LAMPIÃO NO ROMANCE
Clerisvaldo B. Chagas, 24 de julho de 2012.
Crônica Nº 826
Romance do ciclo do cangaço. |
Lampião chegou de surpresa à
fazenda de um amigo. Ali foi recebido como um governador dos mais amados pelo
povo. Com um pequeno grupo de homens famintos e cansados, resolvera esperar
pelos outros grupos que também convergiam para aquele ponto. O fazendeiro
abateu um novilho; mandou buscar em Santana o melhor vinho que havia e
distribuiu redes brancas à vontade. Os cangaceiros espalharam-se pelo alpendre
da casa e pelas sombras das árvores do terreiro. Quando chegaram todos os
grupos, já estava anoitecendo. O boi foi transformado em saboroso churrasco
sobre um braseiro de angico e aroeira. Os cabras alegres, sob a força poderosa
do vinho, improvisaram um conjunto, esquecendo o cansaço no encanto rústico do
xaxado.
A lua espiou na boca do “grutilhão”
e subiu majestosa, prateando a caatinga entorpecida. Mandacarus e facheiros
recortavam-se à luz dos astros, como entes ciclópicos de vários braços. No
alpendre baixo da casa, as sombras vindas da fogueira, contorciam-se à
semelhança de fantasmas sem nomes, assustando os vivos. Era uma das mil faces
do reino encantado do sertão. Parecia que os seres noturnos paravam para
escutar as cantigas dos homens rudes e brutos.
Lampião quando chegou
Quilariando a candeia
O tenente correu tanto
Que ficou de carça cheia...
Foi nessa euforia toda,
nesse desabafo sertanejo, que Virgolino tomou conhecimento da situação dos
romeiros. Estava distante deles apenas meia légua. Comentou o caso com Maria
Bonita, que lhe deu algumas sugestões. Olhou para a brincadeira dos seus homens
e não desejou importuná-los.
O rife de Lampião
É feito só de metá
O sordado diz de longe
Que a peste é quem vai lá...
Logo pela manhã, o rei do
cangaço chamou um dos seus homens:
─ Cobra Nova!
─ Às suas orde, capitão.
─ Quero que você me vá à fazenda do major Saturnino
─ disse à medida que limpava os óculos com um lenço vermelho ─ Tá me
entendendo?
─ É pra já, capitão ─ respondeu o cabra, seco
igual a bambu. (...)
·
(Páginas
103-104, do romance “Defunto Perfumado”, do autor. 1982. Edição esgotada).
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