HISTORIANDO A LINHA (Clerisvaldo B. Chagas, 26 de janeiro de 2011).         Falar sobre a cidade ribeirinha alagoana de Piranhas é tarefa p...

HISTORIANDO A LINHA

HISTORIANDO A LINHA
(Clerisvaldo B. Chagas, 26 de janeiro de 2011).

        Falar sobre a cidade ribeirinha alagoana de Piranhas é tarefa para muitos dias de computador. Mas hoje não vamos nos ater às belezas daquela, designada por mim, como “Cidade Presépio”. O compromisso do momento é falar sobre a ferrovia de Piranhas. A cidade foi construída por D. Pedro II para servir de entreposto entre o baixo São Francisco e o alto Sertão de Alagoas e Pernambuco. Para melhor entendimento, é sabido que no final do século XIX, os navios subiam o rio São Francisco até Pão de Açúcar e Piranhas. Daí as mercadorias passavam para frotas de carros de boi que distribuíam pela zona oeste do estado. As grandes embarcações não podiam navegar entre Piranhas e Paulo Afonso, na Bahia. A construção, portanto, de uma via férrea de Piranhas a antiga Jatobá (Petrolândia) via Paulo Afonso, foi planejada e executada. Já havia em Alagoas, ramais na zona da Mata. A ferrovia Piranhas ─ Jatobá, teve início em 1879, tendo sido entregue ao tráfego em 1883, tendo a frente o engenheiro André Rebouças. A bela estação, em estilo barroco, foi inaugurada em 25 de dezembro de 1881. Essa ferrovia, cumprindo o seu papel de transportar passageiros e mercadorias dos navios para o alto Sertão de Alagoas e Pernambuco, foi arrendado a Great Western em 1901. Permaneceu sempre uma ferrovia isolada, isto é, nunca interligada a outros ramais. Em 1964, 81 anos depois de inaugurada, alegando prejuízo, desativaram as atividades da ferrovia de Piranhas. Seu trajeto representava quase 116 km.
       Falar sobre a história de Piranhas é reescrever a saga de Delmiro Gouveia e os inúmeros episódios da vila da Pedra. A região enche sobejamente os embornais de História, Geografia, Economia e Sociologia da época dos coronéis. Na estação de Jatobá, Lampião, enfurecido, escreveu na parede: “Polícia Podre!” O trem não tinha horário certo de chegar ou sair, na fase do cangaço, porque dependia da proteção e disponibilidade das chamadas volantes.
       No meu romance (ainda inédito) “Fazenda Lajeado”, machadeiros trabalham na fazenda e quando terminam a faina, vão embora para Piranhas trabalhar em madeira para dormentes. Quer dizer, com a ferrovia em pleno andamento, subtende-se manutenção. Fui a uma pesca em Volta do Moxotó, Pernambuco, e muito me impressionou a estação do lugar. Bem conservada e bela, assemelhava-se a de Piranhas. Os trilhos passavam sob um imenso braço d’água, servindo de ponte falhada, perigosa para os poucos transeuntes. História, história, história, perdida naqueles esquisitos. Estivemos na ponte sobre o rio Moxotó, construída para a ferrovia, com 147 metros, hoje ponte rodoviária. Estamos (ali na foto: Clerisvaldo; Juca Alfaiate, seresteiro; José Gomes, eletrotécnico; sargento Osman, delegado de Poço das Trincheiras; José Maria Amorim, professor; Manoel da Guanabara, comerciante e, Sebastião Poara, aposentado). Enquanto eles curtiam a farra e a pesca, eu mergulhava nos áureos tempos da ferrovia e seus incontáveis episódios para variadíssimos gostos. Ah! É um filme que passa HISTORIANDO A LINHA.

MAREJAR OS OLHOS (Clerisvaldo B. Chagas, 25 de janeiro de 2011)        Amigos de Santos enviam mais de oitenta fotos para a minha apreciaç...

MAREJAR OS OLHOS

MAREJAR OS OLHOS
(Clerisvaldo B. Chagas, 25 de janeiro de 2011)

       Amigos de Santos enviam mais de oitenta fotos para a minha apreciação. Um show na “Churrascaria Boi Bom” apresentava um dos monstros da Música Popular Brasileira, Agnaldo Timóteo. Voltando no tempo, vozes românticas e originais vão surgindo e fazendo enorme sucesso nas décadas 1960/70: Anísio Silva, o cantor da voz de veludo, descoberto quando cantava em um balcão de farmácia; Altemar Dutra, voz única, minha preferida até hoje; Miltinho, ritmo de compasso silabado; Silvinho, canto estridente e longo; Valdick Soriano, estilo brega e chorão; Moacir Franco, voz macia e romântica; Agnaldo Rayol, despontando com grande futuro e, Agnaldo Timóteo com o primeiro disco arrebentando no Brasil inteiro. Uma voz diferente de tudo que se conhecia, selvagem e potente. Porém, no início da carreira, muito antes da fama, Agnaldo Timóteo, ex-motorista de Ângela Maria, esteve em Santana do Ipanema. Não compareci ao Tênis Club onde aconteceu a apresentação, mas dizem que Agnaldo levou ali ruidosa vaia. Revoltado, o futuro ídolo teria dito que jamais retornaria a Santana.
       O tempo passou, Agnaldo tornou-se um dos grandes cantores do país (para muita gente, até o maior) e quase não descansava com tantos compromissos nos palcos de todas as regiões. Ultimamente o cantor apareceu doente, magro e pálido, mas sem perder as características de brabeza que sempre o acompanharam. A marcha do tempo vai mudando também para os chamados cantores, se bem que hoje se vê mais zoada eletrônica do que voz poderosa como a do próprio Timóteo. Mas não foi somente Agnaldo que foi ficando à margem com essa geração. A concorrência é grande e a mídia divulga muitas novidades, mesmo que sejam coisas efêmeras e medíocres, entre fenômenos musicais. Valores como Zé Ramalho surgem das cinzas com roupagem nova pela sobrevivência. Elba luta como leoa para não cair no esquecimento. Outros valores de primeira qualidade, não resistem às pressões e viram apresentadores de televisão ou ainda sucumbem à intensa variação da mídia.
       Nas mais de oitenta fotos enviadas pelo sistema jpeg, vimos um Agnaldo Timóteo gordo, alegre, vestindo terno xadrez. Dá pena contemplar a notável churrascaria da Baixada Santista, “Boi Bom” quase vazia para o espetáculo de uma celebridade. Estava ali um reduzidíssimo público composto 99,9%, por pessoas da terceira idade, recordações dos anos 60/70. Agnaldo cumpriu promessa e jamais retornou a Santana do Ipanema que apenas viu de longe sua ascensão, glória e liderança musical. Nos sucessos de Timóteo, estávamos conhecendo as cidades de Batalha, Jacaré dos Homens e Belo Monte, ouvindo em todos os lugares a força da voz estupenda do seu primeiro disco. Ainda hoje ouvir Agnaldo é lembrar às festas de Senhora Santa Ana, no mês de julho e, as três cidades alagoanas acima. O tempo cumpre a sua parte, mas não proíbe MAREJAR OS OLHOS.

BAR DO BACURAU (Clerisvaldo B. Chagas, 24 de janeiro de 2011).        Pensando em parar de escrever crônicas, pois estou captando inspiraç...

BAR DO BACURAU

BAR DO BACURAU
(Clerisvaldo B. Chagas, 24 de janeiro de 2011).

       Pensando em parar de escrever crônicas, pois estou captando inspiração para continuar o terceiro capítulo do quinto e último romance do ciclo cangaço, fui à inspeção no Bairro São José. Ao deparar-me com o artista plástico, Roninho, deixei as outras observações em segundo plano, por que o mago do pincel preencheria com certeza a crônica quingentésima primeira. Portanto, a continuação da coluna e do blog foi graças a esse encontro providencial do Bairro São José. Ao passar margeando a lateral esquerda do muro do Corpo de Bombeiros, chamou-me a atenção o desenho de uma ave de hábitos noctívagos. Na parede, no centro de um círculo estava a figura e o nome cortando: “Bar do Bacurau”. Lá dentro, atrás do balcão, o proprietário dava os últimos retoques para abrir à clientela. Pois é, Roninho agora associou aos seus trabalhos à venda de bebida e já possui bons clientes do bairro. No balcão, vários frascos de cachaça, repletos de frutas como abacaxi, pêssego e outras, atraem de primeira o cliente sedento. Com orgulho, Roninho diz que tudo aquilo é sua invenção e não deixa de mostrar o frasco preferido à base de uma misturada denominada “pitó”. Todos os frascos tem nome e no momento aguardavam adesivos com suas respectivas denominações.
       As paredes do “Bacurau” estão decoradas com dois enormes quadros regionalistas bem ao estilo do autor. Interessante é que personagens das imediações, alguns frequentadores do bar, estão desenhados em folhas de papel, pregados em outras secções da parede. Eles chegam vibrantes, pedindo emprestadas suas próprias caricaturas para mostrarem por toda a vizinhança. Roninho diz estar satisfeito com a nova atividade que complementa a sua luta em busca de um reconhecimento mais abrangente. Vejo o mostruário dos seus trabalhos, vou me divertindo e oferecendo sugestões. Então, o artista mostra-me suas fotos com pessoas famosas: Roninho e o governador Teotônio Vilela, adquirente de um quadro do autor. Roninho recebendo um broche na camisa, pelo grande ex-técnico da Seleção Brasileira e ex-jogador Zagallo. Roninho, rosto colado a maior jogadora de futebol do mundo, Marta... E por aí afora.
       Mas o artista também vai indicando companheiros santanenses que vem se destacando na pintura e na escultura, falando sobre o trabalho de cada um. Sua nova profissão às vezes puxa para altas horas. Por esse motivo e por ter caçado a ave com petecas, na meninice, Roninho colocou acertadamente o nome típico, simbólico e original do dono da noite das caatingas, difícil de matar, o invocado Bacurau.
       Agora, nenhum escritor, jornalista, pintor, poeta, apologistas, pode dizer que não tem em Santana um cantinho modesto para encontros do intelecto, movido, se quiser, a um bom aperitivo quente ou frio sob olhos e ouvidos de Roninho. Os dos Monumento, larguem a preguiça e venham para o lado Oeste da cidade. Por ironia, o homem da Arte fica vizinho a ex-Praça das Artes, destruída pelo abandono da atual gestão e pelos vândalos guiados pelas rédeas do demo. Ganhei meu domingo e a inspiração de volta no BAR DO BACURAU.