A POSSE DO REITOR (Clerisvaldo B. Chagas. 9.11.2009) Inúmeros automóveis estacionavam perto do prédio sofisticado. Homens e mulheres descia...

A POSSE DO REITOR

A POSSE DO REITOR
(Clerisvaldo B. Chagas. 9.11.2009)

Inúmeros automóveis estacionavam perto do prédio sofisticado. Homens e mulheres desciam em trajes de gala e até serviços havia às portas dos veículos. O pátio parecia um jardim pela decoração caríssima e caprichada. Iam chegando doutores, professores, autoridades, alunos... E penetravam pela porta larga e principal. Aconteceria ali, dentro de poucos instantes, uma festa maravilhosa em homenagem ao aniversário e posse do reitor. O recepcionista da porta larga estava vestido com elegância, porém, não conseguia esboçar nenhum sorriso aos que mostravam o convite. Pedro Fobó ─ aluno pobre da universidade ─, todavia não acertou passar pelo tal elegante. Estava ali com o papel bonito, desenhado, limpinho, mas a sua roupa, segundo o sujeito, não combinava com a festa. Fobó argumentou que era o traje melhor que possuía, mas não houve nenhuma complacência. Desenganado, Pedro rogou a Deus que abençoasse os atos solenes que iriam acontecer, desejou boa sorte ao “caxias” e retirou-se de cabeça baixa.
Para Fobó, a humilhação não havia sido grande coisa. Estava acostumado aos reveses da vida. O problema é que viera de carona e estava sem dinheiro para retornar a casa. Sua residência ficava a quase vinte quilômetros dali, à margem do rio Milagres. Ainda bem que do lugar da festa para a residência era um trecho asfaltado. Após respirar fundo, Pedro iniciou a pé a sua marcha de volta. Quem sabe, pensava ele, poderia até pegar uma carona, nem que fosse numa caçamba. Não conseguiu. Ao chegar perto de casa, muito cansado da longa caminhada, parou sob uma árvore e ficou contemplando ali perto o rio dos Milagres. Como havia levado horas no retorno, viu aproximar-se um carro com certa velocidade. Fobó reconheceu o veículo por causa do símbolo da reitoria. Logo o automóvel caiu no rio ao bater num buraco grande.
Pedro Fobó correu para perto e localizou o carro que ainda não havia submergido. Pulou com roupa e tudo, quebrou vidros e terminou arrastando para a margem, três homens que estavam dentro. Nenhum sabia nadar. As três vítimas beberam água, mas nenhuma delas estava ferida gravemente. Fobó providenciou o socorro necessário até que os três homens começaram devagar a se refazer do susto. O reitor reconheceu Pedro Fobó porque ele tinha sido o melhor aluno do ano passado. O bibliotecário também por causa das pesquisas constantes de Pedro nos livros da casa. E o recepcionista, por motivo da rejeição aos trajes do aluno. Os dois primeiros, mesmo ainda nervosos, sentiram alegria. O terceiro ficou envergonhado. Foi então que o reitor quis saber o que o rapaz estava fazendo ali, pois nem aos sapatos abandonara. Pedro Fobó respondeu que morava perto e estava acostumado a puxar pessoas no rio. Encontrava-se de sapato porque acabara de chegar a pé da festa do reitor. “E como esse amigo recepcionista não me deixou entrar para a posse ─ mesmo de convite à mão ─ estou aqui”. O reitor olhou para Fobó, impressionado. O recepcionista pediu perdão pela grosseria e agradeceu pelo salvamento. Pedro Fobó, antes de providenciar outros tipos de assistência, concluiu: “Nem precisam me agradecer; quem salvou a vida dos três foi Deus e não eu. Apenas meus irmãos vieram a minha posse que nem precisa convites e nem trajes de luxo”.

DESAFIO EM MARTELO AGALOPADO (Clerisvaldo B. Chagas. 6.11.2009) Em Maceió ao poeta José Ormindo e a Wellington Pereira (no Palato) Meu galop...

DESAFIO EM MARTELO AGALOPADO

DESAFIO EM MARTELO AGALOPADO
(Clerisvaldo B. Chagas. 6.11.2009)
Em Maceió ao poeta José Ormindo e a Wellington Pereira (no Palato)

Meu galope é feroz é desumano
Sem espora sem freio alucinado

Fui o dono das pragas do Egito
Castiguei os hebreus pelo deserto
Milhares acabei em campo aberto
A Hitler ensinei a ser maldito
Quanto a Nero dei fogo num cambito
Pra o incêndio de Roma comandado
Gengis Khan já deixei recomendado
Da bandeira da paz rasguei o pano
Meu galope é feroz é desumano
Sem espora sem freio alucinado

Cooperei na vingança de Sansão
Fui o leme da arca de Noé
Comandei o Egito com José
Ajudei a prender Napoleão
Acabei o cangaço no sertão
Separei a Igreja do Estado
Com Jesus curei cego e aleijado
A ONU implantando dei tutano
Meu galope é feroz é desumano
Sem espora sem freio alucinado

Arrasei a cidade de Pompéia
Somente com fogo de vulcão
Fui tortura na Santa Inquisição
Fiz intrigas no centro da Judeia
Quase arraso com o mar da Galileia
Tangi D.João VI do reinado
Mandei terremoto caprichado
Arrancar pela cepa o Vaticano
Meu galope é feroz é desumano
Sem espora sem freio alucinado

Eu puxei os hebreus do cativeiro
Em Jericó entrei com Josué
Encorajei Maria em Nazaré
O sangue de Jesus eu vi primeiro
Fui amigo do pai o carpinteiro
Homem simples barbudo e bem cuidado
No Brasil deixei tudo articulado
Com a força que dei a Floriano
Meu galope é feroz é desumano
Sem espora sem freio alucinado

Vou botar dinamite no Iraque
Enviar nova tropa ao Paquistão
Provocar mais conflitos com o Japão
Na Coreia do Norte eu dou um baque
Bomba atômica pra mim é só um traque
O que faço é o mal com resultado
Quem quiser que me chame de errado
Porque mato e esfolo o ser humano
Meu galope é feroz é desumano
Sem espora sem freio alucinado

Se você é o mal eu sou o bem
Hoje acabo com essa garra sua
Monto o Sol suspendo mais a lua
Vejo o mundo da torre de Belém
Se você conta um eu conto cem
Qual o mal que resiste a um golpe dado
Com espada com murro com machado
Com vigores da mão do Soberano
Meu galope é feroz é desumano
Sem espora sem freio alucinado

FIM

FUSCÃO PRETO ...

FUSCÃO PRETO

FUSCÃO PRETO
(Clerisvaldo B. Chagas. 5.11.2009)

Meu amigo José morava no quadro do comércio de Santana do Ipanema, Alagoas. Durante a festa da padroeira Senhora Santa Ana, nunca faltam barracas de bebidas que concorrem com os bares fixos. São nove noites bem movimentadas entre o religioso e o profano. As barracas são bastante procuradas e quase sempre amanhecem na força do movimento. Em uma daquelas noites meu amigo José cismou e não saiu à rua. Acontece que havia uma dessas barracas a cem metros da sua residência que não o deixava dormir. Estava nas paradas à conhecida música “Fuscão Preto” que fez sucesso em todas as camadas sociais. Já era a madrugada das três horas, mas o disco “Fuscão Preto” parecia enganchado. Quando o barraqueiro completou a décima quinta rodada, José tomou uma decisão. “Hoje aquele peste me paga. Tá pensando o quê? Ele é o dono da festa, por acaso? José pegou uma 765, encheu de balas, coloco-a na cinta e saiu pensando: “Vou atirar no som, nos peitos do dono e até na p... da mãe dele se ela aparecer. Não... É melhor ir devagar. Vou conversar logo mansinho com o cara, mas se o sacana se alterar, aí eu lhe esfrego essa pistola na venta e pronto”.
José abriu a porta da frente e não viu quase ninguém na rua. Cada passo dado, um pensamento novo. Passou o vigia da praça, dobrou a esquina uma piniqueira, mas o “Fuscão Preto” não parava de rodar. José levou a mão à cintura, apertou a coronha, sentiu-se mais seguro e renovou as ameaças para seus botões. Chegou perto da barraca, parou e, com os olhos fotografou o ambiente. Havia somente um casal, cujo homem parecia embriagado. E “Fuscão Preto” rodava e “Fuscão Preto” repetia e “Fuscão Preto” não parava. José chegou devagarzinho ao balcão, apoiou bem os cotovelos e antes de abrir a boca, o barraqueiro adiantou-se com sorriso largo: “Seu José, o senhor por aqui. Como foi bom ter chegado! Eu já estou que não aguento com aquele cidadão pedindo ‘Fuscão Preto’ o tempo todo. Mande às ordens”.
A raiva do meu amigo foi amaciada 50%. José olhou para o casal, o homem estava de cabeça baixa. Entretanto, a mulher, “morenona” criada à base do cuscuz com leite, aboticou os olhos para o seu lado. A raiva do meu amigo foi amaciada em 25%. Para completar, José que gostava dessas oportunidades, teve vontade de beber. A raiva do meu amigo foi amaciada em mais 25%. Foi quando a mulher sorriu de lá, ele respondeu dali e achou que havia completado os 100. José perguntou através da mímica, se ela estava gostando da música. A morena levantou o polegar e o barraqueiro destampou uma cerveja à mesa do casal. Aí o meu amigo José, com certeza da transformação e da vitória, chamou o dono da espelunca e disse. “Joaquim, também quero dar lucro ao seu bar, mas tem uma coisa: só me traga uma daquelas geladinhas se você me deixar ouvir o “Fuscão Preto”. O barraqueiro bateu com as duas mãos na tábua, aumentou o tamanho da boca de jiboia e gritou animado: “Eita, peste! Enquanto o primeiro freguês cochilava, sumiu a morena da mesa, desapareceu meu amigo José. As cervejas ficaram pela metade, o dia queria amanhecer, e até umas horas, reinou pleno, absoluto e abusado, só o “pito” do velho “FUSCÃO PRETO”.