O CADÁVER DA POESIA
Clerisvaldo B. Chagas, 19 de abril de 2013.
Crônica Nº 1003.
Quem acompanha o mundo do
repente nordestino, conhece bem as gírias dos cantadores violeiros. Uma das
palavras utilizadas é “balaio” que significa versos cantados como improviso,
porém, elaborados antecipadamente pelo autor. Cantar balaio ou versos decorados
numa cantoria de improviso é falta de respeito ao parceiro e aos ouvintes. É
comum se ouvir um repentista violeiro queixar-se: “Não gosto de cantar com Fulano porque ele só canta balaio”. Pois bem,
Zé Coxo e Pedro Pavão, dois repentistas sertanejos, encontraram-se numa casa de
fazenda para uma porfia (duelo, desafio) noite adentro. Zé Coxo logo percebeu
que Pedro Pavão cantava balaio e era muito aplaudido. Ao terminar a primeira “baionada”
(parte) para um rápido descanso vocal, Zé Coxo ausentou-se da sala, arranjou um
baio de cipó de servir ração a animais, retirou o prato de arrecadar dinheiro,
do centro, e em seu lugar pôs o balaio. Aguardou
a volta do parceiro que fora tomar uma pinga. Pedro Pavão, ao retornar, tomou
um susto, mas logo entendeu a reclamação exageradamente ilustrada do parceiro.
Zé Coxo aguardava a reação. Pedro fechou a cara, ausentou-se novamente e
retornou com um galho de palma e facão-de-arrasto “pinicando” o vegetal no balaio
deixado pelo companheiro. A plateia nada compreendia sobre o que estava acontecendo.
Pedro PAVÃO
entendeu que o parceiro o estava chamando de corno, pois ração de palma é para
os bois e, boi tem ponta. Antes de qualquer reação do dono da casa, Zé Coxo
levantou-se com uma peixeira na mão e partiu para arrancar as tripas de Pedro Pavão.
O povo acudiu, tomou as armas de ambos e deixou o restante para murros, tapas e
pontapés. Pedro levou um soco no pau da venta e retribuiu com um coice de burro
aplicado na região. Quando os dois estavam bastante cansados, o dono da casa
mandou amarrá-los e quebrou as violas nas respectivas cabeças. Ainda sem
entender a causa da briga, os leigos em cantoria aprovavam a nova diversão do proprietário
fazendeiro: quebrar instrumentos musicais em cabeça de gente. Mais tarde,
expulsos do terreno, os cantadores deixaram a vergonha presa na fazenda. Ficou no
chão O CADÁVER DA POESIA.
·
Ficção.
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