O GUARDA, A PESTE E O CANTADOR Clerisvaldo B. Chagas, 24 de março de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.496   Ess...

 

O GUARDA, A PESTE E O CANTADOR

Clerisvaldo B. Chagas, 24 de março de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.496

 

Essa pandemia faz lembrar o combate à peste, doença transmitida pelo rato. Isso já foi após a campanha da varíola que o povo chamava de “bexiga” e matou muita gente. Havia vários guardas de peste em Santana do Ipanema. Na minha rua morava um deles, na Travessa Benedito Melo morava outro e na Avenida N. S. de Fátima também. Inclusive, estourara o escândalo em que uma criança havia sido estuprada pelo guarda da Avenida. Dirigindo-me ao Grupo Escolar Padre Francisco Correia, encontrei multidão defronte a casa do homem, ou pedindo Justiça ou querendo linchá-lo. Nunca soube no que deu. O chamado guarda de peste deixava uma bandeira na porta ou janela da casa visitada, enquanto procurava colocar medicamento nos potes e em outros depósitos d’água. Muita gente fazia como os que hoje não querem usar máscara, isto é, não deixavam o guarda colocar o remédio. Alegavam que o líquido ficava com gosto estranho.

Os dedicados funcionários saiam também pela zona rural e muitas vezes passavam dias fora de casa. Como todo combate às doenças, em alguns lugares eram bem recebidos, em outros, escorraçados.

Certa feita, o poeta repentista já mencionado aqui em outro trabalho, Joaquim Vitorino, descansava numa rede no alpendre de uma fazenda, quando chegou um daqueles guardas. Joaquim fez uma crítica amarga ao futuro concorrente de um bom almoço na casa do fazendeiro. Sapecou-lhe uma décima:

 

Aqui no meu Nordeste

Vem gente igual ao senhor

Goza mais do que doutor

Nesse negócio da peste

Andando pelo agreste

Não lhe falta o que comer

E com esse parecer

A profissão tem regalo

Comendo galinha e galo

Botando o pote a perder

 

Não se brinca com repentistas.

REDE DE DORMIR (FOTO/DIVULGAÇÃO).

 

 

 

 

 

  O PÉ DO MENINO JESUS Clerisvaldo B. Chagas, 23 de março de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.495     Santana...

 

O PÉ DO MENINO JESUS

Clerisvaldo B. Chagas, 23 de março de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.495

 

 

Santana do Ipanema expandiu-se em todos os pontos cardeais, após quebra das amarras dos fazendeiros periféricos. Cada vez mais surgem loteamentos em lugares que você nunca sonhava antes. Mas a população não invade a Reserva Tocaia e nem sobem o serrote do Cruzeiro, pulmões verdes da Rainha do Sertão. Do centro da cidade dá para ver muito bem o serrote e uma estrada solitária na capoeira, que segue até o cume. Muitas vezes a mata de segunda está completamente seca e sujeita a incêndio, mas quando chove em Santana do Ipanema e região, aquele pedaço de caatinga é o primeiro a sinalizar a milagrosa mudança do tempo para melhor na zona rural. As primeiras chuvas caídas no final de ano, criam não somente uma árvore de Natal, mas sim, a mata completa nos matizes do verdume em louvação ao Senhor dos Mundos.

O serrote do Cruzeiro, para os mais antigos santanenses continua sendo o mirante natural que oferta maior beleza, simpatia e religiosidade nos ares do seu entorno. As visitas de Semana Santa enchiam o lajeiro onde está situada a capela de Santa Terezinha. Lembro-me muito bem das duas capelas anteriores e suas ruínas. Os adultos dizendo a nós, crianças: “Este pequeno buraco na rocha é a rastro do menino Jesus quando passou por aqui com os seus pais. Aquela outra marca do lajeiro, é o rastro da pata do jumentinho que carregava o filho de Maria”. Aí todos nós mediamos os nossos pés na marca deixada pelo menino santo. Lembro-me do saudoso alfaiate Demerval pegando a mim e ao meu coleguinha, erguendo-nos pelas costelas e nos colocando no altar em ruínas, dizendo com meiguice: “Vocês são dois anjinhos”.

A deferência do senhor Demerval Pontes num momento de tanta inspiração, fez-me sentir anjo pelo menos essa vez na vida. Por coincidência, no futuro, fui professor do seu filho Vitárcio, procurando orientar o filho de quem me chamou de anjinho aos pés do altar. Esvaziada das incansáveis visitas, hoje, a capela de Santa Terezinha – solitária no alto do serrote – parece convidar o povo santanense para conversar no monte sagrado.

E no grande lajeiro do topo do serrote, onde as águas das chuvas empoçam na depressão, para os urubus, pegadas do jumentinho e dos pés do Menino Jesus continuam aguardando mais crianças para o experimento na forma (ô) dos pés.

Saudades...!

AO FUNDO, SERROTE DO CRUZEIRO E PARTE ALTA DA RESERVA TOCAIA. CENÁRIO VISTO DA BR-316, BAIRRO CAMOXINGA (FOTO: B. CHAGAS).

 

  SÃO JOSÉ Clerisvaldo B. Chagas, 22 de março de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.494      Já iniciamos o período...

 

SÃO JOSÉ

Clerisvaldo B. Chagas, 22 de março de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.494









     Já iniciamos o período de outono no último dia 20 e não esquecemos São José em 19 de março. O dia de São José é a última esperança em sinal de chuva para um bom inverno nordestino. A tradição profética chegou a ser imortalizada pelo intérprete Luiz Gonzaga na sua música “A triste Partida”. Não é à toa a coincidência entre ambas as datas.  Nos Sertões de Pernambuco, Alagoas e Sergipe, o período chuvoso é de outono/ inverno, vindo as chuvas mais cedo ou mais tarde, mas sempre dentro de ambas as faixas de estações do ano. O nome José toma conta de todo o País e muitos abreviam esse dissílabo de registro simplesmente para o apelido “Zé”. É espantoso São José em nome de estabelecimentos comerciais, paróquias, ruas, bairros e logradouros públicos.

José faleceu no início da vida pública de Jesus. Foi avisado que estava na hora da partida e, ainda pediu para visitar o templo de Jerusálém. Sentiu-se mal e faleceu nos braços de Jesus e Maria. Pessoas viram no espaço, anjos conduzindo sua alma aos céus. A tradição é quem explica essas particularidades que não se encontram na Bíblia Sagrada. Apesar de não ser um ferrenho devoto do Santo em questão, perdura o respeito e as considerações pelo carpinteiro pela sua paciência, humildade, honestidade trabalho, que podemos resumir como se diz atualmente: “Um homem de bem”. Vários papas afirmaram que depois de Maria, São José é o santo de maior prestígio no céu. Um inimigo terrível de satanás.

Moramos no Bairro São José, desmembrado do grande Bairro Camoxinga, tão humilde quanto o pai de Jesus. Tendo a chamada COHAB velha como centro, foi construído o Conjunto São João com 18 casas, apelidado Baixada Fluminense, depois o surgimento de ruas e mais ruas, escolas diversas e repartições públicas, a localidade virou bairro também. Há bastante tempo sua igreja foi construída no acesso à COHAB Velha o que assegurou os festejos do padroeiro anualmente. O Bairro São José é contramão para comércio, mas tem muita receptividade e calor humano para os que procuram sossego como opção de vida.

Ontem, dia 21 deu um esperançoso sereninho de São José, em Santana do Ipanema.

Viva o pai de Jesus!

IGREJA DE SÃO JOSÉ NO SEU BAIRRRO, EM SANTANA DO IPANEMA. (Foto: Livro 230/B. CHAGAS). IMAGEM DE SÃO JOSÉ/DVIULGAÇÃO.