HISTÓRIAS DE TRANCOSO (Clerisvaldo B. Chagas. 6.1.2010) Ainda nos tempos do rádio, ouvíamos boas histórias contadas pelas mães, pelas do...

HISTÓRIAS DE TRANCOSO

HISTÓRIAS DE TRANCOSO

(Clerisvaldo B. Chagas. 6.1.2010)

Ainda nos tempos do rádio, ouvíamos boas histórias contadas pelas mães, pelas domésticas, pelos vizinhos. Os mais diversos gêneros tinham vez na cama, nas esteiras, nas redes coloridas. Histórias de amor, assombrações, comédias e de muitos outros gêneros. As narrativas vinham quase sempre da criatividade cordelista, mas também de variadas fontes que não sabíamos precisar. Com certeza não eram sobre a “Gata Borralheira” e nem indicavam “Branca de Neve e os Sete Anões”, pelo menos com maior frequência. Essas histórias divertiam, amedrontavam, criavam expectativa e bastante curiosidade. Quando nos reuníamos nas noites estreladas para esse tipo de diversão, os mais velhos diziam que iam contar histórias de trancoso. Qualquer história que não fosse real, séria, era rotulada como história de trancoso. Trancoso era, então, um termo qualquer cujo significado era mentira, coisa inventada para divertir crianças. Tanto é que podia e pode ser escrita com inicial minúscula (não estamos nos referindo ao novo Acordo da Língua Portuguesa).
Crescemos curiosos sobre a palavra que sempre escapou as nossas buscas. Só agora nos lembramos de mergulhar no assunto e, para surpresa, já encontramos o problema resolvido. Descobrimos, postado em seis de outubro de 2006, trabalho de pesquisa da insigne escritora Djanira Silva. A escritora pertence à Academia de Letras e Artes de Pernambuco e possui vários livros publicados. Diz a pesquisadora em longo artigo que Trancoso era o cidadão português Gonçalo Fernando Trancoso que teria sido contemporâneo de Cervantes, Montaigne, Shakespeare, Erasmo e Camões. Homem moralista e de poucas letras, entendia muito de Justiça e Tribunal. Diz ainda Djanira Silva que Trancoso escreveu 38 histórias e foi um dos iniciadores de contos em Portugal. As histórias de Trancoso eram simples e bem escritas e caiu no gosto popular.
Ainda encontramos muitas novidades nas coisas antigas do Sertão. Pesquisa é coisa sagrada e fundamental para a juventude. Infelizmente o termo para a maioria é uma cópia retirada da internet e entregue até sem leitura ao coitado professor. Temas para mestrado e doutorado não faltam nesse Nordeste velho de meu Deus.
A pesquisa da ilustre escritora pernambucana veio preencher esse espaço em nossa literatura de tradições nordestinas ─ sobretudo. É pena que atualmente histórias de Trancoso tenham se transformado em deslavadas mentiras dos mandões. Louvemos a pesquisa da nobre escritora Djanira Silva. Não foram poucas as pessoas embaladas em sonhos de crianças com as HISTÓRIAS DE TRANCOSO.

AS TRAGÉDIAS CONTINUAM (Clerisvaldo B. Chagas. 5.1.2010) Mais da metade das notícias de início de ano foi sobre as tragédias do Sudeste...

AS TRAGÉDIAS CONTINUAM

AS TRAGÉDIAS CONTINUAM

(Clerisvaldo B. Chagas. 5.1.2010)

Mais da metade das notícias de início de ano foi sobre as tragédias do Sudeste. Desabamentos de encostas que vitimaram dezenas de pessoas. As tragédias anunciadas não são privilégios de São Paulo, Minas Gerais ou Rio de Janeiro. Elas estão espalhadas pelos estados das cinco Grandes Regiões Brasileiras. São frutos ─ em quase sua totalidade ─ do descaso dos seus governantes que permitem construções em lugares impróprios. Quando não é a permissão oficial ou comprometida é a omissão ao acompanhamento do alargamento urbano. As maiores tragédias acontecem em encostas e em margens de rios e seus afluentes. A população pobre, não podendo comprar terrenos em áreas seguras, apelam para lugares insalubres. Um rio pode passar anos sem grandes enchentes, porém, tem seus limites marginais. A população constroi dentro desses limites e fica na esperança de que o rio ou córrego nunca venha rever o que é seu. Quanto às encostas que são declives por onde descem as águas pluviais, também levam nomes de barreiras, grotas, morros e outras denominações populares. Esses acidentes geográficos estão sempre ameaçados pelas chuvas. Bombas prestes a explodir a menor mudança do tempo. O desmatamento das encostas, hoje proibido por lei, desprotege o solo que desliza igualmente pneus carecas em pistas molhadas. Engolem o que encontram abaixo como casas, cercas e outros beneficiamentos humanos. Aliás, novos tipos de vítimas começam a aparecer no Brasil. São pessoas da classe média e rica atraídas no tempo de estio pelas belezas naturais dos lugares. Fazem como os americanos com suas mansões à beira-mar. A fúria das ondas leva tudo de roldão acabando o veraneio.
As autoridades são culpadas sim, quando consentem ou se omitem. Construções exigem planejamento, principalmente quando vão comportar uma quantidade exagerada de pessoas. Mas os “numerosos” afazeres dos dirigentes não permitem que eles se preocupem com os sinistros do amanhã. Depois dos fatos, abrigos e cobertores, algumas palavras de consolo e tudo fica definitivamente resolvido. Os lares cobertos de luto vão refazer suas vidas em cima da tristeza, do trauma, da depressão, abandonados depois a própria sorte. Afinal o que restou de vida continua; de qualquer jeito continua. Os maiorais apenas lavam as mãos como Pilatos. Logo, logo, todos esquecerão. Depois surgem outros dirigentes semelhantes e novas notícias opostas chegarão à mídia. Caso esquecido, ninguém punido. Até porque se houver punição será para os “teimosos” que construíram ali suas residências. As vítimas transformar-se-ão em culpados. Por outra rua, 2010 é ano de eleição. Tempos de festas e dinheiro a granel. Talvez chova, talvez não chova. Se não chover, adiam-se os funestos. Tem nada não. Para o ano AS TRAGÉDIAS CONTINUAM.

TUPIS E TAPUIAS (Clerisvaldo B. Chagas. 4.1.2010) Como já foi dito várias vezes, o senadinho na porta grande da loja de meu pai, teve i...

TUPIS E TAPUIAS

TUPIS E TAPUIAS

(Clerisvaldo B. Chagas. 4.1.2010)

Como já foi dito várias vezes, o senadinho na porta grande da loja de meu pai, teve importância fundamental nessas crônicas publicadas. Ali se reuniam várias pessoas em conversas de todo tipo. Eu, como adolescente, apenas gravava na cabeça para futuros escritos. Além disso, ponto estratégico entre o Largo da Matriz e o Largo da Feira, permitia observação completa do meu posto. Vem à lembrança pessoas que frequentavam o senadinho regularmente e outras, vez em quando: Entre os que ainda estão na memória: Tibúrcio Medeiros (fazendeiro), Diógenes Wanderley (funcionário), Antonio Correia, Sebastião Gonçalo (fazendeiros) Pompeu, Lucas, Enéas (boiadeiros), Domício Silva (industrial), Siloé Tavares (deputado), Ivo Wanderley (fazendeiro), Isaías Rego (comerciante e fazendeiro) e outros mais que contribuíram para o progresso de Santana e região. Entre eles surgia Álvaro Granja que mantinha uma padaria perto da ponte Gel. Batista Tubino, onde hoje funcionam o “Mercadinho Nobre” e a “Casa Guido”. Homem franzino, educado e agradável, Álvaro Granja contou aos parceiros de senado que certa feita fora visitar uma filha casada no interior do Rio Grande do Sul. Cidade pequena, pouco movimento, Granja sentou-se em um banco de praça para apreciar os transeuntes. Ao voltar a vista para o jardim, veio a vontade de colher uma flor e sentir de perto o seu perfume. Eis que um comerciante o observava do outro lado da rua e veio até ele com a seguinte pergunta: O senhor não é daqui? E como a resposta foi a esperada, o comerciante prosseguiu: Logo vi. Porque o pessoal da terra não arranca flores dos canteiros. Disse ainda o panificador que a vergonha foi tanta que procurou um buraco para se esconder.
A gente nota na maioria das cidades nordestinas o atraso de mentalidades exemplificadas nas ruas e em outros logradouros. Com ilhas de exceção, é a metralha nas ruas; praças destruídas por vândalos nos seus canteiros, bancos, estátuas; placas indicativas pichadas, aos pedaços; terrenos baldios repletos de lixo; animais à solta; criação de porcos dentro da cidade e muitas outras mazelas que permitem claramente fazer comparações. Quando nós, os nordestinos, viajamos por aí, vislumbramos nos três estados do Sul, uma cultura diferente na conservação dos bens públicos. E no Nordeste, mesmo com a força da lei em determinados projetos, o povo não respeita mesmo. Usa e destroi o patrimônio público, como ira de guerra contra o inimigo. De onde vem essa herança avassaladora sobre a propriedade coletiva? Será rescaldo dos indígenas? Dos tupis, dos tapuias? Virá da arrogância portuguesa? Da índole africana? Ou será da própria criação do indivíduo? Estamos numa fase de comunicação farta: rádio, televisão, internet, jornal, escolas, além dos diálogos constantes através das boas estradas. Todo mundo vê tudo, observa, ouve. Mas por que o vandalismo e o descaso não esbarram na educação sugerida? O exemplo do comerciante Álvaro Granja, apesar do tempo, continua bem firme e atualizado nesse Nordeste para vergonha geral. E como os índios no Brasil são ainda sacos de pancadas, os mais civilizados poderão nos acusar pela descendência: é que eles são filhos de TUPIS E DE TAPUIAS.