UM RIO MACHO (Clerisvaldo B. Chagas, 22 de setembro de 2010)      Em janeiro de 1986, realizamos uma viagem de estudos e aventuras pelo ...

UM RIO MACHO


UM RIO MACHO
(Clerisvaldo B. Chagas, 22 de setembro de 2010)
     Em janeiro de 1986, realizamos uma viagem de estudos e aventuras pelo rio Ipanema. Primeiro, saímos de Santana a pé, até a foz, em Belo Monte. Depois fomos de automóvel até as nascentes, em Pesqueira, Pernambuco, e de lá descemos também a pé, até Santana. Da primeira viagem participaram quatro pessoas: Clerisvaldo, João Quem-Quem, Benedito Pacífico e Wellington Costa. Em Batalha, o comerciante Benedito (Biu), retornou. Após três dias, chegamos ao destino. Quando fomos para a segunda viagem, o radialista Wellington, havia ido embora para Sergipe. Benedito, não quis enfrentar. Eu e João fomos levados às cabeceiras pelos santanenses conhecidos como Cecéu, Zé de Pedro e Ivan Caju. Dali, desci o rio com João Quem-Quem durante três dias. Foi assim que surgiu o livro “Ipanema, um rio macho”. Com as dificuldades de sempre, o livro ficou engavetado. Nesse ínterim, faleceram Wellinton e Benedito. Resolvendo agora desengavetar o “Ipanema”, vim a Maceió lapidá-lo e fazer orçamento. Não queria gerar expectativa como a História de Santana (que está quase saindo). Pensava divulgar a publicação após o acerto de prazo com a gráfica e a fixação do dia de lançamento. No seu manuseio, mostrei a uma pessoa daqui a figura de João do Lixo que numa foto está à porta do restaurante onde tudo teve início (página 30). Hoje, dia 21, vejo com surpresa sua foto no Portal Maltanet, que diz sobre o seu falecimento. Fui obrigado, então, a falar do que seria uma surpresa. João ganhou o apelido por ter trabalhado na caçamba de transporte de lixo da prefeitura local. Depois resolveu abrir um luxuoso restaurante à Rua Delmiro Gouveia, mas conservou o apelido no estabelecimento: “Restaurante João do Lixo”, o que causava estranheza aos visitantes. João era casado com Salete Nobre, pessoa de família tradicional e de alto gabarito aí da nossa terrinha querida.
     O livro “Ipanema, um rio macho”, é um documentário, um paradidático que complementa a história do município. Tudo, absolutamente tudo que você queria saber sobre o rio, está ali escrito. Dividido em três partes, na primeira o autor descreve a natureza, quando o rio é dissecado das nascentes a foz. Tabelas, fotos e mapas enriquecem o trabalho do leitor exigente. A segunda parte fala do social influenciado pelo Panema. A terceira é um diário de viagem detalhado que, tanto diverte quanto impressiona. Daria um filme muito bom. Para brindar ainda mais o leitor, apresentamos a peça teatral aconselhável para adultos: “Sebo nas canelas, Lampião vem aí!” A referida peça acha-se dividida em três atos e temos certeza que fará sucesso nos teatros do país inteiro.
     Publicar livros no Brasil, já dizia um escritor, é aventura. Com certeza esse livro pequeno, de apenas sessenta e duas páginas e trinta fotos, tornar-se-á um dos documentos mais significativos, procurado e pesquisado de Santana, juntamente como complemento ou não de “O Boi, a bota e a batina, história completa de Santana do Ipanema”. Para não esquecer, o compêndio traz a capa do artista plástico, Roberval Ribeiro e apresentação do escritor Marcello Ricardo Almeida. Malta e João do Mato, “Primo Vei”, estão convidados para uma articulação com UM RIO MACHO.

AS TRÊS RAPOSAS (Clerisvaldo B. Chagas, 21 de setembro de 2010)      Faltando apenas dois dias para o início da primavera, o Sertão alagoan...

AS TRÊS RAPOSAS

AS TRÊS RAPOSAS
(Clerisvaldo B. Chagas, 21 de setembro de 2010)
     Faltando apenas dois dias para o início da primavera, o Sertão alagoano ainda vai deixando a frieza de inverno pelas noites serenas. Tendo iniciado este ano com atraso, a estação das águas descontou durante julho e metade de agosto. A região continua verde, açudes e barreiros cheios e ainda lençóis reforçados sob telhas de barros dos sítios e da cidade. É nessa ocasião transitória, quando as ruas ainda cedo ficam desertas, que aparecem os contrastes. O homem se recolhe em seu lar, mas os carros de som infernizam pelo lado de fora, ferindo-lhes os ouvidos, querendo forçar uma suposta pega na abertura. Dentro desses últimos quinze dias que restam para as eleições, futucar as pessoas dia e noite com a vara de som, é missão mesmo do cão do inferno que não tem quem aguente. Quem quiser que pense em passar das seis horas no quentinho da cama! Nem adianta gritar para o camarada do volante com o pescoço espichado na janela. Se o peste ouvir, talvez consiga responder: “Homem, me deixe ganhar o pão dos meninos!” E o badalo dana-se no mundo repetindo trezentas mil vezes o nome do candidato. Durante a noite, do mesmo jeito. Se não escolheu ainda o tal candidato, negão, o badalo vai cantar no seu pé de ouvido até altas horas da noite. A festa da democracia é bonita, mas o negócio, amiguinho, é o abuso. Os que entram no processo querem porque querem arrancar a opinião favorável através do grito. Mesmo assim vamos tentando segurar a paciência até o dia da verdade que também muitas vezes não é tão verdadeiro assim.
     Estamos diante de uma batalha ferrenha. Para governador, lutam na arena três raposas bem vividas, que procuram justificar a excelência do mamífero canídeo. As raposas estão espalhadas pelo mundo inteiro. Tanto aparece no norte quente da África, quanto no gelo medonho do Canadá. Descobriram nesse animal o dom da esperteza e da malícia. Raposa come quase tudo: coelhos, lebres, ouriços, aves, peixes, frutas. Tudo o que sobra vai guardando em esconderijos que chegam a vinte, sem esquecer-se de nenhum deles. Não achando o que comer por onde anda, vai rondar as casas da área rural e urbana. Quer dizer, vai mesclando a sua dieta entre frutas, carne vermelha e carne branca, recomendada pelos médicos. Sabe ou não sabe das coisas? Pois bem, vimos, então, que a raposa guarda até em vinte esconderijos. Eles guardam em muito mais. Elas comem muitas coisas. Eles levam tudo. Raposas procuram as tocas, os galinheiros... Eles procuram os cofres. E no final de tudo, o pasto deles somos nós, deglutidos esperneando ou não. Meu amigo é livre, pensa como quer. Mas nessa batalha não haverá vencedores nas multidões. Só ele será o vencedor: a raposa mais escolada do tripé. Vamos às urnas cumprir em Alagoas o destino da canga. Vai ser assim com a filharada das pradarias e as TRÊS RAPOSAS.

PADRES-NOSSOS (Homenagem aos tropeiros) (Clerisvaldo B. Chagas, 20 de setembro de 2010) Para a sensibilidade de Primo Véi, Neilda, Malta, Va...

PADRES-NOSSOS

PADRES-NOSSOS
(Homenagem aos tropeiros)
(Clerisvaldo B. Chagas, 20 de setembro de 2010)
Para a sensibilidade de Primo Véi, Neilda, Malta, Valter, Sérgio e Fábio Campos, Henrique, Zé Ormindo, Davi Chagas, Remi, Marcelo Almeida e Alberto Pereira.

     Lá vamos conduzindo cargas pelos ínvios caminhos das caatingas. Notícias transmitidas em lombos de burros, parte integrante de rapaduras, tecidos, cereais... Aguardente. Sol a pino dardejando na imensidão anil; serras distantes, pequenas, azuladas na curvatura do horizonte. Namorar de guaribas, urros de canguçu, zumbidos de abelhas. Aqui o trotear compassado da burrama, ali o espalhar das águas dos riachos cristalinos. A sombra da quixabeira, os brancos/cinzas dos saquins nas verdes copas. Quebradas, alcantilados grotões, longas travessias de solitárias cores. Soluços de fogo-pagou nos galhos retorcidos, cobertos pelos incisivos estalos do burinhanhém. Rãs nas pedras escuras espiam o movimento da ribeira. Camufla-se a jiboia no pedregulho, salta o mocó no lageiro branco e o preá eriça o ralo bigode no túnel da macambira. O mandacaru é soldado do exército brasileiro em sentinela. A cana de taquara forma corneta para o atalaia dos sertões. Risca a tropa no alto da colina onde o juazeiro acena. É feito o acampamento entre pedras roliças de choroso olho d’água com pestanas de relvas.
     A tropa liberta-se, pisa o chão e come o prado. Mão invisível vai manchando o infinito de amarelo, encarnado, nos pés dos alvos cirrus que desenham rostos; de quem, de além, de ninguém. Parece que na derradeira pedra do serrote (a mais torneada, a mais formosa, a mais mulher) tocam as ave-marias no entrelaçamento com os facheiros. Os burros corcoveiam, vacilam, deitam próximos ao dono, desconfiados com os felídeos. Longe das unhas afiladas e retráteis da jaguatirica. Após a oração, a natureza põe um véu, negro e transparente, em seguida usa o tecido encorpado que encobre a cena. Queimam os gravetos no fogo de chão. Vê-se um faiscar, um reluzir, um brilho intenso que sai da boca da noite. Radiosa estrela que rir, pulsa, jorra felicidade; esperança doce, serena, aconchegante anjo noturno salvador de almas. Tisna o amarelo. Infla e sobe a orgulhosa baronesa elegante em prata. Deus ilumina com esplendor a solidão do peito. Espreme-se a saudade, a frustração rompe a camisa, queima o rosto de fogo, derrama-se o amor fugidio:

“Os zóio da cobra verde
Hoje foi que arreparei
Se arreparasse há mais tempo
Não amava quem amei...”

     Olhos cerrados, pensamentos contam estrelas. Avança a noite. Só o cricrilar nas ranhuras do terreno perturba a paz do elevado. A coruja caça, o rato dispara, o bacurau ausculta. Quando a Papa-ceia sinaliza, a burrama levanta. Hora de enfrentar muitas léguas de chão.

“Ê tropeeeeiro...
Vai partir de madrugada
Não vê mais a sua amada
E amanhece o diiiiaa!...”

     ─ Êêêiii! Vamos simbora amigos, terminou as ave-marias, agora vamos para os PADRES-NOSSOS.