SOBRE MIM

Sou Clerisvaldo B. Chagas, romancista, cronista, historiador e poeta. Natural de Santana do Ipanema (AL), dediquei minha vida ao ensino, à escrita e à preservação da cultura sertaneja.
JUMENTO CANINDÉ E COLOLÔ Clerisvaldo B. Chagas, 18 de março de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2. 491 Passam...
JUMENTO
CANINDÉ E COLOLÔ
Clerisvaldo
B. Chagas, 18 de março de 2021
Escritor
Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.
491
Passamos do dia 15. No
sertão se diz: “Mês miou mês findou”. A frase é usada pelos menos instruídos
que usam miou no lugar de meiou. E agora que o mês “miou”, passa um bando de
aves voando em direção leste e nós logo achamos que elas estão indo em direção
ao açude do Bode, na periferia da cidade. O espanta-boiada ou tetéu, em outros
lugares chamado quero-quero, gosta muito de mudanças de tempo e frequentam os
arredores de rios, lagoas e açudes, embora façam seus ninhos em lugares altos.
Ainda madrugada revoam em alaridos anunciando a proximidade da aurora. O
espanta-boiada é cheio de histórias, assim como outras aves que metem medo e
estão enraizadas no folclore das superstições e das certezas. Não são muito
apreciadas pelo povo e servem de apelidos para muita gente feia.
Entre as aves lúgubres
do Sertão, apresentam-se a coruja, o caboge, o caboré, o bacurau e o cololô,
entre outras. Algumas são parentes entre si e hoje em dia nem os dicionários
registram mais nomes já consagrados pelo povo. Lembro-me que fui com o Cololô
pegar uma carga de palma no sopé da serra Aguda. Eu, pré-adolescente, Cololô,
filho de um nosso empregado rural. O transporte era um jegue da raça Canindé –
menor que o jumento pêga – cor de macaco, peludo e força descomunal. Jumento
com dois caçuás, viajamos no caminho do sítio Lagoa do João Gomes, beirando a
serra Aguda que na época pertencia quase toda ao Sr. Marinho Rodrigues. Mas nós
tínhamos um grande cercado de palma por ali. Enchemos os caçuás que o jegue
chega impava de tanto peso, Cololô achou pouco e me colocou na garupa do animal.
Eu tinha pena, mas esse Cololô não tinha.
Diante daquele cenário
de pé de serra, ainda desconhecido para mim, pensei em estudar plantas e
animais da região, além das belas paisagens sertanejas. Conduzimos a carga até
à Rua Professor Enéas, antiga Rua de Zé Quirino, onde tínhamos cercado na beira
do Ipanema, lugar em que o gado leiteiro dormia e comia ração, além de suínos
que eram alimentados com abóboras, vindas da nossa fazenda Timbaúba.
Tempos depois Cololô
deixou o emprego e passou a frequentar a praça central da cidade numa aventura
sem futuro. Parece-me que chegou até motorista, depois... nem notícia do homem.
Jumento Canindé e ave
Cololô se misturam no baú da memória. Hoje procuro cololô e não o encontro nem
mesmo nos melhores dicionário do País.
CHICO NUNES DAS ALAGOAS Clerisvaldo B. Chagas, 17 de março de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.489 O poeta Chic...
CHICO NUNES DAS ALAGOAS
Clerisvaldo B. Chagas, 17 de março de 2021
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.489
O poeta Chico Nunes, de
Palmeira dos Índios, ficou imortalizado na memória de inúmeros apologistas, mas
também no livro do ator e escritor Mário Lago. Era um cantador de pagode,
embolador que assegurava o motivo do seu canto com um pandeiro na mão. O exímio
e criativo poeta, porém, tinha a chamada boca suja. Era sempre convidado para
duelar no chamado “Desafio”, com vários cantadores de outras localidades. Muitas passagens de “Chico Nunes das Alagoas”
estão expostas e nuas no livro de Lago, desde suas putarias ao lirismo que
explora a sensibilidade. Todavia, nem todas as aventuras do vate boêmio
encontram-se no livro. Os apologistas ainda hoje transmitem de geração em
geração episódios do canto chulo do repentista palmeirense.
O prazer de um cantador
é aplicar uma surra de versos no oponente. Cantam coisas. Mas na hora que
alguém pede um desafio que é cantado em qualquer gênero, aí a coisa muda.
Cantar desafio é o cantador se exaltar e depreciar o adversário. Muitos desses
poetas já têm boca suja ou boca porca de nascença, aí é quando aproveita o
desafio para suas pornofonias. Algumas são tão bem feitas e criativas que mesmo
sendo putaria não se nega o valor da estrofe. Em Alagoas eram mestres pornôs os
poetas: Zezinho da Divisão e Chico Nunes. Explicada a coisa para quem não
entende bem o desafio, voltemos a um episódio acontecido com o “Rouxinol da
Palmeira”.
Chico Nunes fora
chamado para a região de Major Izidoro, Sertão de Alagoas para duelar com outro
vate chamado Zé Nicolau. A cantoria teve início e, o seu adversário tinha uma
grande torcida. Chico ficou enciumado do prestígio do outro que recebia muitos
aplausos, principalmente das moças que ocupavam o salão. Vez em quando um
intervalo para beberem uma cachacinha. E foi em uma dessas paradas que as moças
correram para a cozinha e trouxeram um bom pedaço de bacalhau como tira-gosto
para o cantador José. Para Chico Nunes sobrara apenas uma pelanca com espinha.
O cantador que vinha inchando de ciúmes, não perdeu tempo e estourou o seu
chulo repertório, sem perder a oportunidade das rimas. Ergueu lentamente o
tira-gosto ganho. Colocou-o com os dedos contra a luz da candeia e disse diante
do silêncio profundo:
Da espinha do bacalhau
Vou fazer uma vareta
Pra futucar na buc....
Da mãe de Zé Nicolau.
“Escapou fedendo” de
uma boa camada de madeira, mas foi expulso da casa, sem direito à volta.
Outros episódios
semelhantes com o “Rouxinol”, ainda hoje são contados nos pés dos balcões
sertanejos e agrestinos das Alagoas.
CHICO NUMES, O ROUXINOL
DA PALMEIRA (FOTO: ZÉ MARCOLINO).
REPENTES Clerisvaldo B. Chagas, 16 de março de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.485 Para quem aprecia a cultura...
REPENTES
Clerisvaldo
B. Chagas, 16 de março de 2021
Escritor
Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.485
Para quem aprecia a
cultura popular nordestina, não deixa sua paixão pelo mundo encantado da viola.
Há bastante tempo tinha fama em Alagoas o poeta Manoel Neném, na cidade de
Viçosa. E Joaquim Vitorino, de Pernambuco era um dos repentistas mais famosos
do Nordeste. Os grandes de Viçosa organizaram um desafio entre os dois vates,
lá mesmo na Rainha das Matas. Folcloristas registraram algumas coisas, mas as
duas primeiras estrofes dos cantadores, até hoje são imortalizadas na boca dos
apologistas.
O poeta pernambucano
iniciou a cantoria:
Sou Joaquim Vitorino
Filho do velho Ferreira
Natural de Pernambuco
De Afogados da
Ingazeira
Sou o maior cantador
Dessa terra brasileira.
O outro respondeu a
sextilha:
Eu sou Manoel Neném
Cantador que não se
braia
Sou vento rumorejante
Nos coqueirais de uma
praia
Sou maior que Rui
Barbosa
Na conferência de Haia.
Essas duas estrofes até
hoje correm mundo. Mas, sobre os bastidores, contou-me o meu saudoso sogro
também repentista, Rafael Paraibano da Costa: “No meio da cantoria naquela
noite houve uma pausa entre a dupla,
para beber água, pinga ou qualquer outra coisa. Manoel Neném, enciumado pelo
sucesso do cantador de fora, disse aos seus amigos lá no escuro do terreiro,
que iria acabar com a vida do vate adversário. Neném era metido a valente e
usava punhal na cinta. Foi aí que um dos influentes de Viçosa lhe disse: ‘Não
senhor, não se mata um canarinho desse em território alagoano’. Assim o bom
poeta, mas intolerante, teve que engolir o ciúme e a valentia.
Não sabemos se na mesma
época ou anos depois, o poeta Joaquim Vitorino, hospedou-se em Santana do
Ipanema, na última casa da Rua Pedro Brandão na calçada alta, Bairro Camoxinga.
Ali, em casa de família, o poeta que tinha problema de asma, antes de dormir
vira um frasco com rótulo do remédio que usava. Tomou o conteúdo sem saber que
era veneno guardado pelo dono da casa com rótulo para asma. Vitorino foi levado
para Palmeira dos Índios, mas não resistiu à fatalidade. Faleceu lá mesmo em
Palmeira. Familiares vieram do
Pernambuco para investigar e constataram apenas o que se sabia. A casa da Rua
Pedro Brandão tinha uma varanda em forma de arco, hoje é casa de primeiro andar
e pertence a um senhor conhecido como Hermes Som.
Logo voltaremos com
mais histórias sobre Joaquim Vitorino.
VIÇOSA –
AL (FOTO: IVALDO PINTO).

Sou Clerisvaldo B. Chagas, romancista, cronista, historiador e poeta. Natural de Santana do Ipanema (AL), dediquei minha vida ao ensino, à escrita e à preservação da cultura sertaneja.