domingo, 27 de outubro de 2024

 

POETAS ESQUECIDOS

Clerisvaldo B. Chagas, 28 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.136

 

Sim, conheci ambos os poetas. Zequinha gostava de vestir uma roupa de mescla (azulão). Era cego e sempre aparecia nas feiras dos sábados com o seu guia. Usava um ganzá de flandres para cantar os seus versos que quase sempre eram de pedir. O homem era uma cachoeira de rima e morava no sítio rural Travessão.  Cantava na feira e pedia, pedia e cantava de uma vez só pelo meio da multidão. Mão no ganzá, outra abanando perto do olho. Dele ficou esta estrofe quando um cidadão disse: “Perdoe Ceguinho”:

 

A bacia do perdoe

Deixei lá no Travessão

Só homem não sou menino

Todo ser é assassino

Só meu padre Ciço não.

 

Já Zezinho da Divisão (sítio rural na divisa Santana Carneiros) se dizia galego buchudo. Poeta também fecundo, gostava de tomar umas e cantar putaria quando se via apertado num duelo. Assim foi convidado para cantar com Zé de Almeida na casa de um cidadão, no Bairro Camoxinga, em Santana do Ipanema. A cantoria estava quente quando pediram um tema: “Mais sou melhor do que tu”. Zé de Almeida disse:

 

 

Sou um tipo sem futuro

Desses que não valem nada

Sou igual a uma levada

Lugar que só tem monturo

Sou um recanto de muro

Onde só tem cururu.

Sou igualmente um tatu

Dentro dum buraco fundo

Sou a desgraça do mundo

Mas sou melhor do que tu

 

Zezinho já estava cheio da cana e muito vermelho. Vendo tantos aplausos para o parceiro, disse:

 

Já perdi a cerimonha

Só ando cambaleando

Tem gente até me chamando

De fumador de maconha

Juntei-me com u’a sem-vergonha

Levei ponta pra chuchu

Foi corno em Caruaru

Fui viado em Maribondo

Mesmo soltando o redondo

Mas sou melhor do que tu.

 

O dono da casa expulsou os dois.

Nunca tivemos registro de nenhuma homenagem feita aos dois fantásticos poetas.

 

 

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/poetas-esquecidos-clerisvaldo-b.html

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

 

SERRA DAS PIAS

Clerisvaldo B. Chagas, 25 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.135

 



Estar aí estampada nos jornais o tombamento de uma carreta na serra das Pias, em Palmeira dos índios. E não é para meter medo em ninguém, mas subir, principalmente, descer a serra das Pias como passageiro pode ser um tormento de apreensão que tem fim apenas quando se vence o declive. Já tivemos muitos receios em nossas viagens de ônibus, rumo a Arco Verde, para encerrarmos os nossos estudos. Muitas vezes descemos a serra das Pias pelas madrugadas, com motoristas de ônibus da Empresa Jotude, pé em baixo, meu amigo. Como diz o sertanejo, “coração no pé da goela”, perante tamanha danação, imprudência e falta de tudo. Muitos inocentes viam dormindo, mas quem estava cordado... Só Deus sabe a apreensão.

A serra das Pias faz parte de uma cadeia de montanhas que formam os contrafortes do planalto da Borborema, particularmente do Planalto de Garanhuns.  Sua rodovia liga a cidade de Palmeira dos Índios, imediatamente a cidade de Bom Conselho. No geral, liga o Sul do Brasil ao Recife. Por ali transitam inúmeras cargas dos mais diferentes produtos em caminhões e carretas. Quando dentro do estado Arapiraca – Palmeira, os veículos ganham tempo transitando via Igaci e que agora será duplicada. Portanto, a serra das Pias é importantíssima via de integração nacional, não se nega, porém, precisa muito de modernização que ofereça muito mais segurança para os usuários comuns e para os imprudentes. Interessante é o sopé da serra no entroncamento de Palmeira. Forma-se um aglomerado de postos de gasolina, churrascarias e lanchonetes que em dados momentos é tanto veículo que até parece uma festa.

Que pena, uma das mais perigosas serras do Brasil, ainda continuar praticamente como foi construída. Nada de duplicação, nada de ponto de escape nas curvas assassinas e engordamento de estatística de acidentes como esse agora do tombamento de uma carreta e seu paradeiro nas águas de um açude, onde submergiu a cabina. Subir e desce a serra das Pias em carro grande é fazer brincadeira de roleta-russa. O cabra não se conforma com o aclive funério e acelera feito doido querendo ser o finado Ailton Sena.

Ali vivi meus sustos.

Não quero retornar.

 

 

 

 

                                                                                          


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/serra-das-pias-clerisvaldo-b.html

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

 

OCEANOS

Clerisvaldo B. Chagas, 24 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.134




 

Vamos pular do Sertão para os oceanos, cabra véi, onde o vaqueiro troca os bois pelo navio. Podemos classificar o relevo dos oceanos da seguinte maneira:

Plataforma Continental, Talude Continental, Bacia ou Planície Abissal, Cordilheiras Oceânicas Ilhas Oceânicas e Fossas Oceânicas.

·       Plataforma Continental – Planície oceânica que vai do continente entre 70 a 1000 km mar adentro. Possui em torno de 200 metros de profundidade.

·       Talude Continental – Declividade após a Plataforma Continental que vai em torno de 3.000 a 5.000 metros de profundidade.

·       Planície ou bacia Abissal – bacia sedimentar com mais de 5.000 metros de profundidade e que vai até as encostas das Cordilheiras Oceânicas.

·       Cordilheiras Oceânicas ou Dorsais Oceânicas -  Elevações ao longo dos oceanos cujo comprimento total vai até 84.000 Km e uma largura com cerca de 1.000 Km.

·        Ilhas Oceânicas – que se formam no piso do oceano e terminam na superfície.

·       Fossas oceânicas – Depressões alongadas e estreitas com grandes inclinações a partir de áreas de placas tectônicas.

Essa classificação às vezes muda palavras ou frases, porém, a essência é esta.

E se por uma parte parece fantástico, por outro também assusta. Mas não era o que pensava o professor Silvio Bulhões, filho de Corisco e Dadá que já fora marinheiro. Queria após a vida, suas cinzas no mar. Admirava muito sua grandeza e queria juntar-se a ela.

As grandes riquezas minerais estão na Plataforma Continental, como o petróleo, por exemplo, lugar de grandes ambições mundiais pelo seu conteúdo.

Quem tiver seus navios que vá navegar.

Prefiro o cavalo furando nossas caatingas nordestinas.

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/oceanos-clerisvaldo-b.html

terça-feira, 22 de outubro de 2024

 

MODESTO E FORTE

Clerisvaldo B. Chagas, 23 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.133

 



Na época em que se construía a estrada de rodagem, Maceió Delmiro Gouveia, surgiu o povoado Dois Riachos já com um planejamento futuro de cidade. Ali à margem direita do riacho Dois Riachos, afluente do rio Ipanema, pela margem esquerda, cresceu e se desenvolveu aquele núcleo baseado na Agricultura e na pecuária. Foi por muito tempo lugar de apoio aos visitantes em busca de negócios nas cidades maiores da região. Logo cedo já possuía um típico hotel sertanejo da época que oferecia conforto e uma boa culinária regional. Hoje a cidade de Dois Riachos é bastante famosa pela feira de gado que acontece às quartas, às margens da BR-316. É a melhor feira de gado de Alagoas frequentada por compradores, vendedores curiosos de todas as cidades alagoanas, de Sergipe, de Pernambuco que não abrem mão daquela feira fantástica.

Dois Riachos ainda possui a maior romaria do padre Cícero do estado de Alagoas e que acontece sempre no dia 20 de julho, dia de morte do Santo do Nordeste. A grande romaria acontece no lugar a cerca de 2 km, da feira de gado, à margem da BR-316, entre Dois Riachos e Cacimbinhas, na “Pedra do Padre Cícero”, denominação popular. Ali, por motivo de promessa, foi erguido um oratório no cimo de um bloco rochoso, em homenagem ao homem do Juazeiro.  É lá onde lançaremos o livro para os romeiros em julho de 2025, “Padre Cícero, 100 milagres Nordestinos – Inéditos”, completamente gratuito. Voltando às atrações do município que também ficou conhecido como “Terra da Marta”, temos os atrativos para quem nem quer saber de religião, nem de compra e venda de boi.

O Açude do hoje Povoado Pai Mané, representa um lazer de pesca, culinária e beleza paisagística. O acesso é asfaltado e fica a um pulo da BR-316. Fora isso, em tempos de cheias, temos a atração do próprio riacho Dois Riachos que corta a cidade ao meio, pois a outra margem, a esquerda cresceu bastante em direção à Pedra do Padre Cícero. É bastante larga a calha do riacho e, as cheias quando volumosas, são atrações vistas da antiga ponte que foi substituída e saiu de cena da BR, mas hoje serve dentro da cidade. Sua população é de apenas em torno 10.000 habitantes e tem como padroeiro o Mártir São Sebastião. Cidade excelente para quem procura descanso ou gosta de pesquisar de tudo.

Estaremos na próxima semana visitando o núcleo.

PEDRA DO PADRE CÍCERO (FOTO B. CHAGAS)

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/modesto-e-forte-clerisvaldo-b.html

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

 

O MINGAU DO GRUPO

Clerisvaldo B. Chagas, 22 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.132

 



Para a criançada de Santana do Ipanema, o Grupo Escolar Padre Francisco Correia, no Bairro Monumento, ainda era o melhor lugar fechado da cidade tanto para estudar quanto para se divertir. Era muito bom quando dona Prisciliana, já de certa idade, tocava a sineta para o recreio. Saíamos todos para o enorme pátio ao lado, piso de terra cercado de muretas baixas. Antes da saída para o pátio recebíamos o lanche da escola que, na época, era apenas uma caneca de plástico rígido de mingau. Sim, o mingau tinha uma cor marrom bem clarinha, cheiro bom, mas enjoativo. Às vezes bebíamos. Outras vezes, após o primeiro gole, derramávamos o líquido sobre a areia do terreno. Aquilo devia ser bastante nutritivo, mas era enjoativo, talvez pelo excesso de açúcar.

Isso, aproximadamente em torno de 1954. Dona Prisciliana era ainda da turma fundadora do Grupo e naquela função: apenas bater a sineta, puxando num cordão, para o recreio e para o final das aulas. Viera da fundação desde o ano de 1938. Foi ali onde fui vacinado contra a “Influenza”, pela primeira vez. Era uma equipe volante da Saúde e lembro bem apenas de um dos membros da equipe, o senhor José Chagas. A vacina era aplicada no braço com uma pena de escrever, tipo daquelas que se usava molhando a ponta de metal num tinteiro. O vacinador arranhava aquele troço na pele da gente e que deixava para sempre a cicatriz. As bancas compridas de madeira e ferro, cabiam dois alunos. Se não estiver enganado o recreio durava meia hora. A diversão para os meninos era brincar de pega, ximbra ou pinhão.

Não estudei no Grupo com minha mãe, que era um doce de pessoa, mas gostava muito da professora Maria de Lourdes Queiroz. O grupo finalmente foi reformado no início do Século XXI. Por ali passaram muitos alunos importantes que iriam se destacar dentro e fora de Alagoas em todas as áreas, inclusive um futuro governador. O Grupo Escolar Padre Francisco Correia, estar aniversariando com suas 86 velinhas, este ano. A mesma idade do prédio do Ginásio Santana, joias da coroa santanense.

Orgulho em ser Nordestino, alagoano sertanejo.

GRUPO POUCOS DIAS APÓS REFORMA. (FOTO: B. CHAGAS/LIVRO 230).

 

 

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/o-mingau-do-grupo-clerisvaldo-b.html

domingo, 20 de outubro de 2024

 

PADRE BULHÕES/CADEIA VELHA

Clerisvaldo B. Chagas, 21 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3. 131



 

Vimos anteriormente que Santana do Ipanema era o maior município de Alagoas, até, aproximadamente, 1950. Pertenciam a ela as terras do atual município de Carneiros, com os sítios rurais, “Mundo Novo” e “Bom Consolo”, entre outros. Pois bem, certa feita, quando o padre Bulhões estava na Igreja, em Santana, observou do altar que um matuto entrara na igreja com um cigarro apagado no bico e de chapéu que não tirou da cabeça. Ficou observando de lá o movimento do povo que chegava para a missa do sábado dia de feira. Viu quando o matuto se aproximou de um dos altares onde havia uma vela acesa e tentava acender o seu “boró” (cigarro de fumo de rolo). Aproximou-se do matuto e indagou primeiro: “De onde é o amigo? “Do Mundo Novo”, respondeu o agricultor. O padre coçou a cabeça e rebateu: “Só sendo do Mundo Novo, porque no mundo velho de meu Deus, ninguém acende braço de Judas em vela de altar... “. (Cigarro de fumo de corda, também é chamado por aqui de “braço de Judas’.

Por outro lado, no tempo da chamada “Cadeia Velha”, na Rua Antônio Tavares, chegara a Santana uma guarnição sob o comando de um sargento brabo e ficara aquartelada na dita Cadeia Velha. Certo dia, ao passar por ali um cidadão tangendo uns burros, estalava o relho como rotina do seu ttrabalho. O sargento tomou o relho do condutor e, nervoso, disse que detestava estalos de relho e chegou a ameaçar com uma surra o cidadão. Ora! Logo cedo do outro dia, surgiu defronte à Cadeia Velha, um proprietário rural, estalando um relho diante da porta, passando para lá e para cá diversas vezes, propositadamente. Gritava na rua: “Cadê o sargento brabo daqui para vim tomar meu relho e me dá uma pisa! E se triscar num só cabelo do meu padrinho fulano, a desgraça tá feita! Eu sou Brasiliano do Bom Consolo, venha tomar meu relho agora, seu fio da peste!

Foi assim que Bom Consolo e Mundo Novo conseguiram registros na história de Santana do Ipanema. Atualmente, procurando o nome de uma comunidade rural dos Carneiros, descobri no mapa os nomes dos sítios citados acima: Mundo Novo e Bom Consolo. Aproveitei para contar os fatos aos meus queridos leitores. Entretanto, estou procurando onde ficam as comunidades Lagoa do Rancho e Santa Luzia, você sabe?

 

 

 

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/padre-bulhoescadeia-velha-clerisvaldo-b.html

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

 

HISTÓRIA DO SERTÃO

Clerisvaldo B. Chagas, 18 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.130



 

Você sabia? O município de Santana do Ipanema, era então, o maior de Alagoas. Começou a sua redução territorial a partir de 17.9.1949, quando cedeu terras, para a Emancipação Política do lugar “Sertãozinho”, que passou a ser chamado de Major Isidoro. Mesmo assim lembro ainda criança que na década de 50, no povoado olhodaguense do “Pedrão”, minha tia Delídia ainda chamava a nova cidade de “Sertãozinho”. Em 2.12.1953 -  meu aniversário - Mais uma vez Santana do Ipanema perde território e, desta feita para a vila de Olho d’Água das Flores. Era a vila altamente agrícola e merecia mesmo ter vida própria. Cinco anos depois Santana perdia mais terras, encolhia com a Emancipação do povoado Capim, em 24.4.1958, cujo lugar passou a ser chamado de Olivença.

Ainda no mesmo ano de 58, Santana perde mais terras e desta feita para o antigo Olho d’Água da Cruz, Poço das Trincheiras que se emancipou em 15.71958 com o mesmo nome de Poço das Trincheiras. Neste ano de 1958, foram três emancipações, pois Santana ainda teve que perder parte de sua extensão também para o povoado Cova de Defunto em 15.7.58. Perdemos, então, dois povoados no mesmo mês e no mesmo ano. Cova de Defunto passou a ser denominada de Maravilha. Quatro anos depois, novamente podaram Santana do Ipanema com a Emancipação de Olho d’Água do Chicão em 27.3.62 e que recebeu o nome de Ouro Branco. Não senhor, não parou por aqui.

No dia 11.7.62, mesmo ano acima, perdemos também o povoado Carneiros cuja emancipação conservou o mesmo título de povoado, Carneiros. Os ávidos políticos por prestígio, votos e poder de prefeito, continuaram formando novos municípios, em Alagoas. Assim, foi emancipado o antigo lugar “Usina”, Riacho Grande para se transformar em Senador Rui Palmeira na data 13.5.1982. Foi o último até agora que resolveu caminhar sozinho.

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/historia-do-sertao-clerisvaldo-b.html

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

 

CURRIÃO/BURINHANHÉM/TANGERINO

Clerisvaldo B. Chagas, 17 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.129



 

Você sabe o que é um currião? Você imagina o que seja um burinhanhém? Ê cabra velho, só o autêntico sertanejo ou um grande apreciador do Sertão anota no papel ou na cabeça os diversos nomes, frases e costumes do nosso semiárido alagoano. E por falar em frases, “Mês miou, mês findou”, diz o homem-raiz da zona rural. Mas o mês não é gato e nem vai miar, porém, traduzindo o babado, o mês meou, isto é, chegou ao dia 15 e parece passar rápido o tempo do dia 15 até o fim do mês. Mas, voltemos às palavras do título desta crônica, que fala do exímio trabalho do artesão nordestino do couro.  Currião é o relho do carreiro, condutor do carro de boi. É feito de várias peças de couro cru que se tornam uma só e com cabo de madeira. Serve para o carreiro açoitar os bois de carro. É conduzido no ombro do carreiro, pendurado ao longo das suas costas.

O burinhanhém também é obra do artesanato do couro. É um relho de couro cru, usado pelos tropeiros – condutores de tropas de burros – e que em nosso Sertão eram mais conhecidos como almocreves. O burinhanhém é um relho maior do que o do carreiro e possui um cabo de madeira longo e roliço que vai afinando até a extremidade. Mas vamos a outra palavra do mundo mágico sertanejo: Tangerino. Não, não é o macho da fruta tangerina. É um tangedor de gado bovino. Geralmente o boiadeiro comprava uma boiada e, o tangerino ia levá-la ao seu destino tangendo-a pelas estradas, a pé ou montado em burro ou cavalo. Currião, burinhanhém e tangerino fazem parte, portanto do nosso dicionário alagoano e nordestino.

E se o Sertão é um planeta mágico, possui outros mundos mágicos dentro do próprio fantástico. O mundo dos vaqueiros, o mundo dos carreiros, o mundo dos repentistas, o mundo dos boiadeiros, dos tangedores e outros mais particularizados no global sertanejo que, quando um de nós pesquisadores, penetra em no deles, não consegue mais sair, impregnado de tanta paixão pelo aprendizado. Nesse momento mesmo seria uma reportagem e tanta registrar os passos do homem da roça com as dificuldades da transição entre estações mais fáceis e as mais difíceis. O aprendizado é um tesouro infinito para quem sabe procurá-lo com respeito, admiração e amor.

Orgulho em ser nordestino, sertanejo alagoano!!!

BRUINHANHÉM.

 

 

 

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/curriaoburinhanhemtangerino-clerisvaldo.html

terça-feira, 15 de outubro de 2024

 

O MURRO DO HOMEM

Clerisvaldo B. Chagas, 16 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3. 128

 



Vou contar de novo. Cícero de Otacílio era marchante igual ao seu pai Otacílio, em Santana do Ipanema.  Otacílio era ex-volante, participara da morte de Lampião e Maria Bonita, na fazenda Angicos, Sergipe em 1938. E falava entre outras coisas como morrera o cangaceiro Elétrico. Otacílio em Santana, como ia dizendo, era marchante e, o matadouro da cidade levava o nome dele como homenagem ao destemido policial. Pois bem, entre os seus filhos um deles também virou marchante. Era forte, no Mercado de Carne, transportava nas costas um boi inteiro. Dizem que certa vez o homem matara um boi com um murro. O marchante Cícero de Otacílio faleceu vítima de acidente de trânsito no lugar Largo do Maracanã ponto mais perigoso de Santana.

Difícil é contabilizar o número de acidentes do Largo do Maracanã, lugar central do Bairro Camoxinga, ponto divergente e convergente de 5 ruas e a BR-316.

Mas, voltemos à vida do homem. Forte, alegra, comunicativo e simpático, Cícero se dava bem com todo mundo. Cícero passou a namorar com uma senhorita da Rua Nova, minha ex-colega de Ginásio Santana, Socorro. Foi quando chegou um sujeito de Maceió e, passeando pelo Comércio, viu passar a senhorita e ficou impressionado. Então, indagou ao seu hospedeiro amigo: “Rapaz, quem é aquela moça tão bonita? Estou interessado nela”. O amigo, respondeu com toda naturalidade: “Aquela senhorita é a noiva de um rapaz aqui da cidade que mata um boi de um murro”. O assunto morreu ali. O sujeito frouxo desocupou o Comércio de Santana e embarcou de volta a Maceió, no primeiro pinga-pinga que apareceu.

E você, cabra véi!

Enfrentaria um homem que mata um boi de um murro?

MATADOURO PÚBLICO

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/o-murro-do-homem-clerisvaldo-b.html

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

 

FERREIRINHA

Clerisvaldo B. Chagas, 15 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.127

 




Poeta, compositor, cantor sertanejo, pescador e garrafeiro, Senhor das Plantas, Ferreirinha iniciara sua carreira cantando sertanejo com seu parceiro Ferreira, fazendo a dupla Ferreira e Ferreirinha. Cantava sempre no coral da Matriz de São Cristóvão e tornou-se nosso companheiro da “Associação Guardiões do Ipanema” – AGRIPA. A foto abaixo representa uma incursão nossa pelo rio Ipanema, trajeto comércio – Cachoeiras, ocasião em que Ferreirinha descrevia várias plantas medicinais no trecho. Era mestre no conhecimento de plantas e usos imediatos. Até livreto editara sobre o tema. Gostava de pescar (inclusive surge pescando de anzol no rio Ipanema no livro inédito “Repensando a Geografia de Alagoas”. Ele nunca viu.

Ferreirinha também era exímio cozinheiro e sempre era contratado para cozinhar para grande quantidade de homens. Infelizmente, em uma noite calma, o nosso poeta santanense, sentara à porta de casa para gozar a brisa da rua, quando passou um malandro das imediações. Pediu-lhe um cigarro. Ferreirinha respondeu que não fumava. O bandido seguiu adiante alguns passos e voltou de repente esfaqueando o cantor. Ferreirinha foi socorrido por familiares, enfrentou maratonas de hospitais, porém nunca sarou completamente e o ferimento nos intestinos virou um câncer. Com o escritor Marcello Fausto estivemos em sua residência para uma visita e ouvimos seu dedilhar numa viola muito boa e que o poeta gostava muito.

Para mim, era o maior de todos os guardiões do nosso grupo. Infelizmente ou felizmente, não sabemos o dia de amanhã. E Ferreirinha, morador da CONHB nova, curtindo aragem do bairro mais alto da cidade, teve sua integridade física atacada por um marginal do Bairro Lajeiro Grande. Monitorou o bandido por uns tempos com seus familiares, mas o destino não permitiu que o poeta sujasse suas mãos. Tempos depois, outros marginais ou a polícia fez o que muitos queriam fazer com o agressor.

No momento, revendo algumas fotos de Ferreirinha, bateu a vontade de homenageá-lo com uma crônica sentida.

Onde você estiver, meu poeta...

Receba um forte abraço do companheiro da AGRIPA.

ARISELMO E FERREIRINHA (DE BERMUDA) E FERREIRINHA SOZINHO NA ANTIGA ESCOLA HELENA BRAGA, SEDE DA AGRIPA.  FOTO: ARQUIVO DO AUTOR.

 

 

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/ferreirinha-clerisvaldo-b.html

domingo, 13 de outubro de 2024

 

FOI ARRETADO!

Clerisvaldo B. Chagas. 14 de outubro de 2024

Escrito Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.126

 



Não vacilei no convite no dia da Padroeira do Brasil e fui bater na Região rural do “Alto d’Ema”. Nunca mais tinha saído da cidade e, sempre e para sempre o campo me faz um bem danado! Parte da família e alguns amigos na chácara do casal Zé Ailton e Toinha (cunhado e irmã) me proporcionaram grande felicidade no dia da Santa. Fui com o Ivan (Caju) onde já aguardavam os conhecidíssimos Cecéu, Zé de Pedro e mais. Bebendo somente água e cafezinho fui ficando na conversa de muita comida e bebida, entre piadas e mais piadas que faziam parte de jornadas santanenses. Voltei encantado com a chácara, à margem da rodovia de asfalto recente rumo aos Carneiro e Senador Rui Palmeira – Sonho antigo só realizado no Século XXI.

A beleza da Chácara me chamou atenção, a piscina, o pequeno açude...  Porém, como sempre, a atenção dobrada na vegetação, no relevo, no tempo. Tivemos um excelente e prolongado inverno com chuvas moderadíssimas, alternada com o Sol. Isso foi muito bom para a lavoura e para o rebanho, entretanto, para barragens e barreiros foi ruim. O acumulado d’água não dá para atravessar o período seco até o próximo inverno. Assim volta o pensamento sertanejo em direção às trovoadas, uma esperança e uma incerteza no que vem aí entre novembro e janeiro. Mas meu amigo, para esse velho geógrafo o Sertão é belo molhado, o Sertão é belo ressequido, O Sertão é belo de todo jeito como a mulher bonita que continua bonita independente das suas vestes. Gostou?

E como não poderia deixar de ser, encontramos o “Hipermercado Nobre” pelo nosso caminho –  ambiente este, digno de figurar nas melhores capitais do País – não resistimos a uma foto dali em direção ao antigo “serrote do Gonçalinho” ou atualmente “serrote do Cristo” ou das “Micro-ondas” onde recentemente formou-se o Bairro Santo Antônio em suas faldas a barlavento. Está aí ao fundo da foto com sua vegetação crestada com raras nuances verdes, representando o restante do Sertão de Nosso Senhor Jesus, o Cristo.

Quão prazeroso é viajar pelo Sertão!

SERROTE DO GONÇALINHO VISTO DO HIPERMERCADO NOBRE. (FOTO B. CHAGAS).

 

 

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/foi-arretado-clerisvaldo-b.html

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

 

O DESFILE

Clerisvaldo B. Chagas, 11 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

 Crônica: 3.125

 



Era um tempo feliz, mas difícil. Não havia médico em Santana do Ipanema e no Sertão. As pessoas quando adoeciam apelavam para as ervas caseiras, as garrafadas ou rezas das benzedeiras ou rezadeiras. Quando a mulher estava perto de dá à luz, era assistida por parteiras que naturalmente traziam este dom, tanto na cidade quanto no campo. A parteira, tinha uma experiência extraordinária e sabia de orações poderosas. Havia parteiras no Sertão que contavam com centenas e centenas de partos sem perder jamais nenhum bebê. Lá em casa mesmo fomos dez filhos somente à base de parteira, cujo nome já esqueci. Morava no início da Rua São Pedro e parece que era a vó do conhecido Major Cavalcante. Pessoa humilde e altamente prestativa.

Já os serviços religiosos na zona rural, os padres utilizavam animais para seus deslocamentos: o cavalo ou o burro. Assim era a assistência aos enfermos, os casamentos e batizados que aconteciam nos povoados e sítios. Por sinal, em nosso livro “Canoeiros do Ipanema”, temos o registro do padre Bulhões atravessando o rio, de canoa, após acomodar sua burra viageira nesse tipo de transporte. A burra sentada e o padre corajoso enfrentando a fúria das águas, após viagens pelos sítios rurais. A situação foi mudando. No início da década de 60, ainda se contava os automóveis em Santana do Ipanema. Foi aí que uma surpresa tomou conta da cidade. De repente, um desfile de 60 jipes Willys aconteceu pela Avenida Coronel Lucena até o Comércio da cidade.  E se não me engano era dia de Carnaval.  Disseram que era sobra de guerra e vieram para quem quisesse os adquirir e acelerar o progresso da urbe.

O único médico da cidade comprou um jipe. O padre, comerciantes, fazendeiros, empresários aproveitaram a oportunidade. Bicho difícil de quebrar, o peste do jipe de guerra acionou mesmo o progresso latente de Santana e do Sertão. Além de muitos outros serviços importantes facilitados pelo veículo, o padre e o médico agilizaram seus atendimentos no campo. E como a década era mesmo de ouro, logo chegou a água, a luz, a televisão, a ponte sobre o Ipanema, o hospital e tantos outros benefícios. Vivemos e registramos a história sertaneja alagoana, o que nos traz o consolo e a certeza de dever cumprido.

Orgulho em ser sertanejo nordestino!

JIPE WILLYS, IMAGEM.


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/o-desfile-clerisvaldo-b.html

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

 

QUEROBINO

Clerisvaldo B. Chagas, 10 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.124

 



Os mais velhos falavam em Santana do Ipanema, que o homem mais mentiroso da região era tal Querobino. Segundo uns poucos, esse indivíduo teria trabalhado no DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, Residência Santana. Mentia por lazer. Muito embora no meu tempo o maior de todos era o Lulu Félix< mas deixemos o Lulu para um outro trabalho. Pelo que contam, Querobino era mais ou menos como o Lulu, chegava de mansinho nas rodas de conversa e terminava soltando as deles, muitas vezes a pedido da plateia sequiosa. Lembro com clareza apenas uma das suas inúmeras mentiras soltas no mundo. Certa vez fora caçar e ficara numa espera aguardando bando de cardinheiras que iriam chegar à bebida. Naquele momento teve a ideia de pegar muitas cardinheiras de uma vez. Dirigiu-se a um lajeiro próximo e passou leite de jaca em toda a superfície do lajeado. Aguardou até a hora certa quando as aves migratórias começaram a chegar e posarem no lajeiro. Sentavam e ficavam grudadas. Quando ele viu que o lajeiro estava repleto de aves presas., correu para lá com um saco. Mas...  Qual não foi a surpresa! As cardinheiras, ao pressentirem que seriam capturadas fizeram tanta força para se despregarem que carregaram o lajeiro pelos ares.

O homem se tornou um personagem muito querido e solicitado nas palestras entre amigos. Estava bastante famoso na região sertaneja. E num tempo em que não havia televisão, as mentiras de Querobino divertiam jovens e adultos que procuravam rir de graça.

Certa feita o homem se aproximou de uma roda grande de pessoas que falavam de inúmeros assuntos sérios. Vendo Querobino chegar tristonho e sem falar com ninguém, disseram: “Querobino, rapaz, que bom você ter chegado, conte aí uma mentirinha”. E o homem com ares de tristeza: “Hoje não posso, acabo de perder a minha mãe e estou fazendo uma vaquinha para o seu enterro. Naquele momento a turma começou a lhe dá os pêsames, metendo a mão no bolso e enchendo-lhe às mãos de dinheiro. Querobino agradeceu a todos e foi saindo. Alguém se lembrou de perguntar com o homem já distante: “Querobino, quando é o enterro? E ele:

“ Não sei! Vocês não me chamaram para contar uma mentirinha!

 

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/querobino-clerisvaldo-b.html

terça-feira, 8 de outubro de 2024

 

LAMPIÃO E VINTE CINCO

Clerisvaldo B. Chagas, 9 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.123

 



La para os idos dos anos sessenta, surgiu um soldado de polícia em Santana do Ipanema. Alto, forte, de casquete, era muito cabuloso e arrogante. Sua antipatia logo correu fama pela cidade. Ao chegar ao baixo meretrício durante algumas horas da noite exclamava para as donas de Bordéus, repletas de clientes: “Cinco Minutos para fechar, cinco minutos”, dizia batendo às mãos. E por causa disso, o soldado ganhou o apelido de “Cinco Minutos”. E “Cinco minutos”, saiu metendo medo na população santanense. Não era que vivesse brigando, era impondo com arrogância que causava constrangimento em qualquer cidadão. Certa feita, porém, notou no Comércio um volume de arma soba a camisa de um cidadão e pareceu se alegrar. “Vou lá agora, tomar sua arma”. Foi aí que alguém o advertiu: “Aquele ali é Floro, o Vingador do Sertão, vai lá? O valentão Cinco-Minutos deu um cavalo de pau e deve ter pensado: “A peste é quem vai!”.

XXX

Em Olho d’Água das Flores, o maluco vulgo “Vinte e Cinco”, perambulava pelo Comércio fechado, naquele feriado nacional Lampião chegara na surdina pelas imediações. Na sua espreita pelos arredores, notou que um cidadão iria passar por ali e parecia ter vindo da cidade. Lampião saiu das moitas, apresentou-se ao homem e indagou educadamente: “Bom dia, meu amigo. Vem da rua? ”.  “Venho sim senhor”. “Tem muitos soldados lá?”  “Não senhor, na rua só tem Vinte e Cinco”. Lampião agradeceu, dispensou o homem, voltou-se para seu Estado Maior e disse: “Hoje dá certo não, atacar Ôi d’Água das Fulô. Nós só samo 15 e lá tem vinte e cinco” E assim a vila de Olho d’Água foi salva sem saber, pelo doido Vinte e Cinco. Uns cabras olhodaguenses me contavam isso sob uma árvore na Rua Central daquela cidade, e gargalhavam de cair de costas.

No caso de cima, reflita com a sabedoria do povo nordestino: “Remédio para um doido, é doido e meio “. E no caso de baixo, ninguém é imprestável no mundo. Pois, um doido sem saber salvara uma vila inteira da sanha endiabrada de Lampião.

 

Em Santana do Ipanema, o ébrio incorrigível “Coleta”, tinha um medo horrível do delegado civil Izaías Rego. Com o seu chapéu de palha quebrado lateralmente, exclamava ao se deparar com a autoridade: “Aves Maria, Seu Izaías! “.  A frase de Coleta tornou-se moda geral em ditado popular.

Nem Cinco Minutos, nem Lampião: Ave Maria, Seu Izaías!

 

 

 


Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/10/lampiao-e-vinte-cinco-clerisvaldo-b.html