quinta-feira, 7 de julho de 2011

O CHARME DA PROFISSÃO

  O CHARME DA PROFISSÃO
  Clerisvaldo B. Chagas, 7 de julho de 2011

 Quando os automóveis foram surgindo com mais frequência nas cidades do interior nordestino, surgiu a profissão do “motorista de praça”. Não somente pela condição financeira, mas também pelo entendimento e posição social, o automóvel era alugado (nunca alocado) por pessoas de classe média e alta. Essas maravilhosas máquinas que substituíam o carro de boi, o cavalo, o burro e mesmo os primeiros caminhões da década de 20, esbanjavam um encanto geral e um suave e doce prazer em suas viagens para fora da cidade. Até hoje o automóvel exerce um fascínio extraordinário sobre os homens, bem difícil de explicar. Imaginemos, então, no passado, a satisfação que dava em rodar dentro de um carro confortável, cheiroso, bem zelado, tendo como condutor um homem entendido a nossa disposição. No interior de Alagoas, em Santana do Ipanema, passageiros bem vestidos deslocavam-se com esse encanto para cidades vizinhas a visitar amigos, participar de batizados, casamentos, saborear buchadas em casas de compadres lá para as bandas de Maravilha, Ouro Branco, Poço das Trincheiras. Quando ainda não havia médicos na cidade, as viagens mais comuns ganhavam o destino de Palmeira dos Índios, núcleo urbano situado no agreste de Alagoas, sede do bispado, terra de Graciliano Ramos, e que funcionava como pequena capital.
       Os chamados “motoristas de praças” eram poucos. Entre eles ─ dividindo essa atividade com outras de maior dureza ─ três pessoas destacavam-se como pioneiras no ramo de conduzir passageiros com exclusividade: Mestre Abel e seu filho galã, Aroldo; Anedota, conhecido por Seu Dota, pessoa enriquecida, moradora do Bairro Monumento; e Zé V8, residente à Rua Nova. Mestre Abel exercia também a profissão de mecânico, o que lhe deu fama em toda a região. Seu Dota, enrascado com o nome próprio de Anedota, por causa da ignorância da época, preferiu o apelido, menos chamativo de Dota. E Zé V8, tinha seu vulgo associado ao motor tipo V8, do carro que dirigia. Como torcedor radical do time Ipanema, ao clube forneceu três filhos que se destacaram como atletas: Jair, Zuza e Joãozinho, craques que sabiam honrar a camisa do time “Canarinho do Sertão”, final da era 1950. Por falar nisso, Dota, já adiante no tempo, falava com orgulho que dirigira mais de vinte anos e nunca dera uma batida e nem sequer um arranhão. Foi quando um dos ouvintes da roda de amigos levantou-se e disse na brincadeira: “Também, como bater em outro carro se só havia o seu?”
         Somente agora, em torno de oitenta anos depois, é que o governo resolve regulamentar a profissão do antigo “motorista de praça”, chamado atualmente “taxista”. Segue para sanção o projeto que regulamenta profissão de taxista da autoria do ex-deputado Confúcio Moura. O profissional, além da habilitação deverá fazer cursos de relações humanas, direção defensiva, primeiros socorros, mecânica e elétrica básica de veículos. Em municípios com mais de 50 mil habitantes será obrigatório o uso do taxímetro.
         Os profissionais do volante talvez possam respirar melhor com profissão reconhecida, mas agora numa luta insana entre eles mesmos, pela concorrência desleal de táxis no mercado. Bons tempos sem acidentes de trânsito, os de Seu Dota. Também, “de carro só havia o dele!” Ainda hoje, mesmo com menor intensidade, ainda existe o CHARME DA PROFISSÃO.



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terça-feira, 5 de julho de 2011

BESOURO QUENTE

BESOURO QUENTE
Clerisvaldo B. Chagas, 6 de julho de 2011.

 Acompanhando a evolução comercial do município de Santana do Ipanema, Alagoas, a bandidagem não podia ficar indiferente. Se os diversos atos marginais estão na mídia e dão moral ao mundo do crime, por que ficar paradão no tempo e no espaço? Com essa mentalidade anti-heroica, elementos da periferia santanense, começaram a aparecer como os destemidos para a própria comunidade. Esses movimentos isolados em forma de ilhas tiveram como antecedentes algumas poucas “ovelhas negras”, com um comerciozinho de maconha aguardando à porta, a chegada relâmpago do usuário. A rapidez de mãos treinadas capta o dinheiro no leste e solta a folha seca pelo oeste na Geografia singular dos dedos. A contínua ação dessa atividade proscrita parece não incomodar muito à sociedade que jamais pensou na evolução que se seguiu. Despreparada, juntamente com a ineficácia estatal, a aglomeração humana vai apenas de mãos atadas, contemplando essas ações com o fermento eficiente do crescimento. As ilhas insignificantes viraram arquipélago em mar tenebroso de ressacas.
          Nessa cidade sertaneja ─ a mais importante do Médio, Alto Sertão e parte do Sertão do São Francisco ─ tinha como ilhas as localidades Lajeiro Grande, Rua das Pedrinhas, Lagoa do Junco, Artur Morais, Rua da Praia e Cajarana. O isolamento local, entretanto, deu origem a uma rede marginal que interliga a cidade no seu todo. Seus tentáculos ganham os campos com essa evolução do submundo. A droga mínima agora é a cachaça pura que diante da valentia das novas drogas, virou água. Com as disputas dos rapazes em questão, O Bairro Artur Morais, em pleno centro comercial, parece ter conseguido a liderança sobre os outros. Está sempre na mídia com seus tiroteios permanentes a qualquer hora do dia ou da noite. Perambular por ali agora, somente com boas pernas, daquelas que superam com facilidade as carreiras dos jogadores Lucas e Ramires.
        Semana passada, durante certa reunião social e política, um cidadão presente recebeu um telefonema. A reunião foi interrompida para facilitar as coisas em relação ao receptor. Ao desligar seu diálogo inesperado, o pacífico indivíduo falou com a tranquilidade de sempre: “Não era nada; apenas um novo tiroteio que estar havendo no Bairro Artur Morais. Também, faltando teatro, praça, cinema e futebol, os coitadinhos não têm como brincar. Toquem a reunião e deixemos os bichinhos divertirem-se trocando figurinhas com música de besouro quente”.
          Ê cabra velho! Vamos sim, prosseguir a reunião. São apenas balas cruzando os ares, insetos pelados desprovidos de membros emplumados, e seus divertidos roncos de BESOURO QUENTE.


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