ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS Clerisvaldo B, Chagas, 23 de fevereiro de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.475 Visit...

 

ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS

Clerisvaldo B, Chagas, 23 de fevereiro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.475


Visitando a região de Coruripe e Piaçabuçu, fomos nos deliciando com a mudança de cenário. Ficou para trás o nosso Sertão de rios secos, serrotes e mandacarus. Surgiram diante de nós o rio São Francisco, praias encantadoras e coqueirais dominando o mundo. Culinária deferente e recepção fraterna, vão aumentando o desejo de esticar o passeio por mais uma quinzena. Não gostaríamos de arranjar uma briga, tal o alto número de homens nas ruas conduzindo longos facões de arrasto. No Sertão só quem anda assim, com essa liberdade armada é o carreiro, condutor de carro de boi. Mas, no trecho em que estávamos, amigos e amigas, a sobrevivência dos nativos está diretamente ligada ao coco-da-baía. O facão é ferramenta de trabalho no alto dos coqueirais.

Ligados na paisagem, no povo e nos costumes, apreciávamos o movimento de pessoas sob os esguios coqueiros praianos, quando uma senhora passou comentando com outra sobre a carestia do lugar: “Aqui, minha ‘fia’, foi onde Judas perdeu as botas!”. “Eita, meu Deus! – pensamos – se foi ali, que o Judas perdeu as botas, imaginem, então, o que ele deve ter perdido em Santana do Ipanema, a Capital da Carestia!”. E essa carestia em Santana já era apontada desde a década de 20, tornou-se tradição e continua apavorando a dona-de-casa que procura a feira livre em busca de hortifrutigranjeiros. A falta de produção da terra, acostumada com outros cultivares, permite à morte na faca cega das senhoras santanenses que procuram fazer milagres na compra desses produtos importados de Pernambuco e Sergipe.

Infelizmente uma Central de Abastecimento anunciada pelo, então, prefeito Nenoí Pinto, não chegou a ser concretizada. Daí para cá, ninguém mais ousou retirar a pedra de cima do assunto. Além dos preços absurdos, são comentadas também a qualidade dos produtos que em muitos casos se supõe que o destino seria o lixo. A cidade e região precisam de algo semelhante a uma CEASA para derrubar os preços agressivos e a qualidade murcha das ofertas de restolhos. Não importa de onde parta a iniciativa, governamental ou privada, seria um largo passo na devolução das botas do Judas, das roupas e das pragas dessa tradição abusiva que engole o consumidor santanense. 

Xô! Xô! Xô! Ideias cansadas, obsoletas, medievais. Não queremos vender graxa para as botas do Judas!

FEIRA LIVRE NA CHUVA DE SANTANA (FOTO: B. CHAGAS/ARQUIVO).

 

 

  AINDA UM OLHAR URBANO Clerisvaldo B. Chagas, 22 de fevereiro de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.474   É deve...

 

AINDA UM OLHAR URBANO

Clerisvaldo B. Chagas, 22 de fevereiro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.474

 



É deveras gratificante quando uma cidade tem condições de perpetuar os seus marcos históricos ou de referências. Quando não possível, pelo menos fotografá-los, imprimir seus históricos e arquivá-los nos Arquivos Públicos do município, grande fonte de pesquisas para esta e futuras gerações.

Em Santana do Ipanema, Alagoas, tínhamos dois lugares com denominações irmãs: Cajarana ou Alto da Cajarana e As Cajaranas. Construído na gestão Paulo Ferreira, a Conjunto Habitacional Cajarana – muito sofrido e recentemente pavimentado – fica por trás do Hospital Clodolfo Rodrigues de Melo, na parte alta do Bairro Floresta. A origem do nome vem de uma árvore robusta e bastante frondosa chamada Cajarana e que produz os seus frutos Cajás. Imortalizamos a árvore em nosso livro “Negros em Santana”. Esta árvore, símbolo daquele conjunto já sofreu tentativa de queimada por um dos seus próprios habitantes.

O outro lugar representa As Cajaranas, área de terras altas na antiga rodagem Santana – Olho d’Água das Flores, vizinho ao término da rodagem com a AL-130, quase por trás do atual “Posto de Gasolina Lemos”. Já falamos sobre isso. Em nossas andanças pela periferia ficamos chocados com a ausência daquele grupo de árvores, dentro do grande cercado da família Alcântara. Enfrentamos arame farpado, mato, mas descobrimos o assassinato das Cajaranas. Só restaram os tocos como cadáveres sem cabeças. Coisa horripilante! Árvores tradicionais que acompanharam toda a nossa infância e a evolução da cidade. Quem serão os culpados? O leite já foi derramado, mas o lugar bem que merece um marco artificial e oficializado de referência para não cair no esquecimento da juventude.

Quanto a Cajarana árvore por trás do Hospital e que precisa de uma plaqueta indicativa e histórica para o Conjunto, até quando resistirá ao vandalismo, à ignorância e à ambição por madeira?

Até mesmo o hospital da cidade também é apontado como o “Hospital da Cajarana”. Dizer mais o quê!

 ÁRVORE CAJARANA DEU NOME AO LUGAR; FUNDOS DO HOSPITAL, EDIFÍCIO EM AMARELO. Não foi possível melhorar a qualidade da (Foto de B. Chagas)

 

  FOI DE FAZER MEDO Clerisvaldo B. Chagas, 18/19 de fevereiro de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.473   Na últi...

 

FOI DE FAZER MEDO

Clerisvaldo B. Chagas, 18/19 de fevereiro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.473

 



Na última terça-feira, por volta das 19 horas, caiu uma grande trovoada no Sertão de Alagoas, aguardada desde o mês de janeiro. Os trovões foram terríveis com relâmpagos e provavelmente com inúmeros raios pela redondeza. A chuva foi tão forte e duradoura na cidade de Santana do Ipanema que duvidamos de ter escapado uma só casa sem estuque que tenha se livrado de tantas goteiras. As calhas transbordaram e os esgotos de canos de 100, tiveram muito trabalho para escoarem as enxurradas dos telhados. E o pior, faltou energia, Santana perdeu todos os meios de comunicação, ficou completamente ilhada, enquanto os clarões dos céus cortavam o espaço. Comércio fechado, ruas desertas e os trovões encurralando os viventes.

A energia da Equatorial só apareceu lá para as 23 horas, mesmo assim por pouco tempo. A chuva amainou, mas logo voltaram à ativa a escuridão e um resto da chuvarada.  Calor imenso, escuridão sem Internet, sem telefone, sem ar condicionado, sem ventilador, foi uma noite muito dura. O dia seguinte, quarta-feira, nada de energia, nada de comunicações. No anoitecer dessa quarta-feira de Cinzas, nova trovoada teve início, coisa nunca vista, duas trovoadas seguidas em poucas horas. A mesma novela da noite anterior: escuridão total, relâmpagos, trovões e receios, sendo a violência do tempo menor do que a noite da terça. A trovoada só foi se acalmar lá para as 22 horas. Só apareceu a luz no breu da cidade, em torno de 23.30.  Finalmente amanheceu e o sertão mostrou um céu límpido como se nada tivesse acontecido. As ruas estavam lavadas e, cremos que os pecados também.

Só não se perderam os alimentos que estavam em congelador, falam em muito prejuízo. As primeiras notícias da quinta apontaram o apagão em Santana do Ipanema e mais nove cidades sertanejas. Todos queriam uma trovoada, Zé, mas não com as trevas e violência do tempo. O saldo é que deve ter enchido barreiros, açudes, barragens e cisternas de toda a região. Ainda madrugada, espanta-boiadas faziam alaridos sobrevoado o rio Ipanema e logo cedo do novo dia, o leiteiro com sua moto de entrega e buzina de carro grande, anunciava a volta da normalidade na terra de Senhora Santana.

Segundo dia de quaresma.

Amém, amém!

CHUVA EM SANTANA (FOTO: B. CHAGAS).