TEMPO É CAMALEÃO Clerisvaldo B. Chagas, 25 de março de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.497   Com história de...

 

TEMPO É CAMALEÃO

Clerisvaldo B. Chagas, 25 de março de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.497



 

Com história detalhada e muito bonita desde o início de tudo, a Matriz da Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, em Maceió, foi inaugurada pelo imperador D. Pedro II e sua esposa, a Imperatriz Teresa Cristina de Bourbon, em 31 de dezembro de 1859. Tornou-se Catedral no ano de 1900.

Em Santana do Ipanema, Alagoas, a Igreja Matriz de Senhora Santana, teve um período comandada pelo Cônego Bulhões. Não recebeu a presença de nenhum imperador, mas demonstrava excepcional prestígio em todo território alagoano. Durante as celebrações anuais da padroeira avó do Cristo, chegavam cantoras famosas de Penedo para reforço novidade ao coro elevado da Igreja. A convite do Cônego Bulhões também se fazia presente a banda de música daquela cidade ribeirinha, primaz das Alagoas. A fama da banda Musical e das cantoras da Igreja, davam um brilho especial às novenas de tantas repercussões nos quatro cantos do estado.

Após essa fase de ouro, bandas da nossa própria cidade chegaram a tocar dentro da nave, mas depois, por isso ou por aquilo, esse movimento musical passou a tocar somente nas imediações da Matriz, ocasião em que era soltado o tradicional balão de papel seda multicor e decorado. Nunca faltou foguetório e nem carro de fogo no arame da Praça Manoel Rodrigues da Rocha, defronte à Igreja.

O último maestro que eu conheci, foi o senhor Miguel Bulhões que nunca deixava de animar os festejos de julho com os seus pupilos de boa vontade.

O maestro Miguel Bulhões morava à Rua Nova, era um pequeno comerciante e possuía escola de música, bastante concorrida. Décadas de história musical da terra que havia iniciada com a Filarmônica Santa Cecília ainda nos tempos de vila, também encerra esse áureo período de sons, com outra Filarmônica Santa Cecília, como se fosse uma peça única de início, meio e fim.

O seu filho Ivaldo, com o talento da música, não conseguiu reviver o tempo musical do Bulhões, maestro. Santana passou a contar apenas com bandas marciais de colégios que seguiram o mesmo destino das filarmônicas.

Ninguém pode manter o tempo sob cabresto. Nem o antigo, nem o nosso, nem os do porvir. TEMPO É CAMALEÃO.

INTERIOR DA MATRIZ DE SENHORA SANTANA, ATUALMENTE. (FOTO: ACERVO B. CHAGAS).

 

 

 

 

 

 

 

  O GUARDA, A PESTE E O CANTADOR Clerisvaldo B. Chagas, 24 de março de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.496   Ess...

 

O GUARDA, A PESTE E O CANTADOR

Clerisvaldo B. Chagas, 24 de março de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.496

 

Essa pandemia faz lembrar o combate à peste, doença transmitida pelo rato. Isso já foi após a campanha da varíola que o povo chamava de “bexiga” e matou muita gente. Havia vários guardas de peste em Santana do Ipanema. Na minha rua morava um deles, na Travessa Benedito Melo morava outro e na Avenida N. S. de Fátima também. Inclusive, estourara o escândalo em que uma criança havia sido estuprada pelo guarda da Avenida. Dirigindo-me ao Grupo Escolar Padre Francisco Correia, encontrei multidão defronte a casa do homem, ou pedindo Justiça ou querendo linchá-lo. Nunca soube no que deu. O chamado guarda de peste deixava uma bandeira na porta ou janela da casa visitada, enquanto procurava colocar medicamento nos potes e em outros depósitos d’água. Muita gente fazia como os que hoje não querem usar máscara, isto é, não deixavam o guarda colocar o remédio. Alegavam que o líquido ficava com gosto estranho.

Os dedicados funcionários saiam também pela zona rural e muitas vezes passavam dias fora de casa. Como todo combate às doenças, em alguns lugares eram bem recebidos, em outros, escorraçados.

Certa feita, o poeta repentista já mencionado aqui em outro trabalho, Joaquim Vitorino, descansava numa rede no alpendre de uma fazenda, quando chegou um daqueles guardas. Joaquim fez uma crítica amarga ao futuro concorrente de um bom almoço na casa do fazendeiro. Sapecou-lhe uma décima:

 

Aqui no meu Nordeste

Vem gente igual ao senhor

Goza mais do que doutor

Nesse negócio da peste

Andando pelo agreste

Não lhe falta o que comer

E com esse parecer

A profissão tem regalo

Comendo galinha e galo

Botando o pote a perder

 

Não se brinca com repentistas.

REDE DE DORMIR (FOTO/DIVULGAÇÃO).

 

 

 

 

 

  O PÉ DO MENINO JESUS Clerisvaldo B. Chagas, 23 de março de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.495     Santana...

 

O PÉ DO MENINO JESUS

Clerisvaldo B. Chagas, 23 de março de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.495

 

 

Santana do Ipanema expandiu-se em todos os pontos cardeais, após quebra das amarras dos fazendeiros periféricos. Cada vez mais surgem loteamentos em lugares que você nunca sonhava antes. Mas a população não invade a Reserva Tocaia e nem sobem o serrote do Cruzeiro, pulmões verdes da Rainha do Sertão. Do centro da cidade dá para ver muito bem o serrote e uma estrada solitária na capoeira, que segue até o cume. Muitas vezes a mata de segunda está completamente seca e sujeita a incêndio, mas quando chove em Santana do Ipanema e região, aquele pedaço de caatinga é o primeiro a sinalizar a milagrosa mudança do tempo para melhor na zona rural. As primeiras chuvas caídas no final de ano, criam não somente uma árvore de Natal, mas sim, a mata completa nos matizes do verdume em louvação ao Senhor dos Mundos.

O serrote do Cruzeiro, para os mais antigos santanenses continua sendo o mirante natural que oferta maior beleza, simpatia e religiosidade nos ares do seu entorno. As visitas de Semana Santa enchiam o lajeiro onde está situada a capela de Santa Terezinha. Lembro-me muito bem das duas capelas anteriores e suas ruínas. Os adultos dizendo a nós, crianças: “Este pequeno buraco na rocha é a rastro do menino Jesus quando passou por aqui com os seus pais. Aquela outra marca do lajeiro, é o rastro da pata do jumentinho que carregava o filho de Maria”. Aí todos nós mediamos os nossos pés na marca deixada pelo menino santo. Lembro-me do saudoso alfaiate Demerval pegando a mim e ao meu coleguinha, erguendo-nos pelas costelas e nos colocando no altar em ruínas, dizendo com meiguice: “Vocês são dois anjinhos”.

A deferência do senhor Demerval Pontes num momento de tanta inspiração, fez-me sentir anjo pelo menos essa vez na vida. Por coincidência, no futuro, fui professor do seu filho Vitárcio, procurando orientar o filho de quem me chamou de anjinho aos pés do altar. Esvaziada das incansáveis visitas, hoje, a capela de Santa Terezinha – solitária no alto do serrote – parece convidar o povo santanense para conversar no monte sagrado.

E no grande lajeiro do topo do serrote, onde as águas das chuvas empoçam na depressão, para os urubus, pegadas do jumentinho e dos pés do Menino Jesus continuam aguardando mais crianças para o experimento na forma (ô) dos pés.

Saudades...!

AO FUNDO, SERROTE DO CRUZEIRO E PARTE ALTA DA RESERVA TOCAIA. CENÁRIO VISTO DA BR-316, BAIRRO CAMOXINGA (FOTO: B. CHAGAS).