segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

 

MUTUCA

Clerisvaldo B. Chagas, 31 de janeiro de 2023

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.835

 



Andar pelas trilhas sertanejas é coisa extremamente agradável. Cada um anda com o traje que quiser, contudo, o traje adequado pode evitar muitos aborrecimentos e até coisa piores. Por exemplo, andar de bermuda não evita os riscos dos garranchos nas pernas, as urtigas e arranhões durante quedas. O não uso de botas ou calçados adequados, não livra de uma picada de cobra no pé e ou espinhos duros espalhados pelo vento. Uma calça comprida evita muitas coisas, mas outras não. O que acontece é que, na verdade andar no mato, na caatinga, nas chapadas, não é a mesma coisa de perambular pelas praias, pelas dunas... Pelas restingas. Entre as pequenas coisas que incomodam nas caminhadas sertanejas pelo matagal, é a Mutuca, principalmente em tempo de inverno e nas primeiras chuvaradas, porém, a mutuca pode incomodar a qualquer tempo.

Talvez – para você que mora na capital – nunca tenha ouvido falar sobre a mutuca. Trata-se de uma espécie de mosca gigante que se alimenta de sangue de animais e de gente também. Nas trilhas gosta muito de picar nas pernas descobertas, mas não respeita lugar para a picada. A dor é forte, duradoura e “coçadeira”. Além de ser bicho nojento, sua picada não mata, mais incomoda muito tirando o prazer da caminhada. Até mesmo na literatura cangaceira vamos encontrar a “fazenda Mutuca”, em Pernambuco, engajada na história de Virgulino Ferreira, antes de virar Rei do Cangaço. Portanto, a mutuca é mais um desencanto dos que não apreciam andar nas matas. Além disso o inseto não tem o destaque de outros segredos da caatinga. Inúmeras coisas da flora e da fauna não são divulgadas, mas que merecem muita atenção por vaqueiros, mateiros, raizeiros (garrafeiros), fazendeiro e rezadores do Sertão.

A mutuca também possui outras denominações no Nordeste, como: butuca, moscardo, motuca e tavão. Esses nomes, até desconhecido para nós, sertanejos alagoanos, não mudam em nada o seu ataque surpresa às nossas caminhadas na caatinga. Falamos acima sobre as investidas do inseto no período chuvoso quando o mato está completamente verde e fechado. A caminhada fica mais difícil e a atenção aos perigos da mata, diminuem devido a preocupação em afastar galho e folha que cruzam os caminhos. Mas no caso da mutuca, não tem como escapar se ela estiver presente. Chega feroz e pica. Dificilmente sua agilidade no tapa consegue surpreender e matar uma mutuca. Muitas vezes o inseto, devido ao seu tamanho, é até confundido com uma abelha.

É assim o nosso Sertão do Padre Cícero, Luiz Gonzaga e Lampião.

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domingo, 29 de janeiro de 2023

 

LAMPIÃO E O BALANÇO

Clerisvaldo B. Chagas, 30 de janeiro de 2023

Escrito Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.834

 



Entre os 437,875 km2 do território de Santana do Ipanema, estão os sítios rurais “Queimadas do Rio”, “Serrote dos Brás” e “Tapera do Padre”. Queimadas do Rio, também popularmente simplificado para “As Queimadas”, está localizado a cerca de 4 quilômetros da sede. Seu acesso acontece pela AL-220, logo após um trecho do riacho João Gomes.  Entre a rodovia e o sítio, é preciso passar uma baixada que costuma formar lagoa em período de muita chuva, interditando a passagem. Subiu a rampa, estaremos nas Queimadas, uma área mais alta, muito agradável e usada para chácaras por pessoas de classe média. Nos tempos mais difíceis de estudos, muita gente rompia a distância para a cidade, a pé, em busca das escolas. Assim, inúmeras criaturas das Queimadas conseguiram se formar e trabalhar em empresas importantes do estado de Alagoas.

O seu nome tem origem num incêndio muito grande nas roças e caatinga que só foi parar ao atingir o rio Ipanema, vários quilômetros abaixo. Já o serrote do Brás, representa um monte, uma serra pequena habitada pela família que lhe empresta o nome. E ainda, entre outros sítios da vizinhança, vamos encontrar nas margens do Ipanema o sítio Tapera do Padre. Não sabemos se a Tapera (casa pobre) fora moradia de alguém que se formara padre ou eram terras que pertenciam a um sacerdote. O cenário também é agradável e completamente diferente do terreno mais alto das Queimadas. É incrível como a paisagem muda rapidamente de um sítio a outro no Sertão.

 Voltando ao sítio Tapera do Padre, quando Lampião, em 1926, invadiu a zona rural de Santana do Ipanema e entrou na, então, vila de Olho d’Água das Flores, passou na Tapera do Padre. Segundo um cangaceiro preso, entrevistado em Recife, Lampião submeteu a torturas um cidadão do lugar e o colocou num balanço, balançando-o até fazê-lo cair e morrer da queda e de tudo. Se não fosse aquela declaração cangaceira de referência muito rápida ao episódio do bandido maior, não teria sido registrado. Não temos tanta certeza, mas tudo indica que o entrevistado fora o cangaceiro santanense Gato Bravo (antes, conhecido por Josias Mole). Foi ele quem guiou Lampião nessa empreitada até a vila de Olho d’Água.

Se você curtir, tem mais. Se não curtir, a tendência é ir rareando esses trabalhos até desaparecer.


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