou um recanto de muro
Onde só tem cururu.
Sou igualmente um tatu
Dentro dum buraco fundo
Sou a desgraça do mundo
Mas sou melhor do que tu
Zezinho já estava cheio da cana e muito
vermelho. Vendo tantos aplausos para o parceiro, disse:
Já perdi a cerimonha
Só ando cambaleando
Tem gente até me chamando
De fumador de maconha
Juntei-me com u’a sem-vergonha
Levei ponta pra chuchu
Foi corno em Caruaru
Fui viado em Maribondo
Mesmo soltando o redondo
Mas sou melhor do que tu.
O dono da casa expulsou os dois.
Nunca tivemos registro de nenhuma homenagem
feita aos dois fantásticos poetas.