EU VI OS PEDAÇOS DE LAMPIÃO Clerisvaldo B. Chagas, 1 o de fevereiro de 2019 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.052 ...

EU VI OS PEDAÇOS DE LAMPIÃO



EU VI OS PEDAÇOS DE LAMPIÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 1o de fevereiro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.052

     Três ou quatro dias após a remessa das cabeças para Maceió, chegava a Santana uma caravana da Faculdade de Direito do Recife, composta dos acadêmicos Alfredo Pessoa de Lima, Haroldo Melo, Décio de Souza Valença, Elísio Caribé, Plinio de Souza e Wandnkolk Wanderley, todos em excursão e desejando ir diretamente a Angicos.
     Coincidiu que estavam chegando notícias de que os abutres (urubus) viviam sobrevoando o local de combate, sinal de que os corpos não haviam sido bem sepultados.
     O Tenente-Coronel Lucena resolveu então formar uma caravana com os acadêmicos e me disse que eu teria de acompanhá-los, menos  como sargento do Batalhão, do que como correspondente do Jornal de Alagoas. Partimos, então para Angicos no dia 7 de agosto – (‘O Jornal nos Municípios’, Jornal de Alagoas de 18.8.38).
     Com a chegada dos acadêmicos do Recife, tivemos de ir com eles a Angicos, local do combate, lá sepultar os corpos deixados à toa. Encontramo-los já meio ressecados, amarelecidos, a pele agarrada no osso como se a carne houvesse fugido. Já não tinham pelos e era difícil a identificação. À vista daqueles, em plena caatinga, o acadêmico Alfredo Pessoa fez um discurso capaz de comover até mocós e preás que andassem por ali. E só então tive uma pequena ideia da atrocidade da decapitação. Um corpo sem cabeça, onze corpos sem cabeça e o discurso de Pessoa: que coisa de arrepiar! (FRUTA DE PALMA, 168).
     Na realidade os corpos não haviam sido sepultados. Ficaram ali mesmo no leito do córrego, cheio de pedregulho. Amontoado os onze, a tropa havia simplesmente feito um montão de pedras por cima. Além de ser difícil cavar sepulturas ali, a gana de Bezerra e seus comandados pelos troféus dos cangaceiros lhes havia retirado todo o restinho de senso humano que possuíssem.
     Ficamos ali quase um meio dia, a cavar uma vala comum no mesmo local, pois não havia condições de conduzir aqueles pedaços de gente para parte alguma fora do córrego.
     O célebre coiteiro Pedro Cândido era integrante da Caravana e, além de nos descrever as principais fases do combate que ele engendrara, mostrou-nos o corpo de Lampião, da mesma forma identificado por três ou quatro pessoas que integravam a caravana e que também conheciam detalhes físicos do Rei do Cangaço.
     Se não foi a única (e não foi), foi uma das poucas vezes em que observei  emoções no rosto do Tenente-Coronel Lucena: ao ouvir o discurso do acadêmico, encarando os pedaços de Lampião. (...).

(FRISOS NOSSOS)
Extraído do livro:
CHAGAS, Clerisvaldo B. & FAUSTO, Marcello. Lampião em Alagoas. Maceió, Grafmarques, 2012. Págs. 421-423.

                                                                                                                  

SANTANA: BARRAGEM AO CONTRÁRIO Clerisvaldo B. Chagas, 31 de janeiro de 2019 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.051 ...

SANTANA: BARRAGEM AO CONTRÁRIO

SANTANA: BARRAGEM AO CONTRÁRIO
Clerisvaldo B. Chagas, 31 de janeiro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.051

BARRAGEM ASSOREADA. (FOTO: B. CHAGAS).

     Como sempre, agora é o momento de se apontar barragens sem garantias por todos os recantos do país. Não importa se a barragem é para contenção de rejeitos minerais, de abastecimento d’água ou para qualquer outra finalidade. No Brasil sempre que acontece algo grandioso, a procura de defeitos em coisas semelhantes vira uma espécie de modismo. Em Alagoas, a Imprensa se apressa em apontar barragens por todos os lugares, mais para mostrar serviços de que para qualquer outra coisa. Até que serve de certo modo, mas quando a grande mídia deixa o assunto de lado, tudo vai esfriando, e nada dá em nada, volta-se à rotina. Ligeiramente são estendidos mapas de barragens do estado, alguém fala de uma ou de outra, depois a novidade pula e tudo como antes.
     Lá na minha terra existe uma grande barragem assoreada. A exploração de areia, patrimônio do povo santanense, é explorada abertamente no leito seco do rio Ipanema e ninguém dá um pio. Riqueza desenfreada na lapidação do mineral do rio que enriquece duas ou três pessoas e, o povo não vê um centavo da exploração. Assim tudo vai acabando como acabou a barragem abandonada pelas autoridades. Agora são os particulares explorando a areia do rio e acabando com o lençol freático. Pobre rio Ipanema, atacado por todos os lados sem piedade. Além do que foi dito acima, os esgotos domésticos e fossas despejando diretamente para o rio, torna o trecho urbano do Panema um lugar execrável, fonte de inúmeras doenças que vão desaguar nos postos de saúde e no hospital da cidade.
     Além disso, tudo se joga no rio e seus afluentes Salobinho, Salgadinho e Camoxinga. Penicos, sofás, geladeiras, camas, animais mortos e o que mais vier a sua imaginação. Há muito isso tudo já foi denunciado no livro “Ipanema, um rio macho” e até hoje nenhum arremedo de reação. Os particulares não movem uma agulha contra os descasos com o rio Ipanema, os políticos fazem de conta que são surdos e as autoridades... Nem, nem. Mas as tragédias de outros estados são tão bem acolhidas que até surgem páginas de luto. Enquanto isso o rio Ipanema vai gemendo, gemendo, gemendo, como jumento sem mais forças com a carga.
     Triste povo que não limpa seu quintal.

MOTE SERTANEJO Clerisvaldo B. Chagas, 30 de janeiro de 2019 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano “Crônica”: 2.050          ...

MOTE SERTANEJO



MOTE SERTANEJO
Clerisvaldo B. Chagas, 30 de janeiro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
“Crônica”: 2.050

                   Tema do autor: E o vento quente levando/As folhas da catingueira.

Quando vem a estiagem
Meu sertão perde o verdume
O machado perde o gume
Racha o solo da barragem
É transparente a ramagem
Cor cinza cobre a madeira
Pelo zinco da biqueira
A ferrugem rodeando
E o vento quente levando
As folhas da catingueira

Cochila o magro cachorro
Perto do pilão sem uso
O Sol parece difuso
Gavião pia no morro
Um paletó sem o forro
Pendurado na porteira
Uma velha rezadeira
No cachimbo vai soprando
E o vento quente levando
As folhas da catingueira

O teiú sobe o lajeiro
A cascavel se entoca
O mocó pula da loca
Cai juá do juazeiro
Cava o peba no barreiro
Calango sai na carreira
No fogão tá a doceira
Fazendo doce cantando
E o vento quente levando
As folhas da catingueira

Vaqueiro fica tristonho
Bebe pinga na bodega
Brincando de cabra-cega
A criançada é um sonho
Lembrando o trovão medonho
O camponês deixa a feira
Tem cuscuz e macaxeira
Café no caco cheirando
E o vento quente levando
As folhas da catingueira


Na tardinha colorida
A mulher vai ao riacho
Deita a fêmea chega o macho
Na cacimba enlarguecida
Naquela areia encardida
Gemidos na ribanceira
Nos galhos da espinheira
Tem calcinha balançando
E o vento quente levando
As folhas da catingueira.

FIM.