O BOI DE MINAS (Clerisvaldo B. Chagas. 17/18.8.2009) Nos anos 60 surgiu um ditado que se espalhou rapidamente e teve grande repercu...

O boi de Minas

O BOI DE MINAS

(Clerisvaldo B. Chagas. 17/18.8.2009)

Nos anos 60 surgiu um ditado que se espalhou rapidamente e teve grande repercussão no Sertão de Alagoas. Na chegada do ano 1970 negro iria virar macaco. Isso gerou um rebuliço enorme por todos os lugares. Se não deu brigas pesadas, mas provocou discussões que quase levam às vias dos fatos. Os pretos andavam desconfiados. E como o moreno Zacarias, chefe do lugar Alto dos Negros, no Bairro Floresta, era muito sisudo, tornou-se alvo predileto dos brincalhões. No aperto, na pressão constante dos que não tinham o que fazer, Zacaria saiu-se com boca dura: “E os brancos vão virar banana para comida de macaco” O ano 1970 aproximava-se quando surgiu a marcha de carnaval:

“Dizem que em setenta

Negro vai virar macaco

Ora vejam só

Que grande confusão

Se for verdade o que diz o profeta

O que seria do Pelé e do Didi” (...)

Finalmente chegou o ano 70 e, para felicidade geral, nem preto virou macaco nem branco virou banana.

Ainda no decorrer dos anos 60, surgiu outro boato. O homem que comesse do boi de Minas Gerais iria falar fino. Foi uma preocupação geral no interior. Muitos machões, por via das dúvidas, deixaram de consumir carne bovina. Os próprios marchantes do Mercado Municipal esforçavam-se em dizer que o gado de Santana do Ipanema era da própria região. Colocaram a culpa no boi nelore que seria o vilão mineiro. No instante a população aprendeu a distinguir os diversos tipos de raças regionais, na marra. As madamas não queriam ver nem de longe esse tal vilão nelore para ofertar ao maridão em casa. Quem diabo queria ver o marido falando fino? Nunca houve tantos marmanjos às portas do abatedouro as sextas, na margem do Ipanema. Todos queriam ver a cor do mamífero vítima do machado. Teve até um sujeito gigante que disse que se perdesse o bigode ainda atiraria num marchante peste. Mas o carnaval foi chegando. Um indivíduo que ninguém sabe de onde veio, andava nas ruas da cidade abraçado a um violão. Logo formou um bloco de carnaval e passou a repetir a música inventada por ele:



“Olhe o boi

Da cara preta...

Olhe o boi, da cara preta...

E olhe o boi, da cara preta...

Coitado do Valdemar

Não tem de que falar

Comeu da carne do boi e falou fino

E deu pra se requebrar

Ô que azar!...”

Coitado do povo com sua capacidade inventiva. Não teve boi de Minas que desse para abastecer a parada gay de São Paulo. E agora, Valdemar, qual será o próximo ditado?



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AS DUAS CANUDOS (Clerisvaldo B. Chagas. 15/16.8.2009) Mudança e tragédia no sertão baiano no período 1893-1897...

AS DUAS CANUDOS
(Clerisvaldo B. Chagas. 15/16.8.2009)

Mudança e tragédia no sertão baiano no período 1893-1897. Com as prega-ções místicas do cidadão Antonio Vicente Mendes Maciel, nas terras de Canu-dos, perto ainda de Alagoas, os sertanejos encontraram um líder. Vivendo uma época de exploração rural pelos vários coronéis latifundiários, os homens humildes enxergaram em Antonio Conselheiro um salvador para suas dores crônicas do cotidiano. Deixando as fazendas para seguir o pregador, chegaram até ele o vaqueiro, o tirador de leite, o tangerino, o almocreve e muitos outros profissionais que levavam o sertão às costas. Pregando contra as novidades nascidas na república, logo Conselheiro arrebanhou multidão que passou a viver em comunidade. E como sempre aconteceu em todas as partes do mundo coisas semelhantes, o ciúme e a arrogância logo invadiram os corações dos poderosos donos de terras. E assim Antonio Maciel foi acusado de tudo junto ao governo federal, menos da parte boa que pregava e executava. Sem análise nenhuma, sem ouvir a outra parte, sem investigar o movimento, a arrogância também tomou conta do espírito do governo Prudente de Morais (que só possuía a prudência no nome). Os sertanejos seguidores de Conselheiro queriam apenas escapar à fome e à violência, pensando em acabarem as injustiças no sertão. Não havia como protestar de outra maneira, por isso os pobres engajavam-se na religiosidade oferecida por aquele estranho pregador. Foi por isso que o velho arraial de Canudos cresceu e transformou-se em uma das cidades mais povoadas da Bahia, congregando cerca de 30 mil habitantes.
Ali não havia bebida alcoólica, autoridade policial, cobrança de imposto e nem prostituição.
Envenenado pela conversa dos coronéis, o governo de Prudente resolveu acabar com Canudos após os insucessos das tropas do estado. Mesmo assim ainda sofreu várias derrotas até que resolveu enviar o exército com 7 mil ho-mens, organizado pelo próprio ministro da Guerra. Uma vergonha! O Exército brasileiro investindo contra homens, mulheres, anciãos e crianças que só queriam viver de reza e trabalho. Toda a população de Canudos foi morta pelo exército de Prudente de Morais. Uma das páginas mais negras e covardes da História do Brasil. Um massacre!
Quem passa pelas favelas do Rio, pelas barreiras e grotas de Maceió, pelos mangues do Recife, pelas palafitas amazônicas, pelos bolsões de misérias do Jequitinhonha e outros polos semelhantes, tem a impressão de novas Canudos como aquela do sertão baiano. Muito embora contra Canudos modernos não sejam enviadas tropas de roupas camufladas, acontece o contrário. As verbas destinadas às mudanças sociais que exigem escolas, saúde, saneamento, trabalho, dignidade, cidadania, parecem não acertar o endereço. Será culpa dos Correios, será culpa das estradas, será culpa da falta de transportes? Enquanto os “detalhes” não são resolvidos, acumulam-se os famintos nos lixinhos, nos lixos e nos lixões desse país. Quem não morre de frio nos lixões, nem de doenças, nem de fome, morre sob as rodas de tratores gigantes que ceifam a adolescência. É simplesmente o Brasil das DUAS CANUDOS.