PÃO DE AÇÚCAR (Clerisvaldo B. Chagas. 26/27.05.2009) Nos meus romances “Def...

PÃO DE AÇÚCAR

PÃO DE AÇÚCAR


(Clerisvaldo B. Chagas. 26/27.05.2009)

Nos meus romances “Defunto Perfumado” e “Fazenda Lajeado” (inédito), dedico algumas páginas à bela cidade de Pão de Açúcar. O lugar não é histórico somente porque recebeu o Imperador D. Pedro II. Pão de Açúcar foi à base para o povoamento do Sertão alagoano pelos sertanistas, pelos compradores de terras, pelos meeiros, pelos criadores de gado que se espalharam dali por todo o oeste de Alagoas. Os navios subiam de Penedo, pai de todos, com as mercadorias vindas da Bahia e de Pernambuco, fazendo da antiga Jaciobá um próspero entreposto comercial. Os carreiros, os tropeiros e, depois, os caminhoneiros, distribuíam a mercadoria por todo o Sertão e alto Sertão. Também eram escoados os produtos regionais por aquele porto, como feijão, milho, carnes, couros e peles. O intenso movimento no corredor de importação e exportação fez de Jaciobá uma espécie de capital avançada. As formas de fazer açúcar, parecidas com suas montanhas, deram origem ao nome atual da cidade que nunca deixou de ser o “espelho da lua”. Mas, o visionário Padre Francisco Correia, dizia: Hoje Pão de Açúcar, amanhã pão de areia.

A construção de estradas para a capital foi deixando Pão de Açúcar na contramão. A ponte sobre o rio são Francisco nunca foi construída e, finalmente a hidrelétrica de Xingó selou a profecia do Padre Francisco. Para quem já não tinha o antigo comércio, herdar o rio seco, assoreado, foi mesmo uma tragédia. Várzeas e lagoas sem água são várzeas e lagoas sem peixes e sem arroz. Muitos pescadores viraram artesãos, agricultores... Músicos. Caiu a navegação e o padrão de qualidade ribeirinha.

Resta a Pão de Açúcar o turismo como a grande saída. A cidade nunca perdeu a beleza. O visitante se encanta com a imponência da sua igreja; com o casarão que hospedou D. Pedro II; com a arquitetura do seu casario; com o relevo e a hidrografia do lugar. As histórias de Lampião, a proximidade com a hidrelétrica de Xingó; o folclore e a fama de ser a terceira cidade mais quente do Brasil são armas poderosas para erguer a terra de “Seu Dema”, escritor sanfranciscano que se encantava com meu primeiro romance: “Ribeira do Panema”.

Vamos aguardar iniciativas dos filhos de Pão de Açúcar, para que todo seu patrimônio histórico-cultural seja mostrado ao mundo. Investir no turismo é investir na melhoria do padrão de vida; é descobrir-se para o Brasil, para a Europa, para a América do Norte. Mesmo iniciando com o turismo interno, alagoano e nordestino, já seria uma imensa riqueza para quem tem o potencial da sempre encantadora Pão de Açúcar.

A PITÚ COMEU (Clerisvaldo B. Chagas. 26.05.2009) Quem conhece o mundo dos cantador...

A PITÚ COMEU

A PITÚ COMEU

(Clerisvaldo B. Chagas. 26.05.2009)


Quem conhece o mundo dos cantadores sabe. Existem os encontros de cantorias em residências, em festivais, em congressos. As histórias dos bons encontros são repassadas para o planeta da viola. Particularmente circulam estrofes de boca em boca que foram criadas em situação de debate entre dois cantadores ou isoladas e ocasionais. Em ambas as situações, esses versos tornaram-se imorredouros e são repassados de geração a geração. Falemos aqui apenas das estrofes ocasionais. Acontecem quando um repentista está viajando ou chega a um lugar qualquer e faz uma estrofe com alguma coisa que lhe chamou a atenção. Se os versos forem realmente bem feitos e alguém anotá-los na cabeça, vai passando à frente e percorre assim o Nordeste. Toda estrofe tem uma história. Versos sem história não tem sentido. São inúmeras as estrofes ocasionais que a gente houve. Pesquisadores já publicaram livros contando várias delas. Eu mesmo desisti de um trabalho desses quando vi que era preciso viajar muito para colher os seus verdadeiros autores que são trocados por outros. Exemplo famoso de uma estrofe ocasional:

Certa vez um poeta viajante teve recusado um pequi para matar a fome. Ao chegar a pé no povoado próximo, dizendo ser repentista, recebeu uma proposta que se provasse o que estava dizendo não pagaria nada. Não se fez de rogado:



“Acredite meu senhor

Eu gostei muito daqui

Terra de mulher bonita

De cabra bom no fuzí

Mas em redor de uma légua

Tem cabra fi duma égua

Que nega até um pequi”



O saudoso Adeilson Dantas, pioneiro do rádio no Sertão, resolveu pesquisar estrofes interessantes para enfeixá-las num livro. Convidou-me para viajar a cidade de Monteiro, o “Vaticano da Poesia”. Não realizamos o intento. Entre as várias estrofes colhidas pelo radialista, duas me despertaram interesse. Foram feitas na hora pelo poeta santanense Zé de Almeida. A primeira, não vou contar para evitar constrangimento com o alvo. Um cidadão de Santana iria ser candidato a vereador e pediu uma estrofe. Como Zé de Almeida não gostava do indivíduo fez a estrofe ao contrário, de modo chulo. A segunda vamos ouvir Adeilson:

“Zé de Almeida estava no comércio de Santana, no bar do comerciante Mário Pacífico. Um locutor muito apreciado na cidade, chamado Umberto Guerrera — que exagerava na bebida — ia passando na praça”. E eu vou dizer o que mais, depois que Almeida o viu e recitou de repente?:



“Lá vai Umberto Guerrera

Locutor amigo meu

Já perdeu até as contas

Das cachaças que bebeu

Tá vivo daqui pra cima

Pra baixo a Pitú comeu”

RIBACÃO DE CARREIRO (Clerisvaldo B. Chagas. 23.05.2005) Quando o...

RIBACÃO DE CARREIRO

RIBACÃO DE CARREIRO

(Clerisvaldo B. Chagas. 23.05.2005)

Quando o jipe amarelo do IBGE roncou na caatinga bruta, sentimos que estávamos perdidos. Três pesquisadores procurando rumo dentro da mata.

Alto Sertão de São José da Tapera, em Alagoas. O dia findava. Constantes empurrões no veículo pelo terreno enlameado nos deixavam exaustos. Ligeiramente a noite chegou e os céus precipitaram uma chuva irritante para piorar o momento. Finalmente conseguimos avistar uma casa sem varanda e dela nos aproximamos. À porta, sobre três degraus, surgiu um galego que nos acolheu cheio de boa vontade e cortesia. Adentramos a residência, tímidos, cansados, chateados, porém, o homem e sua família procuravam nos deixar tranquilos. Indicado por ele — que exercia a profissão de carreiro — fomos ao banho em um riacho próximo aonde corriam as águas de inverno. Que banho maravilhoso! Repelido o enfado, retornamos à casa do bom samaritano que nos ofereceu a única coisa que havia para comer, tal ribacão. Indaguei o que era aquilo. Descobri uma comida grosseira à base de feijão e arroz esquentados juntos, sem complemento. Comemos o ribacão como se ele fosse a única comida do mundo. Foi o prato mais gostoso que já comi na vida.

Antigamente muitos estudantes deslocavam-se a pé até a escola. Andavam muito mais de légua todos os dias para vencer através das letras. Superavam o sol, a chuva, o frio, o calor, as enchentes, os caminhos esquisitos e mesmo as noites terrivelmente escuras. Além das jornadas de ida e volta, os seus pais ainda bancavam o material didático, o lanche e, às vezes, também à mensalidade da escolinha particular. Desses sofridos alunos, inúmeros tornaram-se professores, políticos, comerciantes, empresários, funcionários públicos, enfim, honraram todos os segmentos sociais. É que, apertados pela necessidade, sabiam valorizar o saber. Foi assim em Santana do Ipanema nas escolas de Enéas, de Josefa Leite, de Adélia, de Zé Limeira, de Ernestina... Depois com Flora, com Narair, com Helena Oliveira, com o grupo Padre Francisco, com o Ginásio Santana.

Venho detectando a apatia estudantil há vários anos. Os pedagogos das teorias não aceitam. Entra didática e sai didática e o problema não é resolvido. Não existe mais respeito ao mestre, só o aluno possui regalias. Claro que não estamos falando sobre todos os casos. Recentemente saiu na televisão uma pesquisa em que 40% dos alunos não demonstravam interesse pelos estudos. Isso veio comprovar o que já havíamos constatado na prática.

Hoje o governo manda o veículo à porta do aluno, fornece os livros, o uniforme, a merenda, prêmios, boa palestra e financiamento. Mas o resultado continua nos 40%. As escolas vão ficando vazias. Na certa esse altíssimo índice ainda não despertou para o valor do estudo. Está perdido na mata. Ainda não encontrou a casa do galego na caatinga bruta. Com toda certeza está faltando comer ribacão de carreiro.