UMA CASA ABENÇOADA (Clerisvaldo B. Chagas. 28.1.2010) Sabemos que o maior driblador do mundo em todos os tempos foi o Garrincha. Um mág...

UMA CASA ABENÇOADA

UMA CASA ABENÇOADA

(Clerisvaldo B. Chagas. 28.1.2010)

Sabemos que o maior driblador do mundo em todos os tempos foi o Garrincha. Um mágico da bola que fazia vibrar as multidões. Todavia temos outras lembranças gratificantes que ficaram gravadas nas fases criança e adolescência. São coisas simples que ornam a vida das pessoas sensíveis. As cenas do cotidiano que dão material ao guri para os escritos de amanhã. O alimento da alma que faz a diferença entre artistas e comuns. Lembramos das criaturinhas de Deus, criadas para alegrar o homem. São os pássaros que povoam o mundo com suas particularidades regionais e das próprias espécies, porém, com as mesmas finalidades da música que acalma os nervos. Alguns passarinhos ganharam fama nas lendas do povo sertanejo. A lavandeira, por exemplo, presente no meu romance inédito Fazenda Lajeado, “enquanto os judeus riam ao maltratarem Jesus, a lavandeira lavava os paninhos ensaquentados de Nosso Senhor”. No Sertão não se mata lavandeira por causa dessa lenda. Já o bem-te-vi, também presente naquelas páginas, não tem bom conceito com o povo. “Quando Jesus Menino fugia para o Egito com Maria e José, os soldados perguntavam se haviam visto essas pessoas. O povo negava, mas o bem-te-vi dizia no seu canto: bem que vi! Bem que vi! Outro pássaro, por nome de anum (tem o preto e o branco) é difícil de ser atingido, porque pula para cima tantas vezes venham balas; daí a expressão popular de advertência para quem quer fazer o que não pode: quem tem pólvora pouca não atira em anum. O joão-de-barro e a maria-de-barro constroem suas casas voltadas para o nascente prevendo um ano sem chuvas. O casal trabalha a semana toda e descansa aos domingos.
Conversando com certo eletricista que trocava uma caixinha de energia na minha casa, aprendi mais. Falei a ele que um casal de garrinchas fez ali o seu ninho, colocou os ovos e levou os pelocos. Ninguém mexeu com eles. Fiz ver o tempo de criança quando esse pássaro saltitante, marrom claro, empinado, nervoso e alegre, fazia seus ninhos nas biqueiras da casa de meu pai. Sempre gostei de garrinchas. Mas outros animais como vários marimbondos se arrancharam em minha casa, fizeram seus ninhos e levaram seus filhotes. Nunca os expulsei nem eles atacaram nem a mim nem aos visitantes. Foi quando o eletricista disse: “Professor, a casa onde a garrincha tem guarida é uma casa abençoada. Meus avôs já diziam e minhas bisavós também. Deus está presente na casa e a garrincha é como um enviado de Deus para confirmar a benção”. Lembrei da proteção divina à morada de meu pai. Senti que a minha casa também era abençoada; apenas confirmamos a crença popular. Aprendi mais essa sobre as observações da nossa gente.
Histórias que o povo conta a respeito de aves e pássaros sertanejos enriqueciam somente o folclore do País; atualmente, muitas dessas histórias são comprovadas através de estudiosos do assunto. Torça meu caro internauta, para que uma garrincha procure a biqueira da sua residência. Acredito sim, numa CASA ABENÇOADA.



UM SAPO SE DIVERTE (Clerisvaldo B. Chagas. 27.1.2010) Para os professores da ESSER, em particular à Profª Mª Cledilma Costa. Quando em...

UM SAPO SE DIVERTE


UM SAPO SE DIVERTE

(Clerisvaldo B. Chagas. 27.1.2010)
Para os professores da ESSER, em particular à Profª Mª Cledilma Costa.

Quando em Santana do Ipanema só havia pequenas escolas particulares ou dos governos, trabalhavam até a antiga 4ª série primária (hoje, 4ª do Fundamental). A primeira escola grande que surgiu no Município era particular e funcionava até a 8ª série. Com o nome de “Colégio Santanense”, foi fundado o estabelecimento no ano de 1934, à Rua Benedito Melo (Rua Nova) nº 281. Conduziu esse colégio o Prof. Flávio Aquino de Melo, substituído depois pelo futuro escritor Floro de Araújo Melo que cerrou as suas portas em 1940. O Grupo Escolar Padre Francisco Correia, lecionando somente até a 4ª série, foi fundado em 1938, trabalhando assim paralelamente ao colégio particular durante dois anos. Uma vez extinto o Colégio Santanense, Santana passou mais dez anos sem o ensino da 5ª a 8ª. Quando o Ginásio Santana chegou ─ 1950 ─ teve início o tão desejado Curso Ginasial que iria trabalhar da 5ª a 8ª série.
Além de tantas coisas a respeito do Ginásio, era costume acontecer formaturas e excursões de final de ano. Em uma delas, uma turma de 8ª foi conhecer a capital da Bahia, conduzida pelo motorista senhor José Gomes, mais conhecido como “Sapo”. José Gomes, sujeito paciente e querido por todos, gozava de ótima capacidade pardalesca. Uma espécie de cientista sem incentivo. Ao retornar a excursão, cada um que contasse entusiasmado a resenha da viagem onde jorravam as gargalhadas com as situações vividas. Falaram sobre um paliteiro que ninguém soube como puxar o palito. Disseram sobre um colega que de posse do cardápio pediu um copo de “leitão”. E coisas e mais coisas que se passaram no hotel, na praia, no comércio... A que mais chamou a atenção foi à coincidência no trânsito de Salvador. O trânsito estava caótico, os condutores de veículos nervosos e a temperatura altíssima. Ao passar por outro carro lotado de estudantes, José Gomes fez uma manobra que não agradou aos baianos. Foi aí quando um deles, vendo a placa de Alagoas, gritou como xingamento: “Volte para sua (A) lagoa, sapo!” E ficou aguardando a reação dos alagoanos que caíram numa tremenda gargalhada coletiva. Ainda hoje os baianos não sabem por que um xingamento transformou-se em festa do outro lado. Era realmente um “sapo” que estava dirigindo. Meu irmão mais velho fez parte da excursão e ria a valer ao lembrar o episódio.
José Gomes, carinhosamente “Sapo”, continua amigo de todos e caladão frequentando as ruas de Santana. O Ginásio ainda existe, porém, não é mais o mesmo. Acho que os costumes de excursões em final de ano são coisas esporádicas. Dessa maneira só resta aos saudosistas a dolorosa mexida no baú do tempo. Se não são fábulas, pelo menos aparentam. De qualquer maneira é assim que UM SAPO SE DIVERTE.



ONDE ESTÃO NOSSAS INDÚSTRIAS? (Clerisvaldo B. Chagas. 26.1.2010) Acontece muitas vezes um pai sufocar a vocação do filho. Como o poema ...

ONDE ESTÃO NOSSAS INDÚSTRIAS?

ONDE ESTÃO NOSSAS INDÚSTRIAS?

(Clerisvaldo B. Chagas. 26.1.2010)

Acontece muitas vezes um pai sufocar a vocação do filho. Como o poema sertanejo cantado ao som da viola nordestina, o filho resiste à pressão paterna:

“... Eu disse papai não tome
Esse dom que é todo meu
Aquilo que Deus me deu
Só mesmo a terra é quem come...”

Santana do Ipanema, já foi dito aqui, é cidade comercial por excelência desde os tempos de povoado/vila. Foi entreposto entre Pão de Açúcar (porto fluvial exportador e importador da época) e todo Sertão alagoano. Atualmente Santana possui o segundo melhor comércio do interior, perdendo apenas para a cidade de Arapiraca. Entretanto, a terra de Santa Ana bem que poderia ter sido também industrial. O descaso, a falta de compromisso ou a ignorância, “sufocaram a vocação do filho”.
Na segunda metade do século passado, Santana do Ipanema iniciava um processo fabril rudimentar, movimentando o Município com várias fabriquetas. Em se tratando de calçados, tínhamos a fábrica de “Seu Pimpim” à Rua do Comércio; a de Evilásio Brito à Rua Barão do Rio Branco; a de “Seu Elias” à Rua São Pedro; e a de “Zé Limeira” à Rua Antonio Tavares (inclusive anexada a uma fábrica de malas). Havia ainda fabriquetas de colchões espalhadas pela cidade, entre as quais a de “Júlio Pisunha” à Rua Antonio Tavares. Compravam-se carne-de-sol em duas ou três fábricas chamadas “salgadeiras”, com destaque para a salgadeira de “Otávio Magro” também à Rua Antonio Tavares. Perto da igreja São Pedro havia uma fábrica de mosaico que se destacava pela qualidade e pelas variadas estampas, pertencente a “Zezito Tenório”, dono das terras do futuro bairro São José. Nas localidades suburbanas da Maniçoba e do Bebedouro, curtumes movimentavam a cidade com a compra de cinzas dos fogões a carvão e à lenha e vendiam rolos de sola. No Bairro Floresta funcionava uma fabriqueta de corda de caroá. Quanto ao fabrico de móveis, havia várias fábricas, cujo destaque era a do senhor José Costa que funcionava no Bairro Monumento. Na Rua do Comércio encontrava-se uma fábrica de aguardente e vinagre do proprietário Antonio Bulhões. Nas proximidades da Ponte Cônego Bulhões, Rua Margem do Ipanema, também funcionava outra fábrica de aguardente do Sinval (bom declamador de poesia matuta).
Nada mais existe. Tudo foi riscado do mapa pelos motivos vistos acima. Há alguns anos, elaboramos e distribuimos a “Carta de Santana”, documento que mostrava didaticamente como fazer a cidade progredir, inclusive com detalhes na parte industrial. O que mais existe nos lugares afastados do mar é ouvido de mercador. É melhor aproveitar idéias arcaicas próprias de que pensamentos luminosos alheios. A região de Santana do Ipanema abate um número significativo de bovinos, semanalmente. Couros, ossos, chifres, cascos, são exportados a preços vis. Uma só fabriqueta de sola não existe. Poderíamos ter sido a cidade do couro e progredido como Caruaru com fábricas de derivados do boi. Tudo foi entulhado, sufocado... Desprezado. Meu Deus! ONDE ESTÃO NOSSAS INDÚSTRIAS?